sexta-feira, 14 de junho de 2019

Política Externa Brasileira: A paradiplomacia no contexto de cooperação internacional da cidade de Florianópolis

Por Ana Júlia Paludo Romani*
O fim da Guerra Fria na década de 90, o consequente aprofundamento e a expansão da globalização trouxeram mudanças sistêmicas na relação entre os Estados e uma mudança de cenário com o aumento dos atores internacionais no contexto global e o estabelecimento de redes de interdependência, induzindo as teorias de relações internacionais à realocarem e à remodelarem muitos de seus conceitos. (SALOMÓN, 2011).
A exclusividade do governo central - a qual perdurou por décadas desde o Tratado de Westfalia -  para as relações e decisões internacionais sofre essa quebra com o fim da bipolaridade no Sistema Internacional e novos atores começam a intervir na política exterior dos Estados nacionais, em uma atuação paralela à atuação tradicional e em um cenário de flexibilização das fronteiras, marcado pela intensificação dos fluxos de pessoas e capitais e pela velocidade das comunicações.
Atualmente, a política exterior de um país é formada por três dimensões, a nacional - permanece como o núcleo da formulação da política exterior, a supranacional - que engloba decisões transnacionais como blocos econômicos - e a subnacional - que relaciona os estados e municípios no contexto internacional, o que chamamos de paradiplomacia,  (DIAS, 2010). 
Do exercício subnacional, Salomón (2007) ainda divide esse em duas dimensões fazendo uma distinção na atuação entre os governos regionais (predominância de instrumentos estatais de política externa) e os locais (institucionalização de práticas próprias). Enquanto o primeiro foca na abertura de escritórios de representação, missões comerciais e práticas específicas de cooperação transfronteiriça, o último tem como foco o irmanamento de cidades, o intercâmbio de boas práticas de gestão urbana e práticas de caráter simbólico.
Os governos subnacionais, através da paradiplomacia, conseguem participar da política externa em decisões que independem de ações originárias nas estruturas centrais do governo, desde que não sejam contra as regras dos mesmos. Devido a isso, o foco da paradiplomacia são as low politics (baixa política ou de segundo nível) - possuem foco em captação de investimentos, turismo, desenvolvimento, proteção ao meio ambiente, intercâmbio cultural, entre outros - enquanto as high politics - segurança nacional, a defesa, os tratados de livre comércio, a celebração de alianças etc - continuam sendo exclusivas da União (Governo Federal).   (IBID, p. 01)
Com essa flexibilização da atuação de entes não convencionais nas relações internacionais, inúmeras cidades buscam essa participação na agenda de política externa como alternativa para o desenvolvimento e para a captação de investimentos estrangeiros. Essa atividade externa por parte das cidades tem crescido significativamente, à exemplo da criação de secretarias específicas para a internacionalização e das iniciativas de outras secretarias que também executam funções nesse processo de internacionalização. (VIEIRA, 2017).
A exemplo da utilização da paradiplomacia pelas cidades brasileiras, a capital de Santa Catarina, Florianópolis, devido ao seu reconhecimento e atuação internacional passou a desenvolver ao longo dos anos uma estrutura interna voltada para a paradiplomacia, ampliando suas ações com diferentes atores do cenário global.
Florianópolis está inserida na Rede de Cidades Criativas da UNESCO, junto com outras oito cidades brasileiras (Curitiba, João Pessoa, Paraty, Santos, Belém, Salvador e Brasília). A rede conta com 180 cidades de 72 países e promove a cooperação internacional entre as cidades que reconhecem a criatividade como uma direção estratégica para o desenvolvimento urbano sustentável, atuando em sete áreas criativas: artesanato e folclore, mídia, cinema, design, gastronomia, literatura e música.
A participação florianopolitana nesse grupo já traz uma grande visibilidade e um resumo da presença forte que a cidade possui no contexto internacional. (RESENDE, 2018).
No âmbito da Rede, segundo Ferreira (2017) a capital catarinense se integrou por “ser a “capital brasileira da qualidade de vida” e por possuir um caráter multicultural”. Suas estratégias se concentram em:

“Promover a gastronomia como um setor estratégico de desenvolvimento sustentável através dos produtos e culturas locais; Aprimorar sua imagem para que tenha visibilidade, reafirmando seu desenvolvimento pautado na economia criativa; Despertar um sentimento de orgulho e responsabilidade aos profissionais que trabalham no setor do turismo e gastronomia, e consequentemente aprimorar os serviços oferecidos; Criar e promover novos projetos, produtos e serviços a partir da troca de experiências com outras cidades.” (FERREIRA, 2017, p. 111).

Ao analisarmos as cidades brasileiras que possuem uma estrutura para as relações internacionais, apenas 2% dos municípios contam com uma estruturação formal para essa atuação e Florianópolis está inserida nesse contexto. A cidade conta com a existência de uma estrutura orgânica voltada para Relações Internacionais no sistema da prefeitura municipal, a Assessoria Especial para Assuntos Internacionais. (APRIGIO, 2016)
Curiosamente, a capital catarinense - junto às outras cidades brasileiras com estrutura voltada às RI - constam entre as 15 maiores cidades com participação no PIB do país. (APRIGIO, 2016)
Florianópolis também se destaca no processo de irmanamento de cidades, que é a elaboração e assinatura de um convênio de cooperação a longo prazo entre dois municípios, tornando-os cidades-irmãs.
O objetivo desse irmanamento de cidades é a promoção de cooperação entre os municípios envolvidos - seja no âmbito da cultura, educação, saúde, transportes, meio ambiente e desenvolvimento econômico. Essa cooperação muitas vezes vem através de características semelhantes como, por exemplo, número de habitantes, tamanho e setor econômico preponderante. (PERPÉTUO, 2010).  
Dentre as cidades-irmãs de Florianópolis, destacam-se Havana em Cuba, Sendai no Japão, Praia da Vitória e Ponta Delgada em Portugal, Córdova na Argentina, Roanoke e Fort Lauderdale nos Estados Unidos. O objetivo desse tipo de ação, além de promover o crescimento do fluxo turístico entre os destinos, é uma cooperação direta afim de impulsionar o potencial das regiões e a troca de experiências entre si. (RESENDE, 2018)
Por fim, a capital catarinense ainda é uma das cidades mais presentes em termos de eventos internacionais, no ano de 2017, Florianópolis recebeu 17 eventos internacionais, sendo a terceira cidade brasileira que mais realizou esse tipo de evento. Dentre esses estavam a Meia Maratona Internacional de Florianópolis; a Convenção Global da Associação Internacional de Turismo Gay; e o Florianópolis Audiovisual Mercosul (evento que ocorre desde 1997 e tem como objetivo difundir obras audiovisuais e, também, ser um local de debate sobre as políticas realizadas pelos países do MERCOSUL no que se refere a esta temática) (RESENDE, 2018).
Dessa forma, a partir da análise da presença de apenas uma das cidades brasileiras que utiliza-se da paradiplomacia, pode-se observar a mudança de paradigma no Sistema Internacional atual, onde municípios e atores não-convencionais das relações internacionais ganham autoridade no processo de acordos e ações internacionais. A paradiplomacia passa a ser enquadrada como um instituto viável ao desenvolvimento das unidades constituintes da federação brasileira (SIQUEIRA, 2012).

Referências:

APRIGIO, André. Paradiplomacia e interdependência: as cidades como atores internacionais. 2017. Disponível em:

DIAS, Reinaldo. Um tema emergente nas Relações Internacionais: A paradiplomacia das cidades e municípios. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 79, ago 2010. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8156>. Acesso em mar 2019.

FERREIRA, Victor Moura Soares. A rede das cidades criativas da UNESCO: Uma perspectiva das cidades brasileiras. Goiânia, 2017. Disponível em:

RESENDE, Estevão Prado. REDE DE CIDADES CRIATIVAS DA UNESCO: Um estudo sobre a atuação internacional de Florianópolis. Uberlândia, 2018. Disponível em:

SALOMÓN, Mônica. Política externa brasileira: a política das práticas e as práticas da política. Rio de Janeira, 2011. Disponível em:

SALOMÓN, M.; NUNES, C.. A ação externa dos governos subnacionais no Brasil: os casos do Rio Grande do Sul e Porto Alegre. Um estudo comparativo de dois tipos de atores mistos. Revista Contexto Internacional. vol. 29, n. 1. pp. 99-147. Rio de Janeiro, 2007.

VIEIRA, Diego Santos. A arte do encontro: a paradiplomacia e a internacionalização das cidades criativas. Rev. Sociol. Polit., v. 25, n. 61, p. 51-76, mar. 2017. Disponível em:

PERPÉTUO, Rodrigo de Oliveira. A CIDADE ALÉM DA NAÇÃO: a institucionalização do processo de internacionalização de Belo Horizonte.  Belo Horizonte, 2010. Disponível em:

* Ana Júlia Paludo Romani é estudante do 7º período do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA. Artigo apresentado na disciplina de Política Externa Brasileira, ministrado pela Profa Dra Janiffer T. G. Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA.


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