segunda-feira, 8 de junho de 2020

Redação Internacional: o Brasil nas manchetes do mundo na semana de 01/06 a 08/06

                                               

Por Fernando Yazbek

         A semana em que o Brasil registrou subsequentes recordes no número de mortes diárias pela covid-19 foi marcada por manifestações domésticas e estrangeiras. O assassinato de George Floyd, homem negro asfixiado por um policial branco em Mineápolis, teve repercussão internacional e parece ter sido o estopim de inúmeros protestos antirracistas ao redor do mundo. No Brasil, manifestantes contrários e favoráveis ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) saíram às ruas contrariando as recomendações das autoridades sanitárias para se evitar aglomerações num momento de pandemia. No Recife, atos contra o racismo e o governo se uniram em luto pelo menino Miguel, que morreu ao cair do nono andar por negligência da patroa branca de sua mãe negra. 
            Luciana da Cruz Brito, historiadora especializada na escravidão brasileira, deu entrevista à rede britânica BBC News na qual argumentou que a morte de Miguel, negro filho de empregada doméstica, revela muito sobre o racismo no Brasil. Para Brito, a “supremacia branca” brasileira se manifesta por este tipo de desassistência para com as pessoas negras, e não pelo segregacionismo explícito de outros países. Perguntada pela BBC sobre as diferentes dimensões dos protestos nos casos americano de Floyd e brasileiro de Miguel, a pesquisadora relata a normalização da violência e da marginalização do povo negro pela mídia sensacionalista: no Brasil não temos uma imprensa que nos apoie, que esteja realmente comprometida com a luta antirracista. Isso já vemos com mais frequência nos Estados Unidos”.
       Ainda na mídia inglesa, o The Guardian continua com seu tom crítico ao governo Bolsonaro. Noticiando a mudança na divulgação oficial de estatísticas sobre número de novos casos e de mortes pelo coronavírus, o jornal ressaltou que a “limpeza dos dados” foi acusada de “censura” e de um ato de “autoritarismo”. A matéria sublinha que a ordem para se atrasar e se alterar a publicidade dos números veio diretamente do presidente do Brasil, lembrado pelos ingleses como “um dos piores focos” da pandemia no mundo, ultrapassando a Itália no número de mortes e o Reino Unido e a Rússia em número de casos. 

          The Guardian tem se mostrado um dos jornais mais críticos ao governo brasileiro no mundo. Entrevistando o médico Drauzio Varella, o site manchetou que “Brasil está condenado a uma tragédia histórica” devido à resposta de Bolsonaro no combate à pandemia. Drauzio, classificado como “a mais respeitada voz médica do país”, confessou ao Guardian que a situação brasileira simplesmente não poderia estar pior. Os sinais confusos do presidente Bolsonaro e suas insistentes aparições públicas em aglomerações sem sequer usar máscara lhe conferem “responsabilidade particular”, afirmou o oncologista. Varella relembra que o enfrentamento ao coronavírus não é um debate ideológico, mas sim científico, e critica a falta de um ministro da saúde: “nenhum país no mundo demitiu dois ministros na pandemia”. A entrevista ao jornal britânico termina com um alerta do médico de que as piores consequências do descaso com a covid-19 cairão sobre os pobres, que vivem em condições precárias e não tem escolha senão sair para trabalhar no transporte público. 

             Nos Estados Unidos, onde ocorrem os maiores protestos raciais desde a década de 1960, o The Washington Post também estranhou os “limites impostos” por Bolsonaro na liberação de dados sobre a covid-19. Decisão vem em momento em que a taxa de mortalidade só aumenta, recorda a mídia americana. A matéria detalhou a briga travada entre o governo e a Rede Globo e mencionou o plantão jornalístico que a TV pôs no ar ao vivo, assim que o número de mortos do dia fora divulgado pelo Ministério da Saúde. Jair Bolsonaro quis atrasar a publicação dos números oficiais para não ter a imagem de seu governo desgastado no Jornal Nacional, “mais popular telejornal noturno”, advertiu o Post. 
            A notícia curiosa sobre o Brasil que circulou na mídia da capital estadunidense foi sobre o futebol. Há meses sem uma partida oficial, o centroavante Fred se transferiu do rebaixado Cruzeiro ao Fluminense. O jogador, como lembra a reportagem, foi o camisa nove no fiasco da seleção brasileira da Copa do Mundo de 2014. O atacante de 36 anos teve uma primeira passagem marcante pelo clube carioca: de 2009 a 2016 salvou o clube de um rebaixamento quase inevitável e levou dois campeonatos brasileiros à sala de troféus do Estádio das Laranjeiras. 
            O retorno de Fred ao Fluminense já era esperado desde que o Cruzeiro, seu ex-time, caiu para a Série B do brasileirão. O que não era previsto é que o jogador fizesse a mudança – de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro – de bicicleta. Fred pedalou 600 quilômetros entre as capitais estaduais por quatro dias em um caráter solidário. O objetivo da ação era arrecadar, com patrocinadores e doações, 4 mil reais para ajudar famílias carentes. A meta foi alcançada e ultrapassada ainda nos primeiros quilômetros da pedalada, que vai distribuir cestas básicas e complementar o salário de funcionários menos remunerados do Fluminense.  
            O artilheiro ainda vai leiloar a bicicleta que usou no trajeto e pretende doar o valor arrecadado – estimado em 30 mil reais. 

            Do mesmo modo que o britânico The Guardian, o espanhol El País tem escalado nas críticas ao governo brasileiro. “Já chegou a hora da condenação internacional” foi a enfática manchete do jornal se referindo as atitudes de Jair Bolsonaro. A situação no país é classificada como “explosiva” com uma democracia que se encontra “na borda do abismo”. “Ninguém poderá se dizer surpreso” caso as tensões no Brasil levarem a uma ruptura institucional, prevê o espanhol, uma vez que estão claros o isolamento e a radicalização do presidente. “Mais que fragilizado”, Bolsonaro caminha – “sem nada que o impeça” – rumo à instauração de um “regime autoritário”. Esta conjuntura é observada pelo El País graças aos apoios “majoritário” das forças armadas e de uma “base política fanática”. 

          João Dória (PSDB), governador de São Paulo, conversou com a mídia espanhola e se colocou como ferrenho opositor de Bolsonaro. O tucano, que passou de “aliado a antagonista” do bolsonarismo, comentou as políticas paulistas no enfrentamento ao coronavírus, a alta taxa de ocupação das UTIs do estado, a pouca quantidade de testes realizados e os planos para reabertura gradual do comércio com a flexibilização da quarentena. Dória se diz decepcionado com Bolsonaro que “nunca obedeceu a ciência e vai contra seu próprio povo” quando trata da cloroquina. O governador lembrou ao El País que o estado de São Paulo é o mais importante economicamente e que “sob nenhuma circunstância” permitiria movimentos golpistas. Quando perguntado sobre as manifestações contra a violência policial nos EUA, o ex-prefeito disse que a polícia militar paulista “não é violenta, mas sim eficiente” e que, por ser a maior do país, comete mais erros.

        Na Argentina, naturalmente, a fala do Papa Francisco repercutiu na imprensa nacional. O pontífice portenho tem se mostrado preocupado com a situação da pandemia da covid-19 na América Latina, seu continente natal. Manifestando suas condolências aos familiares dos vitimados pela doença, Francisco lamentou especialmente pelo Brasil, lembrou o La Nacion. O jornal menciona que o Papa fez “claras alusões” ao Brasil e se mostrou “evidentemente preocupado” com o país.

           Figura tão oposta ao Papa, o presidente norte-americano Donald Trump também citou o Brasil nesta semana. O republicano, anteriormente negacionista da pandemia assim como Bolsonaro, citou o país sul-americano como um “mau-exemplo” de país para conter o coronavírus. Para Trump, se os EUA tivessem tomado as mesmas medidas sanitárias que Brasília, seriam “2 milhões de norte-americanos mortos”, noticiou a rede alemã Deutsche Welle.

           A fala de Donald Trump é concomitante com a ideia do presidente de criar uma espécie de “G10 ou G11” para discutir o futuro das relações dos países com a China. Sem incluir o Brasil na lista, as intenções de Trump representam um “retrocesso constrangedor” e um “rebaixamento para uma segunda divisão na ordem internacional” para o Brasil, defendeu Assis Moreira, de Genebra, ao Valor Econômico. As decisões da Casa Branca “vão na contramão” da relação “quase carnal” entre Bolsonaro e Trump. 

        Criticado nas imprensas da Inglaterra, dos Estados Unidos, da Espanha e da Argentina, o governo brasileiro foi alvo de juízo do chanceler palestino, Riyad al Maliki. O diplomata afirmou que as recentes mudanças radicais nas atitudes do Itamaraty fazem com que o Brasil “perca sua reputação internacional”. O alinhamento automático da política externa brasileira sob Ernesto Araújo com os interesses norte-americanos e sionistas geram uma “perda de respeito e de admiração por tantos países”, disse o palestino ao colunista Jamil Chade, do UOL.


          Do Oriente Médio a Mineápolis, sob críticas da comunidade judaica e de autoridades palestinas, a imagem internacional do Brasil vai se desmanchando a cada morte e por toda ação desencontrada do governo. Enquanto protestos pelo direito à cor da própria pele tomam avenidas pelo mundo, o brasileiro vai perdendo até o direito de virar estatística.



Referências:
BRASIL é rebaixado ao ficar de fora do G10 ou G11 previsto por Trump. Valor Econômico, Genebra, 01 jun. 2020. Disponível em << https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/06/01/brasil-e-rebaixado-ao-ficar-de-fora-do-g10-ou-g11-previsto-por-trump.ghtml>>
BRAZIL condemned to historic tragedy by Bolonaro’s virus response – top doctor. The Guardian, Rio de Janeiro, 5 jun. 2020. Disponível em << https://www.theguardian.com/world/2020/jun/05/brazil-coronavirus-covid-19-virus-doctor>>
BRAZIL stops releasing Covid-19 death toll and wipes data from official site. The Guardian, Rio de Janeiro, 7 jun. 2020. Disponível em << https://www.theguardian.com/world/2020/jun/07/brazil-stops-releasing-covid-19-death-toll-and-wipes-data-from-official-site>>
CASO Miguel: morte de menino ‘joga álcool nas feridas’ de filhos de empregadas domésticas. BBC News Brasil, São Paulo, 5 jun. 2020. Disponível em << https://www.bbc.com/portuguese/salasocial-52938903>>
CHADE, Jamil. Brasil está perdendo respeito internacional, diz chanceler palestino. UOL, 1 jun. 2020. Disponível em << https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/06/01/brasil-esta-perdendo-respeito-internacional-diz-chanceler-palestino.htm>>

CORONAVIRUS. El Papa Francisco manifestó su preocupación por la América Latina. La Nacion, Roma, 07 jun. 2020. Disponível em << https://www.lanacion.com.ar/el-mundo/coronavirus-papa-manifesto-su-preocupacion-america-latina-nid2375224>>
HA llegado la hora de la condena internacional. El País, Madri, 03 jun. 2020. Disponível em <<https://elpais.com/opinion/2020-06-03/ha-llegado-la-hora-de-la-condena-internacional.html>>
JOÃO Dória: “São Paulo será um bastión de resistencia para preservar la democracia en Brasil”. El País, São Paulo, 02 jun. 2020. Disponível em << https://elpais.com/internacional/2020-06-02/joao-doria-sao-paulo-sera-un-bastion-de-resistencia-para-preservar-la-democracia-en-brasil.html >>
TRUMP cita Brasil como exemplo negativo de combate à covid-19. Deutsche Welle, 05 jun. 2020. Disponível em << https://www.dw.com/pt-br/trump-cita-brasil-como-exemplo-negativo-de-combate-à-covid-19/a-53701961>> 

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