Por Ana
Júlia Paludo Romani*
O fim da Guerra Fria
na década de 90, o consequente aprofundamento e a expansão da globalização
trouxeram mudanças sistêmicas na relação entre os Estados e uma mudança de
cenário com o aumento dos atores internacionais no contexto global e o
estabelecimento de redes de interdependência, induzindo as teorias de relações
internacionais à realocarem e à remodelarem muitos de seus conceitos. (SALOMÓN,
2011).
A exclusividade do
governo central - a qual perdurou por décadas desde o Tratado de Westfalia -
para as relações e decisões internacionais sofre essa quebra com o fim da
bipolaridade no Sistema Internacional e novos atores começam a intervir na
política exterior dos Estados nacionais, em uma atuação paralela à atuação
tradicional e em um cenário de flexibilização das fronteiras, marcado pela
intensificação dos fluxos de pessoas e capitais e pela velocidade das
comunicações.
Atualmente, a
política exterior de um país é formada por três dimensões, a nacional -
permanece como o núcleo da formulação da política exterior, a supranacional -
que engloba decisões transnacionais como blocos econômicos - e a subnacional -
que relaciona os estados e municípios no contexto internacional, o que chamamos
de paradiplomacia, (DIAS, 2010).
Do exercício
subnacional, Salomón (2007) ainda divide esse em duas dimensões fazendo uma
distinção na atuação entre os governos regionais (predominância de instrumentos
estatais de política externa) e os locais (institucionalização de práticas
próprias). Enquanto o primeiro foca na abertura de escritórios de
representação, missões comerciais e práticas específicas de cooperação
transfronteiriça, o último tem como foco o irmanamento de cidades, o
intercâmbio de boas práticas de gestão urbana e práticas de caráter simbólico.
Os governos subnacionais,
através da paradiplomacia, conseguem participar da política externa em decisões
que independem de ações originárias nas estruturas centrais do governo, desde
que não sejam contra as regras dos mesmos. Devido a isso, o foco da
paradiplomacia são as low politics (baixa política ou de segundo nível)
- possuem foco em captação de investimentos, turismo, desenvolvimento, proteção
ao meio ambiente, intercâmbio cultural, entre outros - enquanto as high
politics - segurança nacional, a defesa, os tratados de livre comércio, a
celebração de alianças etc - continuam sendo exclusivas da União (Governo
Federal). (IBID, p. 01)
Com essa
flexibilização da atuação de entes não convencionais nas relações
internacionais, inúmeras cidades buscam essa participação na agenda de política
externa como alternativa para o desenvolvimento e para a captação de
investimentos estrangeiros. Essa atividade externa por parte das cidades tem
crescido significativamente, à exemplo da criação de secretarias específicas
para a internacionalização e das iniciativas de outras secretarias que também
executam funções nesse processo de internacionalização. (VIEIRA, 2017).
A exemplo da
utilização da paradiplomacia pelas cidades brasileiras, a capital de Santa
Catarina, Florianópolis, devido ao seu reconhecimento e atuação internacional
passou a desenvolver ao longo dos anos uma estrutura interna voltada para a
paradiplomacia, ampliando suas ações com diferentes atores do cenário global.
Florianópolis está
inserida na Rede de Cidades Criativas da UNESCO, junto com outras oito cidades
brasileiras (Curitiba, João Pessoa, Paraty, Santos, Belém, Salvador e
Brasília). A rede conta com 180 cidades de 72 países e promove a cooperação
internacional entre as cidades que reconhecem a criatividade como uma direção
estratégica para o desenvolvimento urbano sustentável, atuando em sete áreas
criativas: artesanato e folclore, mídia, cinema, design, gastronomia,
literatura e música.
A participação
florianopolitana nesse grupo já traz uma grande visibilidade e um resumo da
presença forte que a cidade possui no contexto internacional. (RESENDE, 2018).
No âmbito da Rede,
segundo Ferreira (2017) a capital catarinense se integrou por “ser a “capital
brasileira da qualidade de vida” e por possuir um caráter multicultural”. Suas
estratégias se concentram em:
“Promover
a gastronomia como um setor estratégico de desenvolvimento sustentável através
dos produtos e culturas locais; Aprimorar sua imagem para que tenha
visibilidade, reafirmando seu desenvolvimento pautado na economia criativa;
Despertar um sentimento de orgulho e responsabilidade aos profissionais que
trabalham no setor do turismo e gastronomia, e consequentemente aprimorar os
serviços oferecidos; Criar e promover novos projetos, produtos e serviços a
partir da troca de experiências com outras cidades.” (FERREIRA, 2017, p. 111).
Ao analisarmos as
cidades brasileiras que possuem uma estrutura para as relações internacionais,
apenas 2% dos municípios contam com uma estruturação formal para essa atuação e
Florianópolis está inserida nesse contexto. A cidade conta com a existência de
uma estrutura orgânica voltada para Relações Internacionais no sistema da
prefeitura municipal, a Assessoria Especial para Assuntos Internacionais.
(APRIGIO, 2016)
Curiosamente, a
capital catarinense - junto às outras cidades brasileiras com estrutura voltada
às RI - constam entre as 15 maiores cidades com participação no PIB do país.
(APRIGIO, 2016)
Florianópolis também
se destaca no processo de irmanamento de cidades, que é a elaboração e
assinatura de um convênio de cooperação a longo prazo entre dois municípios,
tornando-os cidades-irmãs.
O objetivo desse
irmanamento de cidades é a promoção de cooperação entre os municípios
envolvidos - seja no âmbito da cultura, educação, saúde, transportes, meio
ambiente e desenvolvimento econômico. Essa cooperação muitas vezes vem através
de características semelhantes como, por exemplo, número de habitantes, tamanho
e setor econômico preponderante. (PERPÉTUO, 2010).
Dentre as
cidades-irmãs de Florianópolis, destacam-se Havana em Cuba, Sendai no Japão,
Praia da Vitória e Ponta Delgada em Portugal, Córdova na Argentina, Roanoke e
Fort Lauderdale nos Estados Unidos. O objetivo desse tipo de ação, além de
promover o crescimento do fluxo turístico entre os destinos, é uma cooperação
direta afim de impulsionar o potencial das regiões e a troca de experiências
entre si. (RESENDE, 2018)
Por fim, a capital catarinense
ainda é uma das cidades mais presentes em termos de eventos internacionais, no
ano de 2017, Florianópolis recebeu 17 eventos internacionais, sendo a terceira
cidade brasileira que mais realizou esse tipo de evento. Dentre esses estavam a
Meia Maratona Internacional de Florianópolis; a Convenção Global da Associação
Internacional de Turismo Gay; e o Florianópolis Audiovisual Mercosul (evento
que ocorre desde 1997 e tem como objetivo difundir obras audiovisuais e,
também, ser um local de debate sobre as políticas realizadas pelos países do
MERCOSUL no que se refere a esta temática) (RESENDE, 2018).
Dessa forma, a
partir da análise da presença de apenas uma das cidades brasileiras que
utiliza-se da paradiplomacia, pode-se observar a mudança de paradigma no
Sistema Internacional atual, onde municípios e atores não-convencionais das
relações internacionais ganham autoridade no processo de acordos e ações
internacionais. A paradiplomacia passa a ser enquadrada como um instituto
viável ao desenvolvimento das unidades constituintes da federação brasileira (SIQUEIRA,
2012).
Referências:
APRIGIO, André. Paradiplomacia e
interdependência: as cidades como atores internacionais. 2017. Disponível
em:
DIAS, Reinaldo. Um tema emergente nas Relações
Internacionais: A paradiplomacia das cidades e municípios. Âmbito Jurídico,
Rio Grande, XIII, n. 79, ago 2010. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8156>.
Acesso em mar 2019.
FERREIRA, Victor Moura Soares. A rede das
cidades criativas da UNESCO: Uma perspectiva das cidades brasileiras.
Goiânia, 2017. Disponível em:
<https://repositorio.bc.ufg.br/tede/bitstream/tede/7795/5/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20-%20Victor%20Moura%20Soares%20Ferreira%20-%202017.pdf>
Acesso em mar 2019.
RESENDE, Estevão Prado. REDE DE CIDADES
CRIATIVAS DA UNESCO: Um estudo sobre a atuação internacional de Florianópolis. Uberlândia,
2018. Disponível em:
SALOMÓN, Mônica. Política externa brasileira: a política das práticas e as práticas da
política. Rio de Janeira, 2011. Disponível em:
<http://brasilnomundo.org.br/wp-content/uploads/2015/05/048_Pol%C3%ADtica.Externa.Brasileira_Milani.Pinheiro.pdf>
Acesso em março de 2019.
SALOMÓN, M.; NUNES, C.. A ação externa dos
governos subnacionais no Brasil: os casos do Rio Grande do Sul e Porto Alegre.
Um estudo comparativo de dois tipos de atores mistos. Revista Contexto
Internacional. vol. 29, n. 1. pp. 99-147. Rio de Janeiro, 2007.
VIEIRA, Diego Santos. A arte do encontro: a
paradiplomacia e a internacionalização das cidades criativas. Rev. Sociol.
Polit., v. 25, n. 61, p. 51-76, mar. 2017. Disponível em:
PERPÉTUO, Rodrigo de Oliveira. A CIDADE ALÉM DA
NAÇÃO: a institucionalização do processo de internacionalização de Belo
Horizonte. Belo Horizonte, 2010. Disponível em:
* Ana Júlia Paludo Romani é estudante do 7º período
do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA. Artigo apresentado na disciplina de Política
Externa Brasileira, ministrado pela Profa Dra Janiffer T. G. Zarpelon, do curso
de Relações Internacionais do UNICURITIBA.
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