quarta-feira, 1 de julho de 2020

Redação Internacional: o Brasil nas manchetes do mundo na semana de 21/06 a 28/06

                                          

Por Fernando Yazbek

        O novo marco legal do saneamento básico, aprovado no Senado com larga maioria, movimentou a semana política brasileira. Na Saúde, as expectativas de que os números da pandemia do novo coronavírus estariam chegando a um platô não se confirmaram e o país continua ascendendo em casos e mortes. Apesar do descontrole sanitário, as quarentenas estão cada vez mais afrouxadas em São Paulo, ao contrário de Porto Alegre e Florianópolis. Segundo país mais afetado pela covid-19, o Brasil segue sem testagem em grande escala e há mais de 40 dias sem um ministro da Saúde titular. Na pasta educacional, um novo chefe tomou posse no lugar do expatriado Abraham Weintraub. Carlos Alberto Decotelli será o terceiro a comandar a Educação do governo Bolsonaro, que nomeia seu primeiro ministro negro. Enquanto o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) foi blindado por decisão do Tribunal de Justiça do Rio sobre as investigações dos esquemas das “rachadinhas”, o governo do pai, Jair Bolsonaro (sem partido), parece cada vez mais acuado. 

       Foi isto o que mostrou o jornal The Guardian. Para a mídia inglesa, a “jovem democracia brasileira está sob seu maior teste de estresse” agora na gestão Bolsonaro, que produz “retórica antidemocrática” ameaçando em especial a suprema corte. Os atos autoritários bolsonaristas tiveram reação de coalizão pró-democracia com inspiração no Diretas Já, “histórico movimento que ajudou a derrubar a ditadura militar no Brasil”, lembra o Guardian. O manifesto pelo estado democrático de direito abarca figuras antagônicas da esquerda à direita, como Flávio Dino e Luciano Huck, liderados e publicados pelo “principal jornal” do país, a Folha de S. Paulo. A mídia paulista disse, segundo a inglesa, que “ataques sistemáticos de bolsonaristas põem a democracia em risco”. A matéria faz um extenso apanhado de acenos do presidente “populista de extrema-direita” ao autoritarismo e aos militares. A “camisa amarela de futebol” e os emblemas nacionais se tornaram símbolos “inconfundíveis” deste levante antidemocrático, finaliza o The Guardian

        “O pior ministro da história do Brasil” também foi tema do mesmo jornal. Demitido do ministério da Educação, Abraham Weintraub “caiu para cima” e foi indicado a ocupar um cargo de diretoria no Banco Mundial, representando o Brasil. O The Guardian apurou que o banco tem enfrentado “crescente pressão” para barrar a nomeação do “mais notório aliado de Bolsonaro” para um emprego que paga mais de 17 mil dólares por mês. O jornal afirma que, muito possivelmente, o ex-ministro entrou nos Estados Unidos valido de passaporte diplomático para “driblar” a quarentena imposta a brasileiros que chegam aos EUA em meio à pandemia. Relembrando as declarações antidemocráticas – contra o STF – e racistas – contra o povo chinês – de Weintraub, o artigo traz declarações do jurista Thiago Amparo, que o classificou como “medíocre” e como “o completo oposto do multilateralismo e do respeito diplomático que o banco exige”. Ventila-se, segundo a reportagem, que Guenther Schoenleitner, do conselho de ética do Banco Mundial, teria dito a colegas que “não toleraria notórios racistas” no quadro da instituição, mas que não poderia interferir na decisão brasileira – em referência a Weintraub. 

         O Le Monde soltou um vídeo no qual lamenta a situação sanitária no Brasil, “aclamado no passado pela vanguarda no gerenciamento de crises de saúde”. O audiovisual compara a pandemia da covid-19 com surto de HIV dos anos 80, quando “o governo reagiu rapidamente” na distribuição gratuita de tratamento – mas hoje “copia drogas fabricadas no exterior”. Em 2015, assolado pelo vírus da Zika, o governo brasileiro de Dilma Rousseff “demostrou firme apoio aos cientistas”, afirma a mídia francesa numa triste comparação com Bolsonaro, que “sempre se posicionou contra a contenção” do contágio. 

       Ainda em Paris, a cientista política Mélanie Albert escreve ao Le Monde uma profunda e fundamentada análise do bolsonarismo. Antes de entrar nas semelhanças e diferenças de Bolsonaro com regimes populistas ou liberais, a professora argumenta que o modo “escandaloso e anticientífico” do governo é “desenhado” justamente para “neutralizar oposição”. Albert retoma a campanha presidencial de 2018 como exemplo para demonstrar a lógica retórica bolsonarista de “nós contra eles”, sendo “eles todos comunistas” e “nós Deus e Brasil”. Ela ressalva que os militares e evangélicos brasileiros “não constituem blocos homogêneos e monolíticos”, mas que até então vêm sendo os pilares de sustentação do presidente, em especial pela mobilização característica destes grupos. 


        Quem parece concordar com a cientista política francesa é a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT). Em cerca de uma hora de entrevista virtual ao espanhol El País, Dilma não titubeou em qualificar o atual executivo federal de “neofascista e miliciano”. Ela se preocupa, em especial, com os apoios irrestritos a Bolsonaro vindos da elite financeira e dos corpos de polícia. Para a primeira presidenta mulher do país, as forças armadas têm servido como partido político no jogo de poder brasiliense. Rousseff, que integrou a luta armada contra a ditadura militar (1964-1985), não crê que Jair Bolsonaro e o exército dariam um golpe de estado “clássico” como nos anos 60 e 70. A petista opina que a estratégia do governo é “radicalizar e radicalizar” e, dependendo da reação, recuar – mas nunca completamente. Assim, conclui, mitiga-se a democracia sem que haja, necessariamente, um coup d’etat. Na longa conversa, Dilma comenta a briga entre o ex-ministro Sergio Moro e o presidente, as ações do Partido dos Trabalhadores na oposição, as eleições municipais e nacionais por virem e o confinamento com seus netos de 9 e 4 anos em Porto Alegre. 

     
        Talvez a notícia mais fora do comum sobre o Brasil no exterior veio, nesta semana, da Angola. A Comissão Instaladora da Igreja Universal do Reino de Deus Reformada em Angola, liderados pelo bispo Valente Bizerra, decidiu romper com a representação brasileira da Igreja Universal do Reino de Deus no país africano. De acordo com os angolanos, membros da IURD protagonizam “atos de discriminação racial, castração, abortos forçados às esposas dos pastores angolanos e usurpação das competências da assembleia geral de pastores”. Porta-voz da revolta, Agostinho Martins disse que as igrejas localizadas nos principais centros urbanos são controladas por pastores brasileiros, que vivem em condomínios fechados enquanto os pastores angolanos são colocados em bairros miseráveis. Os protestantes acusam o representante do bispo Edir Macedo na Angola, bispo Honorilton Gonçalves, de compactuar com crimes de racismo, evasão de divisas e uma série de irregularidades fiscais. Reuniões prévias entre representantes brasileiros e angolanos não satisfizeram os anseios por reformas dos africanos que, então, tomaram 30 templos controlados pelos sul-americanos em seis províncias no país lusófono. O Jornal de Angola traz declarações de pastores e fiéis angolanos que se diziam marginalizados pela igreja brasileira para a qual serviam há quase 30 anos. 

     Na capital norte-americana, The Washington Post repercutiu as manifestações antirracistas que tomaram o Brasil após a morte do menino Miguel, filho de empregada doméstica que caiu de um prédio de luxo no Recife. O correspondente do Post no Rio de Janeiro, Terrence McCoy, exemplifica esta tragédia como um sintoma da pandemia do coronavírus no país. Enquanto “homens de negócio” podem e ficam em casa em isolamento, Mirtes Souza – mãe de Miguel – teve de sair trabalhar como cozinheira, faxineira e lavadeira para uma “família rica” e perdeu o filho. Este abismo social mostra a maior letalidade da covid-19 entre os mais pobres, aqueles que não têm as condições de trabalhar remotamente e se expõem ao vírus com mais frequência. 


        O argentino La Nacion manchetou um “doutorado inexistente” do novo ministro da Educação do Brasil, Carlos Albero Decotelli. O jornal diz que Bolsonaro apresentou seu subordinado como alguém com “extenso prestígio acadêmico” de doutorado na Universidad de Rosário, na Argentina. O Nacion reproduziu o pronunciamento do reitor Franco Bartolacci em que diz que Decotelli “não obteve, em Rosário, o título de doutor mencionado” pelo governo brasileiro. A matéria menciona as contradições no currículo do novo ministro, que ainda se diz pós doutor na Alemanha.
            Decotelli “refuta alegações de dolo”, noticiou o jornal alemão Deutsche Welle. Ele se mostrou disposto a “revisar seu trabalho para providenciar as devidas correções”. DW apurou que o campo “título” foi substituído por “créditos concluídos” e, onde se lia “orientador”, agora se lê “sem defesa de tese”. 
Ao contrário do que consta no currículo Lattes, Carlos Alberto Decotelli não fez pós-doutorado entre 2015 e 2017 na Universidade de Wuppertal. Em nota, o campus alemão afirmou que o brasileiro “não adquiriu nenhum título na Universidade”. É a terceira credencial acadêmica posta em dúvida do futuro ministro. 


         Perto dos 60 mil mortos pela covid-19, o Brasil segue sem ministro titular na Saúde e com um provável ministro da Educação que fraudou o CNPq, órgão do próprio Ministério da Ciência e Tecnologia. A imagem do país no exterior é, semana a semana, mais deteriorada por políticas inócuas e paranóicas. Anthony Pereira é um brasilianista e diretor de pesquisas da King’s College of London, um dos maiores centros acadêmicos da Europa. Em entrevista para o Estado de S. Paulo, Pereira concorda que Bolsonaro mudou as impressões sobre o Brasil de maneira “amplamente negativa” na comunidade internacional. 


    Do Banco Mundial ao protestantismo na Angola, da ciência política francesa ao brasilianismo inglês e das universidades argentinas aos campus alemães, os brasileiros estão cada vez menos quistos no estrangeiro. 

Referências:
ALBERT, Mélanie. Brésil : « Pendant la crise sanitaire, Jair Bolsonaro poursuit sa lutte face aux contre-pouvoirs ». . Le Monde, Paris, 26 jun. 2020. Disponível em <https://www.lemonde.fr/idees/article/2020/06/26/bresil-pendant-la-crise-sanitaire-bolsonaro-poursuit-sa-lutte-face-aux-contre-pouvoirs_6044235_3232.html>
BERALDO, Paulo. ‘Reputação do Brasil mudou para pior’, diz brasilianista. Estado de São Paulo, São Paulo, 28 jun. 2020. Disponível em <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,reputacao-do-brasil-mudou-para-pior-diz-brasilianista,70003347046>
ATTIA, Myriam. Le Brésil a longtemps été efficace dans sa lutte contre les épidémies... jusqu’au nouveau coronavirus. Le Monde, Paris, 26 jun. 2020. 
EL ministro de Educación de Bolsonaro com um doctorado fantasma em la Universidad de Rosario. La Nacion, Brasília, 26 jun. 2020. Disponível em <https://www.lanacion.com.ar/el-mundo/el-ministro-educacion-bolsonaro-doctorado-fantasma-universidad-nid2386679>
McCOY, Terrence. In Brazil, the death of a poor black child in the care of rich white woman brings a racial reckoning. The Washington Post, Rio de Janeiro, 28 jun. 2020.
PHILLIPS, Tom. Top Brazil newspaper in pro-democracy drive as unease grows about Bolsonaro. The Guardian, Rio de Janeiro, 28 jun. 2020. Disponível em <https://www.theguardian.com/world/2020/jun/28/top-brazil-newspaper-in-pro-democracy-drive-to-counter-bolsonaro>
PHILLIPS, Tom. Call to block key Bolsonaro ally from World Bank job. The Guardian, Rio de Janeiro, 25 jun. 2020. Disponível em << https://www.theguardian.com/world/2020/jun/25/call-to-block-key-bolsonaro-ally-from-world-bank-job>>
SIBI, André. Pastores angolanos tomam templos da Igreja Universal. Jornal de Angola, Luanda, 23 jun. 2020. Disponível em << http://jornaldeangola.sapo.ao/sociedade/pastores-angolanos-tomam-templos-da-igreja-universal>>

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