O Brasil vai passando dos 30 mil mortos pelo novo coronavírus. Agora quarto lugar no triste ranking de óbitos, país ultrapassou a França e só está atrás de Estados Unidos, Reino Unido e Itália. Nadando de braçada contra a maré da ciência, em pouco tempo serão mais brasileiros enterrados pela covid-19 que italianos e ingleses. Quase no pódio, o caso brasileiro escala na direção da liderança em número de casos e mortes da pandemia. Mesmo que ainda relativamente distante das mais de 100 mil certidões de óbitos nos Estados Unidos, as taxas de contaminação no Brasil são as maiores do mundo. O The Wall Street Journal demonstrou preocupação com a crescente desenfreada do coronavírus no Brasil.
O jornal norte-americano demonstra espanto em relação aos desejos do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (sem partido), de reabertura da economia em meio ao pico do número de mortes diários no país. Em comparação, o WSJ ressalta que, no dia (26/05) em que morreram 592 pessoas nos Estados Unidos – país mais afetado pelo vírus –, foram 1039 brasileiros mortos pela doença.
Na capital norte-americana, o The Washington Post repercutiu a decisão tomada, ainda na semana passada, pelo presidente Donald Trump em restringir a entrada nos E.U.A. de pessoas que estiveram no Brasil. Os voos entre os dois países já estavam escassos e caros antes da proibição e estão cada vez mais raros, lembra o Post. Por mais que o banimento não se estenda aos cidadãos estadunidenses, a recomendação da embaixada americana em Brasília é de que “voltem imediatamente” aqueles que queiram sair do Brasil.
Ainda na mídia americana, o The New York Times disse que o presidente Bolsonaro está “em apuros” quando noticiou as operações da Polícia Federal em inquéritos sobre financiamento e disparo de notícias falsas. O jornal ressalta que Bolsonaro tem parecido cada vez mais “indignado e furioso” e menciona a gravata com fuzis que fardou o pescoço do presidente em aparição pública na quinta-feira (28), depois das investidas contra seus aliados. A frase de Bolsonaro de que a PF não deveria cumprir “ordens absurdas” [do Supremo Tribunal Federal] é uma “sugestão de crise institucional” de um presidente crescentemente “beligerante” para com outros poderes, frisa o Times.
O The Guardian, na mesma toada crítica ao executivo brasileiro, traz excertos de falas de opositores do bolsonarismo. O jornal britânico repercutiu tuíte do deputado Marcelo Freixo (PSOL) e discursos do governador maranhense Flávio Dino (PCdoB) em que ambos afirmam que Bolsonaro é um risco a democracia brasileira. A oposição vem também da direita, como lembra o Guardian, encabeçada pelo ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso e pela “estrela do rock direitista” Lobão, que chegou a acusar Bolsonaro de genocídio. Uma coletânea de falas e atos antidemocráticos cometidos pelo clã Bolsonaro é levantada na matéria inglesa para justificar a união de inimigos políticos históricos contra o atual presidente. Artistas, como Fernanda Montenegro, Lazaro Ramos e Taís Araújo e o youtuber Felipe Neto também são lembrados como contrários ao autoritarismo do governo brasileiro.
Bolsonaro também figurou no editorial do The Guardian, que o criticou por dar a “resposta mais fraca” a pandemia. O jornal compara Donald Trump, Vladmir Putin (presidente da Rússia) e Jair Bolsonaro como “cínicos” que vêm apostando politicamente com a vida de seus cidadãos. O editorial é duro em dizer que muitas cidades, estados, empresas e instituições foram “abandonadas” pelo líder nacional. Nas favelas brasileiras, sublinha o Guardian, voluntários têm de contratar times médicos privados devido a incapacidade governamental. Bolsonaro tem reiteradas vezes negado os riscos da pandemia, formado aglomerações e pressionado pela abertura de atividades econômicas não essenciais em meio a covid-19 mesmo com o “chocante histórico” brasileiro de epidemias, como foram os casos de Zika e HIV, opina o jornal.
Na Argentina, que registrou (31/05) onze mortos pela covid-19, o Brasil é destaque pela recessão econômica do primeiro trimestre. Para o La Nacion, o coronavírus “congelou a frágil recuperação” brasileira e aparenta levar o país a outra “profunda contração”. A matéria adverte que a crise econômica se refletirá ainda mais no segundo trimestre, uma vez que a atividade comercial só cessou em meados de março, levando a uma queda estimada em 1,5% do PIB. O pior índice foi no consumo das famílias, que caiu 2%: a queda mais íngreme desde 2001. A expectativa é de que o Brasil sofra uma retração “jamais registrada” de 6% em 2020, superando, inclusive, a crise de 2015. La Nacion repercutiu nota do Ministério da Economia em que a pasta responsabiliza “em grande medida” o distanciamento social e a quarentena pelo impacto nas cifras econômicas.
O Brasil foi apontado como o “novo epicentro” global da covid-19 pela imprensa francesa. O Le Monde deu importância aos novos números de casos e de mortes que fizeram com que o Brasil ultrapassasse a França na contagem epidemiológica. Com críticas veladas a Jair Bolsonaro – que, para o jornal, se recusa a tomar medidas contra a pandemia –, o parisiense se atenta à saturação do sistema de saúde brasileiro. Le Monde chama a atenção ao “largamente privatizado” sistema sanitário nordestino, um agravante a crise na região. A “forte contaminação” no estado do Amazonas é, segundo o jornal, muito provavelmente causada pelos intercâmbios comerciais com a Ásia na zona franca de Manaus. É curioso observar o especial detalhamento e interesse que a mídia francesa dá ao Norte do Brasil, isto desde as farpas trocadas pelos presidentes francês Emmanuel Macron e brasileiro Jair Bolsonaro em 2019 sobre as queimadas na floresta amazônica.
A imagem da política brasileira está desgastada internacionalmente em patamares nunca antes vistos. A gestão ambiental, ademais, parece estar pior ainda. As medidas insuficientes do governo ruralista de Bolsonaro para conter o incêndios, desmatamentos recordes e invasões na Amazônia Legal culminaram na suspenção do Fundo Amazônia, criado em 2008 sob gerência do BNDES com capital majoritariamente norueguês e alemão. As recentes falas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, divulgadas na gravação da reunião ministerial do dia 22 de abril, colocaram mais combustível na fogueira da administração ambiental brasileira. Salles, flagrado pregando desregulamentação, foi tirado da presidência do comitê gestor do Fundo Amazônia pelo vice-presidente da República, o General Hamilton Mourão, numa tentativa de reativar o Fundo.
A Deutsche Welle noticiou que a proposta brasileira de recriação do Fundo não atraiu os embaixadores George Witschel, da Alemanha, e Nils Martin Gunneng, da Noruega. A emissora alemã lembra que, ainda em março, Witschel disse ter “a impressão de que a Noruega está de saco cheio” das turbulentas relações ambientais com o governo brasileiro. Bolsonaro afirmou, ano passado, que o Brasil não precisava de dinheiro de outros países para proteger suas florestas. O vice-presidente, no entanto, tratou de relativizar as falas do seu cabeça de chapa, segundo a DW, para contar com o apoio dos europeus na recriação da iniciativa.
O portal Poder360 fez um levantamento e apontou que, desde o começo da pandemia do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro já foi criticado por 25 veículos internacionais de imprensa. A pesquisa revela que até jornais conservadores, como o britânico Telegraph, são ásperos com o governo brasileiro. Poder360evidenciou a imagem negacionista de Bolsonaro sendo malfadada desde a mídia árabe até aos sites ultraconservadores norte-americanos, tal qual o Breibart.
Desagradando gregos e troianos, o governo Bolsonaro coleciona crises e enterra 30 mil brasileiros numa pandemia sem nem sequer ter um ministro da Saúde. A curva de casos cresce, as tensões entre os poderes se estremecem e a economia definha. Nem a cloroquina, se funcionasse, remediaria as expectativas sobre o futuro do Brasil.
Referências:
AMERICANS try to leave Brazil ahead of coronavirus travel ban. The Washington Post. São Paulo, 26 mai. 2020. Disponível em <https://www.washingtonpost.com/world/americas/?itid=nb_hp_world_americas>
BOLSONARO foi criticado por 25 veículos internacionais relevantes durante pandemia. Poder360, Brasília, 26 mai. 2020. Disponível em << https://www.poder360.com.br/midia/bolsonaro-foi-criticado-por-25-veiculos-internacionais-relevantes-durante-pandemia/>>
BRAZIL’S daily coronavirus death toll surpasses that of U.S.. The Wall Street Journal, São Paulo, 27 mai. 2020. Disponível em <https://www.wsj.com/articles/brazils-daily-coronavirus-death-toll-surpasses-that-of-u-s-11590578932>
BRAZIL’S left and right unite to launch pro-democracy manifesto. The Guardian, Rio de Janeiro, 31 mai. 2020. Disponível em <https://www.theguardian.com/world/2020/may/31/brazils-left-and-right-unite-to-back-pro-democracy-manifesto-bolsonaro>
CORONAVIRUS: la economía de Brasil sufre la mayor contracción desde 2015. La Nacion, Brasília, 29 mai. 2020. Disponível em << https://www.lanacion.com.ar/el-mundo/coronavirus-economia-brasil-sufre-mayor-contraccion-2015-nid2371279>>
IN Brazil, a president under fire lashes out at investigators. The New York Times. Rio de Janeiro, 29. Mai. 2020. Disponível em <https://www.nytimes.com/2020/05/29/world/americas/brazil-bolsonaro-supreme-court.html?searchResultPosition=1>
LE Brésil, nouvel épicentre du covid-19. Le Monde, Paris, 26. Mai. 2020. Disponível em <<https://www.lemonde.fr/international/article/2020/05/26/le-bresil-nouvel-epicentre-du-covid-19_6040803_3210.html>>
MOURÃO recria Fundo Amazonia, mas Alemanha e Noruega não garantem recursos. Deutsche Welle, São Paulo, 29 mai. 2020. Disponível em << https://www.dw.com/pt-br/mourão-recria-fundo-amazônia-mas-alemanha-e-noruega-não-garantem-recursos/a-53621619>>
THE Guardian view on covid-19 and cults of strenght: the weaskest esponse. The Guardian, Londres, 28 mai. 2020. Disponível em <https://www.theguardian.com/commentisfree/2020/may/28/the-guardian-view-on-covid-19-and-cults-of-strength-the-weakest-response>
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