sábado, 16 de maio de 2020

"É para o meu TCC": A crise demográfica nos países da ex-Iugoslávia entre 1989 e 2019



Júlia de Abreu Ferreira da Silva*

Variações demográficas não são uma novidade para o território anteriormente ocupado pela República Socialista Federativa da Iugoslávia (1945-1992), atualmente dividido em Bósnia-Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Macedônia do Norte, Montenegro e Sérvia, além do contestado Kosovo. Historicamente, a região – assim como o resto da Europa – experimentou períodos de intensa emigração; na década de 1960, por exemplo, milhares de iugoslavos deixaram o país sob motivações econômicas. (BONIFAZI; MAMOLO, 2004, p. 521)
No entanto, estas variações acentuaram-se definitivamente durante a década de 1990; a união entre o fim do regime político comunista após a queda do Muro de Berlim e as profundas mudanças sociais e econômicas, aliadas ao advento da Guerra Civil Iugoslava (1991-2001), impactaram a região como um todo. Além do alto número de mortos durante o conflito, a guerra gerou uma enorme movimentação populacional, migrações forçadas e voluntárias; a consequente deterioração de diversos setores da sociedade – saúde, economia, padrões de vida – resultou em quedas nos índices de fecundidade e natalidade, bem como alta nos níveis de mortalidade. (SARDON, 2001, p. 49-50)
As causas deste conflito estão relacionadas a uma série de fatores, como a crise econômica que se alastrou pela Iugoslávia durante toda a década de 1980; o crescimento econômico, que durante a década de 1970 mantivera-se na casa do 5%, caiu para zero, passando a ser negativo a partir de 1980; o desemprego atingiu cerca de 1,2 milhão de trabalhadores em 1988. A inflação galopava, de 170% em 1987 para 2,5 mil % em 1990, chegando a 120 mil % em 1992. (JACOMINI, 1998, p. 43)
Além da deterioração da economia, o falecimento do presidente vitalício Josip Broz Tito em 1980, gerou uma forte crise política, mergulhando a região em dúvidas se o sistema por ele criado seria capaz de sustentar-se sem sua presença. A rotação anual da presidência entre representantes de cada uma das repúblicas e províncias autônomas iugoslavas rapidamente provou-se uma escolha falha, “dando a cada um dos componentes da Iugoslávia uma noção cada vez mais aguda de suas singularidades”. (FERON, PIRES; 1999, p. 42)
A questão étnica, no entanto, se destaca; formada por cinco “etnias constituintes” – croata, eslovena, macedônia, montenegrina e sérvia –, cada uma associada à uma república específica em relação à sua origem histórica, além de um significativo número de minorias étnicas (HAMMEL, MASON, STEVANOVIĆ; 2010, p. 1104), a Iugoslávia foi permeada por tensões causadas pela convivência entre as nacionalidades, principalmente na Bósnia e no Kosovo.
Estes fatores, em maior ou menor grau dependendo de cada república, levaram à guerra civil, e a Iugoslávia se desmantelou; os conflitos na Eslovênia (1991), Croácia (1991-1995), Bósnia-Herzegovina (1992-1995) e Kosovo (1999) provocaram milhares de mortes (estima-se entre 200.000 a 300.000 casualidades somente na Bósnia-Herzegovina, representando de 5 a 7% de sua população (SARDON, 2001, p. 51)), além de forçarem milhões a abandonarem seus lares. O fim da guerra não trouxe melhorias para a região: na Bósnia-Herzegovina, as tropas da OTAN permaneceram administrando uma espécie de “paz armada” quase dez anos após o fim do conflito; na Macedônia do Norte, os problemas econômicos e étnicos eram latentes; na República Federativa da Iugoslávia (formada por Sérvia e Montenegro a partir de 1992), os bombardeios da OTAN e o isolamento político e econômico geraram um prejuízo de US$ 30 bilhões; e o Kosovo passou a existir sob administração das Nações Unidas, (AGUILAR, 2003, p. 306-307) declarando sua independência de reconhecimento limitado em 2008.
Diversos pontos podem ser levantados para explicar a crise demográfica após 2000: conforme indicado anteriormente, os níveis de fecundidade em todos os países decaíram. Judah (2019) descreve que, em termos numéricos, a quantidade de indivíduos emigrando da região durante o regime comunista “não importava tanto quando mulheres tinham cinco ou sete filhos”; essa já não é mais uma realidade. Entre os países que formavam a Iugoslávia, somente o contestado Kosovo possui um índice de fecundidade que se aproxima ao “nível de renovação popular” (2.1 crianças por mulher), chegando a 2.0 crianças por mulher; seus vizinhos possuem índices variando abaixo de 1.6, com a Bósnia-Herzegovina possuindo uma das menores taxas do mundo, de 1.26 crianças por mulher.
As enormes projeções de declínio populacional entre 1989 e 2050 também são um ponto relevante; embora os valores em Montenegro e Kosovo não sejam extremos (-4.191% e -11.22% respectivamente), Bósnia-Herzegovina, Croácia e Sérvia possuem taxas ultrapassando os 20% negativos. Em toda a região, as tendências apontam para o envelhecimento da população, enquanto jovens com graduação e especializações optam por deixar o país, principalmente em direção à Alemanha. (JUDAH, 2019)
É importante notar que a crise demográfica não se relaciona somente à diminuição da população, mas traz consigo uma sucessão de consequências: o abastecimento de mão-de-obra já vem sendo impactado pela falta de trabalhadores qualificados – na Bósnia-Herzegovina, faltam médicos e profissionais de construção –; no longo prazo, há a possibilidade de impacto na produtividade e no crescimento econômico. O envelhecimento da população expande os gastos governamentais, principalmente na área de saúde e de previdência social, bem como na falta de trabalhadores. Embora reformas do mercado de trabalho sejam necessárias, estipula-se que seus efeitos sejam apenas mitigadores, não revertendo o quadro por completo.
Não obstante as tentativas governamentais de estimular o crescimento das taxas de natalidade – como no caso da Croácia, oferecendo pensões à mães em licença-maternidade – ou de impedir a emigração, o futuro destes países parece ser o do encolhimento populacional cada vez mais acelerado.
Bibliografia:
AGUILAR, Sérgio Luiz Cruz. A Guerra da Iugoslávia: Uma década de crises nos Bálcãs. São Paulo: Usina do Livro, 2003.
BONIFAZI, Corrado; MAMOLO, Marija. Past and Current Trends of Balkan Migrations. Espace, Populations, Sociétés, Lille, v. 2004/3, p. 519-531, set./dez. 2004. Disponível em: <https://journals.openedition.org/eps/356>. Acesso em: 16 abr. 2020.
FERON, Bernard; PIRES, Luiz Zini. Iugoslávia: A guerra do final do milênio. Porto Alegre: L&PM, 1999.
JACOMINI, Márcia Aparecida. Guerra na Bósnia: restauração capitalista num mundo globalizado. São Paulo: Moderna, 1998.
JUDAH, Tim. Bosnia Powerless to Halt Demographic Decline. Balkan Insight, Sarajevo,  nov. 2019. Disponível em: <https://balkaninsight.com/2019/11/21/bosnia-powerless-to-halt-demographic-decline/>. Acesso em: 17 abr. 2020.
______. Bye-Bye, Balkan: A Region in Critical Demographic Decline. Balkan Insight, [S.l.], out. 2019. Disponível em: <https://balkaninsight.com/2019/10/14/bye-bye-balkans-a-region-in-critical-demographic-decline/>. Acesso em: 17 abr. 2020.
______. Croatia Faces “Long-Term Stagnation” of Demographic Decline. Balkan Insight, Zagreb, out. 2019. Disponível em: <https://balkaninsight.com/2019/10/31/croatia-faces-long-term-stagnation-of-demographic-decline/>. Acesso em: 17 abr. 2020.
______. Kosovo’s Demographic Destiny Looks Eerily Familiar. Balkan Insight, Pristina, nov. 2019. Disponível em: <https://balkaninsight.com/2019/11/07/kosovos-demographic-destiny-looks-eerily-familiar/>. Acesso em: 17 abr. 2020.
______. Montenegro Cannot Count on Bucking Demographic Trends. Balkan Insight, Podgorica, dez. 2019. Disponível em: <https://balkaninsight.com/2019/12/05/montenegro-cannot-count-on-bucking-demographic-trends/>. Acesso em: 17 abr. 2020.
______. “Too Late” to Halt Serbia’s Demographic Disaster. Balkan Insight,Belgrado, out. 2019. Disponível em: <https://balkaninsight.com/2019/10/24/too-late-to-halt-serbias-demographic-disaster/>. Acesso em: 17 abr. 2020.
HAMMEL, E. A.; MASON, Carl; STEVANOVIĆ, Mirjana. A fish stinks from the head: Ethnic diversity, segregation, and the collapse of Yugoslavia. Demographic Research, Rostock, v. 22, n. 35, p. 1097-1142, jun. 2010. Disponível em: <https://www.demographic-research.org/Volumes/Vol22/35/>. Acesso em: 18 abr. 2020.
SARDON, Jean-Paul. Demographic Change in the Balkans Since the End of the 1980s. Population, an English selection,  [S.l.], ano 13, n. 2, p. 49-70, 2001. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/3030275>. Acesso em: 18 abr. 2020.

*A acadêmica Júlia de Abreu é aluna do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA. O texto acima é parte do seu Trabalho de Conclusão de Curso, sob orientação do Professor Andrew Traumann. 

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