Por José Vinícius Vidolin*
A legislação e o respeito dos direitos humanos em relação a população LGBTQ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Queers – termo originário da palavra inglesa queer, que engloba outras identidades de gêneros e orientações sexuais –) apresenta uma grande complexidade e enormes variações ao redor do mundo. Desde a década de 1970 vem acontecendo nos Estados Ocidentais uma maior flexibilização da legislação a respeito dos direitos da população LGBTQ, a discriminação de várias práticas homo afetivas e uma maior garantia de direitos até então concedidos apenas a relações heteronormativas, como o direito a união estável e casamento, assim como o direito a adoção.
Infelizmente essa realidade ainda é bem diferente em diversos Estados mais conservadores, como a maioria dos Estados africanos e asiáticos. Atualmente ser LGBTQ é crime em 77 países, sendo passível de punição a morte em 6 territórios diferentes.
Mesmo quando não há uma legislação que de fato condene o grupo LGBTQ a prisão ou a morte, em muitos destes países há uma imensa perseguição institucionalizada, impedindo o acesso à educação, promovendo políticas institucionalizadas de segregação social, políticas de restrição ao mercado de trabalho e etc. O que caracteriza uma grave e generalizada afronta aos princípios mais básicos dos direitos humanos.
Por esse motivo, muitos membros da comunidade LGBTQ são forçados a abandonar os seus países de origem pois são vítimas dessas perseguições, temendo pela sua própria vida. O que os caracteriza como refugiados, segundo a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951.
Segundo o artigo 1º da Convenção, emendado pelo Protocolo de 1967 define como refugiado “toda a pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido a sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer fazer uso da proteção desse país ou, não tendo uma nacionalidade e estando fora do país em que residia como resultado daqueles eventos, não poderá, em razão daqueles temores, não quer regressar ao mesmo”.
No Brasil, a mudança do tratamento de direitos em relação a população LGBTQ começou a surgir a partir da redemocratização do país, em 1985. A atual Constituição brasileira diz que um dos objetivos principais da República brasileira “é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Todavia não garantia explicitamente alguns direitos básicos a população LGBTQ, como direito a união civil, casamento e adoção.
Ao longo dos anos a normativa brasileira passou por inúmeras mutações e interpretações que refletiam a sociedade como um todo, e então, somente em 2011, o STF equiparou as relações homoafetivas à de união estável, garantindo assim uma maior proteção jurídica em todo o território nacional. Em 2013 o Conselho Nacional de Justiça emite a resolução 175 que proíbe todos os cartórios em território nacional de recusarem a habilitação de casamentos homoafetivos, garantindo assim o direito ao casamento civil a população LGBTQ.
Mais recentemente o Supremo Tribunal Federal determinou que o crime de racismo seja equiparado aos casos de agressão contra a população LGBTQ, até que uma norma especifica seja elaborada pelo Congresso Nacional.
Isso fez com que o Brasil entrasse na rota internacional de quem procura refúgio em relação a sua orientação sexual e diversidade de gênero. Segundo dados do Ministério da Justiça, o primeiro caso de acolhida a um refugiado LGBTQ no país ocorreu em 2002. De lá pra cá, com o aumento na garantia dos direitos básicos a população LGBTQ no nosso país, esse número só aumentou.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça em conjunto com o ACNUR (Alto Comissariado das Nações zunidas para os Refugiados) em 2018, pelo menos 369 solicitações de reconhecimento da condição de refugiado com base em orientação sexual e identidade de gênero foram acolhidas pelas autoridades brasileiras, entre 2010 e 2016, fazendo com que o Brasil fosse o 4º país no mundo a tornar estes dados públicos.
Porém esse número poderia ser muito maior, pois no Brasil o levantamento desses dados apenas começou a ser realizado e divulgado a partir de 2010 e também em muitos dos casos os solicitantes LGBTQ temem pelo estigma, atrelado a homofobia e vergonha institucionalizadas existentes no seu país de origem, e por isso quando possuem mais de um motivo para pedir refúgio, acabam opinando por omitir a sua orientação sexual.
Na maioria dos casos, os solicitantes do refúgio são provenientes de países africanos, como Nigéria, Serra Leoa, Camarões e Gana. Sabem pouco ou nada da normativa brasileira referente aos direitos da população LGBTQ e pretendiam ou tentaram solicitar refúgio na Europa Ocidental, Estados Unidos e Canadá, mas devido a medidas de contenção do fluxo migratório (principalmente de refugiados) nestes Estados, acabaram por solicitar o refúgio aqui no Brasil.
No entanto o contexto brasileiro apresenta uma dúbia realidade, se na normativa vigente garante uma série de direitos a população LGBTQ, a realidade é totalmente diferente. Temos altos índices de violência de gênero e contra a população LGBTQ, segundo um relatório “Assassinatos LGBTQ no Brasil” divulgado pelo Grupo Gay da Bahia em 2016, 343 pessoas foram vítimas de assassinato ligado a LGBTQfobia naquele ano, representando 1 morte a cada 25 horas no país.
Apesar dessa violenta realidade, muitos refugiados se sentem mais confortáveis e seguros no Brasil, pois embora ainda vivemos em uma sociedade LGBTQfóbica, o Brasil não criminaliza os corpos LGBTQ e garante, pelo menos no âmbito jurídico, uma série de direitos, ao contrário do que ocorre em seus países de origem.
No entanto essa realidade de proteção institucional vem sofrendo mudanças. No passado o país era um dos grandes promotores dos direitos LGBTQ em nível internacional, conseguindo avanços sobre a temática no sistema ONU, como a resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre os direitos da população LGBTQ.
Após a última eleição presidencial, um revisionismo da política interna e externa brasileira vem sendo institucionalizado, e o posicionamento em relação às mulheres, gênero e a comunidade LGBTQ como um todo mudou. No último ano por exemplo, diplomatas receberam instruções oficiais diretas do Ministério das Relações Exteriores para reiterar o novo posicionamento do governo de que “a palavra gênero é referente ao sexo biológico: feminino ou masculino” e que o próprio termo deveria ser vetado em resoluções da ONU, assim como em qualquer negociação internacional.
Atrelado a isso há o próprio posicionamento pessoal do atual presidente, que em inúmeras vezes proferiu falas abertamente LGBTQfóbicas, como em uma de suas falas em que após o PSOL entrar com uma representação no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados contra o atual presidente, Jair Bolsonaro disse: “ninguém gosta de homossexual, a gente suporta”. Em outro momento em entrevista à revista Playboy disse: “prefiro filho morto em um acidente a um homossexual”.
Ao longo da história brasileira analisamos que a maioria das conquistas de direitos humanos em prol da população LGBTQ partiram do Poder Judiciário, sendo que a pauta sempre teve pouca expressão e representatividade dentro do Poder Legislativo e principalmente do Poder Executivo. Porém nas últimas décadas o pensamento de grande parte da população vem mudando, tendo rumos mais progressistas e abraçando a causa dos direitos humanos. Não podemos negligenciar ou negar os direitos mais básicos a qualquer grupo minoritário que seja.
*Acadêmico do 7º período do Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.
Texto preparado sob a orientação acadêmica do Prof. MSc. Michele Hastreiter
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DELFIN, Rodrigo Borges. Gênero, Sexualidade e Migrações: a realidade dos refugiados LGBTTI.MigraMundo. São Paulo, 05 fevereiro 2015. Disponível em: https://migramundo.com/genero-sexualidade-e-migracoes-a-realidade-dos-refugiados-lgbtti/. Acesso em 17 de mar. 2020.
UN High Commissioner For Refugees (UNHCR). Summary Conclusions: Asylum-Seekers and Refugees Seeking Protection on Account of their Sexual Orientation and Gender Identity, 2010b [s.l:s.n.]Disponível em http://www.refworld.org/docid/4cff99a42.html. Acesso em 15 de nov. 2019.
ANDRADE, Vitor Lopes. Refúgio por motivos de orientação sexual: um estudo antropológico na cidade de São Paulo.Florianópolis: Editora da UFSC, 2019.
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