segunda-feira, 29 de junho de 2020

Entrevista com Luiz Carlos Martins: deputado estadual e presidente da Comissão do Mercosul e Assuntos Internacionais da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná



Por Fernando Yazbek

               Luiz Carlos Martins foi primeiramente eleito deputado estadual em 1990, dois anos depois de se eleger vereador por Curitiba com quase 14 mil votos. Foi reeleito para a Assembleia por mais três vezes até 2006, quando angariou a confiança de 54 mil eleitores paranaenses. Teve um pequeno hiato nas eleições de 2010, ano em que ficou como suplente, mas foi novamente alçado parlamentar nos pleitos de 2014 e 2018. 
            Antes de se consolidar como um deputado no oitavo mandato, Martins, hoje aos 71 anos, passou a infância e juventude pelos interiores de São Paulo e Paraná. Paulista de Bilac, o radialista teve seu primeiro contato com os microfones ainda aos 17 anos em Birigui, no noroeste do estado.  Em 1977, trouxe sua voz a Curitiba, cidade que ouve desde então os famosos bordões da “grande voz” da Rádio Banda B.
            Na vida político-partidária, Luiz Carlos Martins ajudou a fundar o Partido Social Democrático (PSD) no Paraná, em 2013. Cinco anos depois, Martins foi para o Progressistas (PP) a convite do ex-ministro da Saúde Ricardo Barros e de sua mulher, a então vice-governadora Cida Borghetti – que concorreria ao Palácio do Iguaçu contra o atual governador, do PSD, Ratinho Júnior. Cabe ao radialista a presidência da Comissão do Mercosul e Assuntos Internacionais da Assembleia Legislativa desde a saída da deputada Maria Victoria (PP), filha de Ricardo Barros e Cida Borghetti. 
            Por telefone, o deputado estadual conversou com o Blog Internacionalize-se antes de uma das sessões plenárias remotas da Assembleia. Comentou, na sua voz inconfundível, os impactos da pandemia do novo coronavírus na atividade parlamentar, os acordos entre Mercosul e União Europeia, as relações da China com a América do Sul, a suspensão da Venezuela e a política externa do governo federal brasileiro.  
            Lamentando que desde a suspensão das atividades presenciais do parlamento paranaense não houve mais reuniões da Comissão do Mercosul, o presidente ressalvou que as últimas conversas da comitiva foram bastante produtivas. Em especial, o deputado sublinhou os esforços conjuntos entre Brasil e Paraguai na binacional de Itaipu, cujo “novo ritmo” tem sido favorável a integração da região fronteiriça. As ações conjuntas na hidrelétrica são novidade, segundo Martins, e vêm num contexto de acelerada ligação entre os dois países. Uma nova ponte está sendo construída sobre o rio Paraná entre Foz do Iguaçu e Presidente Franco, no país vizinho, e será “bastante benéfica” tanto para a infraestrutura e escoamento e, principalmente, para a fiscalização. 
            No Marco das Três Fronteiras, Luiz Carlos Martins comentou as declarações do presidente argentino Alberto Fernández, em que o portenho afirmou que iria rever todos os acordos comerciais do Mercosul assinados com a Europa. Em meio à pandemia, a Argentina abandonou negociações do bloco para priorizar sua própria economia interna. Apesar disto, o deputado minimizou o distanciamento da Casa Rosada: “Fernández sabe que a Argentina depende do Brasil e que o Brasil depende da Argentina. Serão sempre parceiros apesar de rusgas eventuais”. Para Martins, as relações entre Brasília e Buenos Aires são tão fortes e necessárias que independem, inclusive, do Mercosul.
            Provocado pelo dado de que a China se tornou, no mês de abril, o maior parceiro comercial da Argentina – posto historicamente brasileiro – o radialista demostrou preocupação. Para ele, o governo chinês tem de alimentar 1,3 bilhão de pessoas e, no contexto da pandemia, a economia foi duramente afetada, notoriamente nos fluxos de importação e exportação. Em comparação com abril de 2019, a Argentina exportou 50% a mais para Pequim, em especial soja e carne bovina, o que corrobora a percepção de Martins sobre a busca chinesa para segurança alimentar num contexto econômico “bagunçado” pelo novo coronavírus. 
            O deputado lastimou as controvérsias nas quais “vozes do Palácio do Planalto” acusaram a China de inventar o Sars-Cov2 em laboratório e de se beneficiar geopoliticamente do espalhamento da covid-19. Quando se referiu genérica e implicitamente ao ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, Martins foi diretamente questionado sobre o tuíte racista de Weintraub que zombava a pronúncia dos chineses que falam português, comparando-os ao personagem Cebolinha da Turma da Mônica – de Maurício de Souza. Martins, então, não poupou palavras para criticar o ex-ministro: “fez muito mal para o Brasil”. Apesar de assegurar o direito de expressão de Weintraub, o deputado afirma que o bolsonarista, por satisfação meramente pessoal, pôs o país em risco e desconsiderou a política internacional. 
            Outra questão polêmica e sensível ao Brasil e ao Mercosul é a situação da Venezuela, suspensa do bloco desde 2016. A crise em Caracas afeta direta e especialmente o Estado do Paraná, mesmo que a mais de quatro mil quilômetros de distância. Curitiba é a quarta cidade brasileira que mais recebe imigrantes e refugiados venezuelanos e, para o deputado estadual, isto se deve a “grife” que a capital carrega internacionalmente. Os curitibanos, para ele, menosprezam o tamanho da fama que a cidade tem mundo a fora. Por isto, o radialista afirmou que sempre faz questão de pôr o nome de Curitiba destacado em todos os panfletos e anúncios publicitários da rede Banda B. 
            Luiz Carlos Martins se disse “espantado” com os recentes acenos da Casa Branca de Donald Trump ao presidente venezuelano Nicolás Maduro. “Antes, Maduro era o diabo e agora, de repente, virou um santo”, comentou presidente da Comissão do Mercosul sobre a possível reaproximação dos dois países. Trump vem construindo uma ponte de diálogo com o governo bolivariano e se distanciando do autoproclamado presidente Juan Guaidó, anteriormente apoiado e reconhecido por Washington. Martins, então, criticamente questiona qual vai ser a posição do Brasil em meio a este imbróglio: “e agora que apostamos todas as nossas fichas no Guaidó, junto com os EUA?”, comparando a situação de alinhamento brasileiro aos norte-americanos como no caso da cloroquina, hoje já desaconselhada nos Estados Unidos para o tratamento da covid-19. 
            Elencando os esforços, o experiente deputado lamenta as limitações institucionais da Comissão que preside: “queria que fôssemos muito mais atuantes, mas não temos como. Eu posso mandar dois deputados pra ouvir o governo paraguaio em Assunção, mas aí vão dizer que a Comissão foi feita só pra viajar”. A cúpula para assuntos internacionais tem uma fragmentação partidária bastante notável. Além do presidente do Progressistas, compõem as reuniões o vice-presidente pedetista Goura e os deputados Arilson Maroldi do PT, Galo do Podemos, Luiz Fernando Guerra do PSL, Mauro Moraes do PSD e Soldado Fruet do Pros. “Uma maravilha. Ali não tem confusão ideológica, todo mundo contribui”, avalia o presidente sobre a diversidade de sua comissão. Martins, inclusive, rasga elogios ao deputado Goura, de partidarismo completamente diferente: “ele ajuda muito e ainda vai percorrer todo o Mercosul de bicicleta”, disse em tom de brincadeira com o colega, famoso cicloativista do PDT. Neste sentido, a Comissão do Mercosul e Assuntos Internacionais se diferencia de outras comissões predominantemente ocupada por bancadas temáticas.  Na de Segurança Pública, por exemplo, figuram apenas deputados militares ou delegados, presididos pelo deputado Coronel Lee (PSL) e pelo vice Delegado Recalcatti (PSD). Luiz Carlos Martins comemora que sua comissão seja pluralizada, ainda mais por tratar de temas de abrangência internacional: “toda unanimidade é burra. É preciso divergência para progredir”. 
            Antes de desligar o telefone e encerrar a entrevista, o deputado se preparava para uma sessão virtual da Assembleia. Muito bem-humorado, contou causos de parlamentar que esqueceu o microfone aberto e falou o que não devia. “Quando vai começar a sessão fica todo mundo contando história. Cada um em casa, pela internet, acaba que todo mundo ri junto”. Apesar das dificuldades que a pandemia impõe a atividade legislativa, o deputado Luiz Carlos Martins parece otimista que, na retomada do parlamento e no reaquecimento das relações internacionais, a Comissão do Mercosul terá muito o que discutir no mundo pós-pandemia. 

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