“Se eu pudesse te
prender, dominar seus sentimentos, controlar seus passos, ler sua agenda e
pensamento”.
Aposto que quando escreveram esta frase em uma de suas músicas, Sandy e Júnior
nunca pensaram que ela poderia ser tão bem empregada para descrever as relações
comerciais entre Brasil e EUA tão bem. Que os dois presidentes atuais já vinham
fazendo elogios mútuos já se era sabido. Afinal, ambos compartilham pontos em
comum: (des)alinhamento ambiental, ideais (anti)migratórios e (des)informação a
partir de fake news.
Mais recentemente, o domínio de sentimentos por
parte dos EUA veio em forma de apoio internacional. O país anunciou o apoio ao
ingresso brasileiro à OCDE- após quase voltar atrás em sua proposta - mas, em
troca, o Brasil precisou deixar “sua agenda ser lida” e permitir que fossem
controlado seus passos, abrindo mão de algo extremamente valioso: seu status de país em desenvolvimento na OMC.
Mas não coloquemos a carroça na frente dos
bois. O que é a OMC? Onde vive? O que faz? Do que se alimenta?
Essas e outras perguntas serão respondidas
agora.
A Organização Mundial do Comércio surgiu
efetivamente apenas em 1995, apesar de ter sido idealizada ainda em 1947.
Trata-se de uma organização internacional sediada em Genebra e que visa regular
o comércio internacional. É de sua responsabilidade estabelecer acordos
multilaterais que coloquem padrões normativos para diversos temas do comércio
internacional; servir como foro de negociações para os Estados membros;
estabelecer entendimentos a respeito de regras comercias e solucionar
controvérsias.
É através das regras estabelecidas pela OMC
que os Estados membros devem regular seu comércio, para fazer com que os
princípios básicos do sistema comercial sejam atingidos. Atualmente, a
organização conta com 162 países membros. Esta totalidade de membros representa
quase todos os países do globo. Mas em um rol de Membros que possuem estruturas
de governo, desenvolvimento e economia, como assegurar que todos possuam a
mesma capacidade dentro do sistema multilateral do comércio?
Reconhecendo que isto é efetivamente
impossível, foi estabelecido um sistema de Tratamento Especial e Diferenciado
(TED), que prevê exceções dentro dos acordos da OMC para que países dentro da
classificação de “em desenvolvimento” e “menos desenvolvidos” possam negociar
em pé de igualdade. Caso contrário, como poderia o Peru competir igualmente com
o Canadá? Fazer isso seria como colocar o Real Madrid e o Paraná Clube para
jogarem juntos – com o máximo respeito aos torcedores paranistas.
Assim,
o TED reconhece que os países estão em estágios diversos quanto ao seu
desenvolvimento e, por isso, permitem medidas como: maior tempo na
implementação de medidas estabelecidas pela OMC; provisões que aumentam as
oportunidade de comercio através de maior acesso ao mercado; provisões que
estabelecem que os Membros devem salvaguardar os interesses destes países
quando adotam medidas nacionais e internacionais e provisões que estabelecem
meios de auxílio para estes países. Além disso, a OMC disponibiliza aos países
que integram o TED um serviço de assistência jurídica para disputas e
requerimento de consulta jurídica.
Foi deste status de país em desenvolvimento
que o Brasil abriu mão em troca de uma recomendação à OCDE. Em nota oficial, o
Itamaraty afirmou que essa mudança de status não irá ter incidência nos acordos
já firmados na OMC. No entanto, isto significa que, daqui para frente, o Brasil
não será mais considerado uma “liderança” entre os emergentes, de modo a
capitanear o processo de negociação e busca por normas mais justas no comércio
internacional. Além disto, não poderá se beneficiar dos custos de crédito
internacional mais baixos; não terá prazos mais longos nas disputas futuras;
perderá sua flexibilidade em acordos de livre comércio e não poderá mais fazer
uso da “cláusula de habilitação” (permitia que os países desenvolvidos
oferecessem tratamento mais vantajoso para os em desenvolvimento). Além destes
efeitos, a longo prazo, o Brasil terá que arcar com uma maior contribuição
monetária, acelerar reformas para que fiquem em conformes com os ditames da
organização e, caso tenha sua entrada aprovada na OCDE, terá que alinhar
políticas econômicas e ambientais as da organização.
Afirmar que podemos renunciar a este
tratamento significa entender que somos capazes de competir em igualdade de
condições com os países ricos. É como se o Paraná Clube desafiasse o Real Madrid, acreditando que poderia vencer!
Assim, nesse passe de mágica que supera os de
qualquer fada madrinha ou gênio da lâmpada, o Brasil declara que virou um país
desenvolvido. Com um bilhetinho do Itamaraty, entramos para o “clube dos países
ricos”. Fácil né? Não sei porque ninguém pensou nisso antes...
Referencias:
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