Júlia de Abreu Ferreira da Silva*
Variações demográficas
não são uma novidade para o território anteriormente ocupado pela República
Socialista Federativa da Iugoslávia (1945-1992), atualmente dividido em
Bósnia-Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Macedônia do Norte, Montenegro e
Sérvia, além do contestado Kosovo. Historicamente, a região – assim como o
resto da Europa – experimentou períodos de intensa emigração; na década de
1960, por exemplo, milhares de iugoslavos deixaram o país sob motivações
econômicas. (BONIFAZI; MAMOLO, 2004, p. 521)
No entanto, estas
variações acentuaram-se definitivamente durante a década de 1990; a união entre
o fim do regime político comunista após a queda do Muro de Berlim e as
profundas mudanças sociais e econômicas, aliadas ao advento da Guerra Civil
Iugoslava (1991-2001), impactaram a região como um todo. Além do alto número de
mortos durante o conflito, a guerra gerou uma enorme movimentação populacional,
migrações forçadas e voluntárias; a consequente deterioração de diversos
setores da sociedade – saúde, economia, padrões de vida – resultou em quedas
nos índices de fecundidade e natalidade, bem como alta nos níveis de mortalidade.
(SARDON, 2001, p. 49-50)
As causas deste conflito
estão relacionadas a uma série de fatores, como a crise econômica que se
alastrou pela Iugoslávia durante toda a década de 1980; o crescimento
econômico, que durante a década de 1970 mantivera-se na casa do 5%, caiu para
zero, passando a ser negativo a partir de 1980; o desemprego atingiu cerca de
1,2 milhão de trabalhadores em 1988. A inflação galopava, de 170% em 1987 para
2,5 mil % em 1990, chegando a 120 mil % em 1992. (JACOMINI, 1998, p. 43)
Além da deterioração da
economia, o falecimento do presidente vitalício Josip Broz Tito em 1980, gerou
uma forte crise política, mergulhando a região em dúvidas se o sistema por ele
criado seria capaz de sustentar-se sem sua presença. A rotação anual da
presidência entre representantes de cada uma das repúblicas e províncias
autônomas iugoslavas rapidamente provou-se uma escolha falha, “dando a cada um
dos componentes da Iugoslávia uma noção cada vez mais aguda de suas
singularidades”. (FERON, PIRES; 1999, p. 42)
A questão étnica, no
entanto, se destaca; formada por cinco “etnias constituintes” – croata,
eslovena, macedônia, montenegrina e sérvia –, cada uma associada à uma
república específica em relação à sua origem histórica, além de um
significativo número de minorias étnicas (HAMMEL, MASON, STEVANOVIĆ; 2010, p.
1104), a Iugoslávia foi permeada por tensões causadas pela convivência entre as
nacionalidades, principalmente na Bósnia e no Kosovo.
Estes fatores, em maior
ou menor grau dependendo de cada república, levaram à guerra civil, e a
Iugoslávia se desmantelou; os conflitos na Eslovênia (1991), Croácia
(1991-1995), Bósnia-Herzegovina (1992-1995) e Kosovo (1999) provocaram milhares
de mortes (estima-se entre 200.000 a 300.000 casualidades somente na
Bósnia-Herzegovina, representando de 5 a 7% de sua população (SARDON, 2001, p.
51)), além de forçarem milhões a abandonarem seus lares. O fim da guerra não
trouxe melhorias para a região: na Bósnia-Herzegovina, as tropas da OTAN
permaneceram administrando uma espécie de “paz armada” quase dez anos após o
fim do conflito; na Macedônia do Norte, os problemas econômicos e étnicos eram
latentes; na República Federativa da Iugoslávia (formada por Sérvia e
Montenegro a partir de 1992), os bombardeios da OTAN e o isolamento político e
econômico geraram um prejuízo de US$ 30 bilhões; e o Kosovo passou a existir
sob administração das Nações Unidas, (AGUILAR, 2003, p. 306-307) declarando sua
independência de reconhecimento limitado em 2008.
Diversos pontos podem ser
levantados para explicar a crise demográfica após 2000: conforme indicado
anteriormente, os níveis de fecundidade em todos os países decaíram. Judah
(2019) descreve que, em termos numéricos, a quantidade de indivíduos emigrando
da região durante o regime comunista “não importava tanto quando mulheres
tinham cinco ou sete filhos”; essa já não é mais uma realidade. Entre os países
que formavam a Iugoslávia, somente o contestado Kosovo possui um índice de
fecundidade que se aproxima ao “nível de renovação popular” (2.1 crianças por
mulher), chegando a 2.0 crianças por mulher; seus vizinhos possuem índices
variando abaixo de 1.6, com a Bósnia-Herzegovina possuindo uma das menores
taxas do mundo, de 1.26 crianças por mulher.
As enormes projeções de
declínio populacional entre 1989 e 2050 também são um ponto relevante; embora
os valores em Montenegro e Kosovo não sejam extremos (-4.191% e -11.22%
respectivamente), Bósnia-Herzegovina, Croácia e Sérvia possuem taxas
ultrapassando os 20% negativos. Em toda a região, as tendências apontam para o
envelhecimento da população, enquanto jovens com graduação e especializações
optam por deixar o país, principalmente em direção à Alemanha. (JUDAH, 2019)
É importante notar que a
crise demográfica não se relaciona somente à diminuição da população, mas traz
consigo uma sucessão de consequências: o abastecimento de mão-de-obra já vem
sendo impactado pela falta de trabalhadores qualificados – na
Bósnia-Herzegovina, faltam médicos e profissionais de construção –; no longo
prazo, há a possibilidade de impacto na produtividade e no crescimento
econômico. O envelhecimento da população expande os gastos governamentais,
principalmente na área de saúde e de previdência social, bem como na falta de
trabalhadores. Embora reformas do mercado de trabalho sejam necessárias,
estipula-se que seus efeitos sejam apenas mitigadores, não revertendo o quadro
por completo.
Não obstante as
tentativas governamentais de estimular o crescimento das taxas de natalidade –
como no caso da Croácia, oferecendo pensões à mães em licença-maternidade – ou
de impedir a emigração, o futuro destes países parece ser o do encolhimento
populacional cada vez mais acelerado.
Bibliografia:
AGUILAR, Sérgio Luiz Cruz. A Guerra da Iugoslávia: Uma década de crises nos Bálcãs. São Paulo:
Usina do Livro, 2003.
BONIFAZI, Corrado; MAMOLO, Marija. Past and Current
Trends of Balkan Migrations. Espace,
Populations, Sociétés, Lille, v. 2004/3, p. 519-531, set./dez. 2004.
Disponível em: <https://journals.openedition.org/eps/356>. Acesso em: 16
abr. 2020.
FERON, Bernard; PIRES, Luiz Zini. Iugoslávia: A guerra do final do milênio. Porto Alegre: L&PM,
1999.
JACOMINI,
Márcia Aparecida. Guerra na Bósnia: restauração
capitalista num mundo globalizado. São Paulo: Moderna, 1998.
JUDAH, Tim. Bosnia
Powerless to Halt Demographic Decline. Balkan Insight, Sarajevo,
nov. 2019. Disponível em:
<https://balkaninsight.com/2019/11/21/bosnia-powerless-to-halt-demographic-decline/>.
Acesso
em: 17 abr. 2020.
______. Bye-Bye,
Balkan: A Region in Critical Demographic Decline. Balkan Insight, [S.l.], out. 2019. Disponível em:
<https://balkaninsight.com/2019/10/14/bye-bye-balkans-a-region-in-critical-demographic-decline/>.
Acesso em: 17 abr. 2020.
______. Croatia
Faces “Long-Term Stagnation” of Demographic Decline. Balkan
Insight, Zagreb, out. 2019.
Disponível em:
<https://balkaninsight.com/2019/10/31/croatia-faces-long-term-stagnation-of-demographic-decline/>.
Acesso em: 17 abr. 2020.
______. Kosovo’s
Demographic Destiny Looks Eerily Familiar. Balkan Insight, Pristina, nov. 2019. Disponível em:
<https://balkaninsight.com/2019/11/07/kosovos-demographic-destiny-looks-eerily-familiar/>.
Acesso
em: 17 abr. 2020.
______. Montenegro
Cannot Count on Bucking Demographic Trends. Balkan Insight, Podgorica, dez. 2019. Disponível em:
<https://balkaninsight.com/2019/12/05/montenegro-cannot-count-on-bucking-demographic-trends/>.
Acesso
em: 17 abr. 2020.
______. “Too Late”
to Halt Serbia’s Demographic Disaster. Balkan Insight,Belgrado, out. 2019. Disponível em:
<https://balkaninsight.com/2019/10/24/too-late-to-halt-serbias-demographic-disaster/>.
Acesso em: 17 abr. 2020.
HAMMEL, E. A.;
MASON, Carl; STEVANOVIĆ, Mirjana. A fish stinks from the head: Ethnic
diversity, segregation, and the collapse of Yugoslavia. Demographic Research, Rostock, v. 22, n. 35, p. 1097-1142, jun.
2010. Disponível em:
<https://www.demographic-research.org/Volumes/Vol22/35/>. Acesso em: 18
abr. 2020.
SARDON, Jean-Paul.
Demographic Change in the Balkans Since the End of the 1980s. Population,
an English selection, [S.l.], ano 13, n. 2, p. 49-70, 2001.
Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/3030275>. Acesso em: 18 abr.
2020.
*A acadêmica Júlia de Abreu é aluna do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA. O texto acima é parte do seu Trabalho de Conclusão de Curso, sob orientação do Professor Andrew Traumann.
Nenhum comentário:
Postar um comentário