Fonte da imagem: https://conic.org.br/portal/noticias/2943-21-de-janeiro-o-dia-nacional-de-combate-a-intolerancia-religiosa
Isadora Pereira
da Fonseca*
O presente artigo tem como
objetivo trazer um breve resumo histórico a respeito do antissemitismo e a
islamofobia disseminados na Europa, fazendo uma correlação com a discriminação
sofrida pelos credos das religiões afro-brasileiras.
O termo “antissemitismo”
refere-se a manifestação de ódio contra o povo de origem semita, no entanto está
mais vinculado a perseguição sofrida pelos judeus desde a antiguidade.
Considerada a religião monoteísta mais antiga do mundo, o judaísmo surgiu no
oriente médio há cerca de 3300 anos e originou-se através do patriarca Abraão
após o mesmo receber de Deus (denominado Javé ou Jeová) a ordem de buscar pela
terra prometida. O princípio do judaísmo é marcado pela ascensão do povo judeu que
através de reis como Saúl, Davi e Salomão se tornaram um povo muito influente.
A ruína do Primeiro Templo
após a invasão de Jerusalém pelos Babilônios em 587 a.C. e a destruição do
Segundo Templo pelas mãos dos romanos no ano 70 d.C. são dois eventos marcantes
para a história da aludida religião, pois acabou transformando os judeus em um
povo diaspórico, ou seja, estes episódios acarretaram a expulsão e dispersão de
seu povo. Ademais, os judeus, ao rejeitarem Jesus Cristo como o Messias e
contribuir para sua condenação e morte (como sugere o Novo Testamento),
transformaram-se num povo deicida. Por esta razão, a Igreja Católica condenou
os judeus a “servidão perpétua”, impedindo-os por exemplo, de ocupar cargos e
atuar em diversas áreas profissionais.
Com isso, nasceu o
sentimento de insegurança de uma minoria condenada a constantes perseguições.
Ao longo de sua história, os judeus conviveram em pequenas comunidades,
ocupando diferentes regiões pelo mundo. Eles não possuíam território próprio,
mas eram considerados uma nação e conservaram sua identidade através da língua,
religião, costumes e hábitos. Isto sem levar em consideração o momento
histórico do holocausto, o qual partiu da ideia de que os judeus estariam se
aproveitando da desgraça dos alemães, já que lucravam com os juros dos empréstimos
de dinheiro. A 2ª Guerra Mundial
resultou na morte de cerca de 5 milhões de judeus. Desde o início do século XXI
até os dias atuais, por conta do conflito entre Israel e os palestinos a Europa
assiste uma onda de manifestações antissemitas
Não muito distante do supracitado
antissemitismo, o termo islamofobia está relacionado ao preconceito, medo ou
ódio contra o Islã e consequentemente os muçulmanos. O Islamismo ou
simplesmente Islã, segunda maior religião monoteísta do mundo, surgiu no século
VII por meio das ações de Maomé, que na história foi intitulado profeta, quando
através do anjo Gabriel recebeu a revelação de Allah (que nada mais é do que a
palavra Deus em árabe). A partir deste episódio, Maomé passou a receber
mensagens que foram passadas a seus seguidores, e mais tarde compiladas em um
livro sagrado chamado Alcorão. No entanto, diferente dos judeus, os muçulmanos
não desconsideram as mensagens de outros profetas como Jesus Cristo, apenas defendem
que Maomé teria sido o último mensageiro de Deus.
Embora tenha significado
semelhante ao antissemitismo e em alguns momentos da história do islamismo os
fiéis tenham sido perseguidos por conta de suas doutrinas, a islamofobia está
muito mais entrelaçada com a política internacional do que propriamente com a
fé da maior parte dos muçulmanos.
A partir dos anos 80, os EUA
bombardeou e ocupou cerca de 15 países islâmicos, isso sem contar com as mais
de 20 bases militares estabelecidas. Desde
o início da década de 90 e principalmente após o atentado de 11 de setembro de
2001 provocado pela Al-Qaeda (grupo de militares fundamentalistas islâmicos), as
discussões sobre a islamofobia se intensificaram no mundo. Esses eventos fomentaram
uma série de julgamentos e uma generalização arbitrária relacionada ao islã, que
foram promovidos a bárbaros, irracionais, inimigos da liberdade e do ocidente. Ainda,
a Guerra na Síria iniciada em 2011, apesar de interna, corrobora o choque entre
países ocidentais e grupos islâmicos. Essa guerra civil, que perdura até os
dias atuais, gerou uma imensa onda de imigração para a Europa, que seria o
lugar de mais fácil acesso dos imigrantes, a maioria de origem árabe.
A tentativa de introduzir a
cultura ocidental nos países de origem mulçumana suscitou uma dura resposta
através da radicalização dos ideais islâmicos: o fundamentalismo, que levou a
Al-Qaeda aos ataques e motivou a invasão do Afeganistão e Iraque pelos EUA.
Percebe-se então que esse círculo vicioso se alterna entre intolerância e uso
da religião para promover atos de violência e incitar guerra.
Observando um outro lado do
prisma da intolerância religiosa, o Brasil foi palco de inúmeras perseguições e
até tentativas fracassadas de catequização de povos primitivos anos após a sua
descoberta. Ao longo da história, houve uma grande miscigenação, consequência
da colonização, e isso fez com que o país abrigasse um vasto leque não apenas
cultural, mas também religioso.
Os cultos de matriz africana
que conhecemos hoje, surgiram a partir do comércio de escravos, provenientes de
povos e territórios diferentes (Iorubás, Fon, Bantu, etc) que misturados nas
senzalas fizeram surgir o candomblé. Outras práticas são derivadas do
sincretismo que se fez presente no Brasil colônia, e começou a se formar no
momento em que os católicos deram início à catequização de índios e negros com
o propósito de apagar as
crenças dos povos escravizados. A Umbanda é fruto desse sincretismo, mas só se
iniciou de fato em 1908, quando Zélio Fernandino de Moraes anunciou a criação
do novo culto em Niterói, estado do Rio de Janeiro. Essa nova religião se
propõe como cem por cento brasileira, pois possui grande influência do
kardecismo e do catolicismo vindos da Europa, do culto aos Orixás, oriundo do
Candomblé e de ritos de pajelança tipicamente indígenas.
Embora sua grande
diversidade, percebe-se pela história que o Brasil se fundou basicamente no cristianismo
elitizado, por este motivo vemos ainda hoje uma grande dificuldade na aceitação
de outras crenças ainda que a partir de 1890 o Estado já tenha sido declarado
laico. As religiões de matriz afro-brasileiras foram por muitos séculos
marginalizadas e reprimidas pela legislação, além de serem consideradas
juntamente com o protestantismo e judaísmo, heresia e “crime contra a fé” pela
Igreja Católica, já que colocavam em risco a prevalência dos dogmas da mesma.
Pouco mais adiante, durante
o período do Estado Novo (1937 – 1946), houve atuação da Polícia Civil dentro
do processo de repressão às religiões afro-brasileiras, fazendo com que a
perseguição a terreiros aumentasse muito. Neste mesmo período umbanda fez um
esforço para se consolidar dentro do campo religioso a partir de um discurso de
embranquecimento e mestiçagem, com intuito de afastar essa repressão.
Além disso, nas últimas
décadas o crescimento dos segmentos evangélicos neopentecostais no Brasil,
levando em conta a prosperidade multinacional da igreja Universal do Reino de
Deus, a tensão e os casos de intolerância só aumentaram pois seus fiéis
passaram a demonizar a Umbanda e o Candomblé, especialmente em bairros
periféricos onde os Terreiros seriam concorrentes a serem derrotados neste
mercado da fé.
Isso posto, percebemos que a
intolerância, isto é, comportamento odioso e agressivo àqueles que possuem
diferentes opiniões, esteve sempre presente no decorrer da história da
humanidade nas mais diversas culturas, podendo também ser interpretada a partir
no conceito freudiano “narcisismo das pequenas diferenças” como um pensamento
de que, justamente as diferenças mínimas entre os povos que, de fato são
iguais, formam a base dos sentimentos de estranheza e hostilidade.
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*Isadora é aluna de Relações Internacionais do UNICURITIBA. O artigo acima é parte de sua pesquisa do Trabalho de Conclusão de Curso, orientada pelo Professor Andrew Traumann.
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