segunda-feira, 6 de julho de 2020

Entrevista com Gerd Wenzel: as relações entre Brasil e Alemanha


           “A imagem do Brasil na Alemanha nunca esteve tão desgastada como agora”, confessou o jornalista alemão, Gerd Wenzel, ao Blog Internacionalize-se. Nascido em Berlim em plena Segunda Guerra Mundial, em 1943, Wenzel chegou ao Brasil em 1955 junto de sua mãe viúva. No derradeiro ano do regime nazista, Adolf Hitler ordenou o alistamento ao exército de idosos e de adolescentes. À época com 50 anos, o pai de Gerd, Herbert Wenzel, fora obrigado a ir à trincheira contra as tropas soviéticas que invadiam a capital alemã. Abandonando o fronte, Herbert se escondeu no porão da casa até o final da guerra. 
            Já maior de idade, Gerd decidiu estudar para se tornar pastor na Primeira Igreja Presbiteriana do Brasil. Em meio à Ditadura Militar, o Pastor Wenzel foi preso três vezes por implementar o método de alfabetização de Paulo Freire. Liberado da subversão pelo Departamento de Ordem e Política Social, largou a teologia e foi trabalhar para multinacionais alemãs em solo brasileiro. 
               Gerd Wenzel é o pioneiro do futebol alemão no Brasil. Era jornalista esportivo na TV Cultura de São Paulo quando pela primeira vez a Bundesliga foi transmitida aos brasileiros, em 1991. É comentarista dos canais ESPN desde 2002 e tem uma coluna semanal na Deutsche Welle, emissora internacional da Alemanha. Wenzel é unanimidade no mundo futebolístico como o maior especialista do fußball e tem larga experiência com o autoritarismo.

             Gentilmente, o berlinense se dispôs a comentar, para o Blog, questões caras às relações entre Brasil e Alemanha, pandemia do novo coronavírus e, obviamente, futebol. O jornalista falou sobre as repetidas referências ao nazismo do governo Bolsonaro, os atritos diplomáticos teuto-brasileiros e a imagem de Brasília na imprensa europeia. Confira, a seguir, a entrevista na íntegra. 
 
(Blog Internacionalize-se) O governo Bolsonaro é recheado de referências ao nazismo alemão. Desde declarações explícitas como o discurso do ex-secretário especial de Cultura, Roberto Alvim, parafraseando Joseph Goebbels, em estética claramente nazista até frases homólogas aos dos portões do campo de Auschwitz em vídeo da Secretaria de Comunicação do executivo. O chanceler Ernesto Araújo comparou as medidas de isolamento social no combate ao coronavírus com o holocausto do Terceiro Reich e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, assimilou operações da Polícia Federal com a Noite dos Cristais. Por que, na opinião do senhor, há esta exaustiva correlação com a Alemanha Nazista nas narrativas do governo brasileiro?
(G. Wenzel) “Uma frase atribuída a Leonel Brizola cai como uma luva como resposta: ‘Se tem rabo de jacaré, boca de jacaré, pé de jacaré, olho de jacaré, corpo de jacaré e cabeça de jacaré, como é que não é jacaré?’. Há esta exaustiva correlação com a Alemanha Nazista porque membros desse governo se identificam com o ideário nazista, especialmente no que se refere à Cultura, à Educação e, agora, também na área da Saúde Pública. Podemos testemunhar diariamente a tentativa contínua de destruição da democracia pelo governo através do desrespeito à Constituição, ameaças ditatoriais, cerceamento de liberdade de imprensa, ataque às minorias políticas e sociais e contínua retroalimentação da existência de inimigos imaginários.”

(Blog Internacionalize-se) A Embaixada Alemã no Brasil já reiteradas vezes condenou a banalização do nazismo e o classificou como um movimento de extrema-direita, contrariando o bolsonarismo. Este tema é suficiente para haver um desgaste nas relações entre Berlim e Brasília?
(G. Wenzel) “As relações bilaterais entre Brasil e Alemanha a nível político estão de quarentena. Em Berlim, acompanha-se à distância e com cautela o desenvolvimento dos acontecimentos políticos no Brasil. A diplomacia alemã se pauta por relações civilizadas entre as nações e espera que, mais cedo ou mais tarde, o Brasil se alinhe novamente entre os países que valorizam a Democracia e lutam pela implementação dos seus valores, restabelecendo dessa forma um diálogo frutífero para ambos.”

(Blog Internacionalize-se) Acompanhando a mídia internacional, percebe-se que a Deutsche Welle, assim como o inglês The Guardian, tem se posicionado contundentemente crítica às políticas sanitárias do governo brasileiro, tido como autoritário e ineficiente. Como está a imagem brasileira na Alemanha? 
(G. Wenzel) “A imagem brasileira nunca esteve tão desgastada na Alemanha como agora. Praticamente todo dia algum órgão de imprensa local – e não apenas a Deutsche Welle – publica artigos sobre o Brasil, seja sobre a incompetente gestão, em todos os níveis governamentais, da crise provocada pela covid-19, sobre as manifestações esdrúxulas dos membros do governo ou do próprio presidente da República.”

(Blog Internacionalize-se) A Bundesliga retomou as atividades na metade de maio, com estádios vazios e uma porção de adaptações em meio à pandemia. O senhor, maior conhecedor do futebol alemão no Brasil, se mostrou à época preocupado com o retorno das partidas, em que pese a estabilidade alemã na contenção do espalhamento do vírus. O Brasil ruma à liderança no triste ranking de contágio e de mortes flexibilizando a quarentena. Mesmo assim, presidentes de Flamengo e Vasco reafirmam desejo de voltar com os campeonatos. Com quais expectativas o senhor enxerga a retomada do futebol no país?
(G. Wenzel) “É de uma irresponsabilidade atroz. Na Alemanha, as medidas de isolamento social e distanciamento físico foram implementados rigorosamente já em meados de março e estão trazendo seus resultados agora. Basta analisar as estatísticas. No Brasil, as medidas de isolamento e distanciamento, além de não terem sido implementadas corretamente, foram sabotadas pelo próprio governo federal causando desorientação social do cidadão comum que, consequentemente, não se sentiu compelido a seguir as recomendações das Secretarias Estaduais ou Municipais da Saúde que recomendavam o isolamento. O resultado dessa balbúrdia é que a crise da covid-19 ainda não chegou ao seu ápice e se prolongará por mais alguns meses. Nesse cenário, ao contrário do que acontece na Alemanha, onde a epidemia está sob controle, considero inviável a retomada do futebol sob qualquer circunstância.”

            Aos 77 anos, Wenzel parece reviver os sintomas que viu acabar na infância e reflorescer na juventude. O Brasil vai se desfazendo de sua imagem alegre e pacífica nos olhos do mundo e a substituindo por uma truculência sem propósito. É alarmante que alguém que viveu o declínio nazista, a ocupação soviética, a divisão alemã e a prisão nos anos de chumbo enxerque no abacaxi brasileiro traços de jacaré. 


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