Em uma semana agitada na política nacional, os mais de um milhão de infectados pelo novo coronavírus quase não foram notícia. Com flagrante subnotificação de casos e de mortes, o país chegou à marca dos sete dígitos na última sexta-feira (19/06) e vai passando das 50 mil fatalidades pela covid-19. Enquanto isto, Brasília segue sem um ministro da Saúde há mais de mês e, agora, também sem chefe na pasta educacional. Os bastidores da capital federal já davam como certa a saída de Abraham Weintraub da Esplanada dos Ministérios desde que o cerco dos inquéritos sobre fakenews e ameaças ao Poder Judiciário se espreitou no agora ex-ministro. Demitido no mesmo dia em que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos), Fabrício Queiroz, foi preso em Atibaia – interior de São Paulo – na casa do advogado da família presidencial, Weintraub se despediu do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em um vídeo no qual avisava sua ida ao Banco Mundial. Antes deste anúncio, se ventilava a possibilidade de que o desgastado ministro assumiria um posto diplomático em Lisboa quando deixasse a Educação.
E a mídia portuguesa não viu a possível indicação com bons olhos. O Diário de Notícias lembrou que Weintraub “acumula gafes” e é tido no meio jornalístico e acadêmico como o “pior ministro da história”. O jornal citou o editorial da Folha de São Paulo que o classificava como um “jagunço do bolsonarismo que envergonha a pasta” [de educação]. Trazendo depoimentos de eurodeputados portugueses, o Diáriorepercute falas de que “Portugal não é caixote de lixo do bolsonarismo”. A matéria relembra ainda os inúmeros erros gramaticais do mandatário do MEC, suas ligações com manifestações antidemocráticas milicianas e seus erros geopolíticos ao atacar a China em tom claramente xenófobo.
Weintraub chegou ao estado norte-americano da Flórida já neste sábado (20/06), depois de manifestar pressa em sair do Brasil em face das investigações que correm contra ele no Supremo Tribunal Federal. Tendo seu nome indicado para o cargo de diretor-executivo do Banco Mundial, o ex-ministro embarcou para os EUA com passaporte diplomático do executivo federal e só foi desvinculado do governo por edição extra do Diário Oficial quando já estava em solo estadunidense. O jornal Miami Herald noticiou a tragédia brasileira da marca do milhão de infectados comentando que o presidente Bolsonaro “ainda menospreza os riscos do vírus”, isto “apesar das mais de 50 mil mortes”. Para o Miami, destino primeiro de Weintraub, a ala ideológica do governo brasileiro insiste que o impacto do distanciamento social na economia “é pior que a própria doença”. O jornal alerta que cidades brasileiras onde o contágio estava controlado, como Porto Alegre, agora sofrem com a escalada da epidemia e com as lotações dos leitos de UTI.
Já Curitiba foi destaque negativo na versão em português do espanhol El País. A capital paranaense que tinha a situação estável no início do mês de maio e adotaria o “modelo sueco” de reabertura, segundo o prefeito Rafael Greca (DEM), teve seu risco de alerta aumentado de moderado para médio nas últimas semanas. Na cidade, são cinco mortes atribuídas a causas respiratórias para uma de covid-19, aponta o El País como provável sintoma de subnotificação curitibana, que vê seu Hospital do Trabalhador com 88% dos leitos ocupados.
Em castelhano, o El País destacou a saída “sem sobressaltos” do ministro Weintraub como a quarta baixa ministerial durante a pandemia, sendo a décima segunda troca na Esplanada. Em tom crítico, o jornal sublinha que, antes de deixar o cargo, o então ministro revogou decretos aprovados em 2016, ainda na presidência de Dilma Rousseff, que regulamentavam cotas para negros, indígenas e deficientes para vagas em pós-graduações nas universidades federais.
Mas o juízo feito pela mídia espanhola ao Brasil veio em artigo de opinião intitulado “Camisa de força”, na segunda-feira (15/06) no mesmo jornal. Nele, lê-se que “nada de bom poderia ter saído da união de um capitão desequilibrado e um charlatão fisiológico”, em referência a chapa presidenciável Jair Bolsonaro e seu vice General Hamilton Mourão (PRTB). Mais a frente, a aliança do presidente com o eleitorado evangélico é chamada de “patológica” e as reformas ultraliberais e moralistas, que seguem os ensinamentos de Olavo de Carvalho, são tidas como “paranoicas”. O artigo conclui que Bolsonaro vestiu a “camisa de força” da democracia e leva o Brasil ao mesmo destino de Nicarágua, Venezuela e da antiga República de Weimar, um século atrás na Alemanha.
A mídia alemã, por sua vez, utilizou-se do argumento da congressista socialdemocrata europeia Delara Burkhardt de que “o desmatamento na Amazônia não é apenas um assunto brasileiro” para repercutir a estratégia da Comissão Europeia de barrar que produtos de origem no desmatamento cheguem no mercado do continente. Os deputados do órgão executivo da União Europeia acusaram o governo brasileiro de “explorar a pandemia para fazer avançar o desmatamento na Amazônia e privar os povos indígenas de seu habitat”, deu a Deutsche Welle.
Ainda na emissora internacional alemã, o Brasil foi notícia por se posicionar contra a criação de uma comissão de inquérito internacional para investigar abusos e violência policial contra a população negra nos Estados Unidos. A decisão veio em uma reunião extraordinária do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, da ONU. O argumento brasileiro é de que “o problema do racismo não é exclusivo de uma região específica”. Com este alinhamento a Washington, Brasília se afastou de todas as nações africanas que se uniram no projeto de resolução pedindo uma comissão de inquérito internacional antirracismo.
A prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do Senador Flávio Bolsonaro quando então Deputado Estadual fluminense, também repercutiu na mídia estrangeira. O nova-iorquino Bloomberg avalia que vários aliados do presidente Bolsonaro têm enfrentado semanas difíceis em investigações contra corrupção e notícias falsas. Queiroz é um “amigo de longa data” da família presidencial, lembra a rede de televisão americana, citando que foram vistos juntos “pescando, comendo churrasco e na praia”.
Costumeiro crítico do governo brasileiro, o inglês The Guardian faz detalhada apresentação do esquema das “rachadinhas” pelo qual pairam acusações contra Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro. A matéria também conecta o ex-deputado estadual a membros do “notório esquadrão da morte mais letal” do Rio de Janeiro: a milícia Escritório do Crime. Guardian, fazendo um apanhado da repercussão na mídia brasileira, percebe que até sites “conservadores” como O Antagonista apontam o caso como bastante preocupante para o governo, uma vez que Queiroz foi preso em propriedade do advogado da família Bolsonaro.
O The New York Times, em letras garrafais, deu que o Brasil “pode virar o país com maior número de mortes pela covid-19” já no mês de julho, ultrapassando os Estados Unidos. O artigo traz a cronologia do vírus no país, demonstrando como alcançou-se um nível tão alto de contágio e o que as autoridades têm feito para frear o surto. Com a repercussão política da pandemia, Times enxerga que a responsabilização da crise só não caiu inteiramente no colo do presidente Bolsonaro por causa das reiteradas “ameaças de intervenção militar” para proteger seu grupo no poder.
O polêmico retorno do futebol brasileiro foi pauta no La Nacion. O jogo no Maracanã vazio entre Flamengo e Bangu, vencido por 3 a zero pelos rubro-negros, foi a primeira partida oficial em quase 3 meses em toda a América do Sul, lembrou o periódico argentino, justamente no país latino mais afetado pela pandemia. O jornal questiona a razoabilidade da volta dos jogos, ainda mais num estádio onde funciona, há poucos metros de distância, um hospital de campanha onde morreram duas pessoas somente nos 90 minutos da partida.
La Nacion faz um recorrido dos últimos acenos de proximidade entre o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, com Jair Bolsonaro. O “clube mais popular da cidade”, assim como o governo federal, tem rusgas com a Rede Globo, detentora dos direitos de transmissão do Campeonato Carioca. A reportagem destaca que torcedores rivais de Flamengo, Botafogo, Vasco e Fluminense protestaram unidos e pacificamente contra a retomada do calendário esportivo em uníssona desaprovação ao presidente da República.
Atenuando a radical mudança no eixo diplomático, o Brasil foi o único país sul-americano a votar contra resolução na ONU que reconhece o direito internacional em territórios Palestinos e condena a violência por forças ocupantes sionistas. Além do Brasil, apenas outros oito países foram contrários ao documento.
Ao mesmo tempo, o Brasil ganhou manchete no israelense The Jerusalem Post pelo pastor que teria pregado um “novo holocausto” proferindo insultos antissemitas durante um sermão no Rio de Janeiro.
O Brasil vai entrando no solstício de inverno com aliados presidenciais exilados e presos, de Weintraub e Queiroz a Sara Winter. Colecionando desprestígio na mídia e nas organizações internacionais, um milhão de brasileiros doentes não são o foco de um país que, abarrotado de inimigos e intrigas, não tem tempo de cuidar do seu povo.
Referências:
ANDREONI, Manuela. Coronavirus in Brazil: what you need to know. The New York Times, 20 jun. 2020. Disponível em <https://www.nytimes.com/article/brazil-coronavirus-cases.html?searchResultPosition=1>
AZNÁREZ, Juan J. Camisa de Fuerza. El País, Madri, 15 jun. 2020. Disponível em <https://elpais.com/opinion/2020-06-15/camisa-de-fuerza.html>
BRASIL se posiciona contra inquérito da ONU sobre violência policial nos EUA. Deutshce Welle, 18 jun. 2020. Disponível em <https://www.dw.com/pt-br/brasil-se-posiciona-contra-inquérito-da-onu-sobre-violência-policial-nos-eua/a-53856798>
CHADE, Jamil. Contra palestinos, Brasil apoia Israel em voto na ONU. UOL, 19 jun. 2020. Disponível em <<https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/06/19/contra-palestinos-brasil-apoia-israel-em-voto-na-onu.htm>>
EL fútbol volvió em Brasil com polémica y a pocos metros de um hospital de campaña. La Nacion, Rio de Janeiro, 18 jun. 2020. Disponível em <https://www.lanacion.com.ar/deportes/futbol/el-futbol-volvio-brasil-polemica-pocos-metros-nid2382287>
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MOREIRA, João A. “Pior ministro de Bolsonaro” pode estar a caminho de cargo em Portugal. Diário de Notícias, São Paulo, 17 jun. 2020. Disponível em <https://www.dn.pt/mundo/pior-ministro-de-bolsonaro-pode-estar-a-caminho-de-cargo-em-portugal--12322472.html
OLIVEIRA, Joana. Dimite el ministro brasileño de Educación, que instó a enviar a la cárcel a los jueces del Supremo. El País, São Paulo, 18 jun. 2020. Disponível em <https://elpais.com/internacional/2020-06-18/dimite-el-ministro-brasileno-de-educacion-que-insto-a-enviar-a-la-carcel-a-los-jueces-del-supremo.html>
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UE quer boicote a produtos de áreas desmatas. Deutsche Welle, 19 jun. 2020. Disponível em <https://www.dw.com/pt-br/ue-quer-boicote-a-produtos-de-áreas-desmatadas/a-53875332>
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