quarta-feira, 12 de junho de 2019

Especial de Dia dos namorados: Crônicas de Romeus e Julietas - o amor nos tempos do conflito


A história humana é uma história de conflitos. Desde seus primórdios, as comunidades vem se engrenhando em conflitos que, em sua maioria, possuem as mesmas motivações: terras e poder. Atrelados a estes conflitos também estão outros fatores: gastos econômicos, investimentos bélicos e danos estruturais.



Ao longo do tempo, conforme as relações entre as sociedades foram amadurecendo e os Estados nações se consolidando, um outro elemento entra na equação dos conflitos: as relações entre países. São elas as responsáveis pela formação de alianças, ou sua dissolução, que posteriormente desencadeiam conflitos. Tais relações não são tão diferentes das relações daqueles por trás das rédeas do controle dos Estados, ou seja, nós mesmos. Assim como no âmbito individual, o âmbito internacional é permeado de relacionamentos: os sérios, como acontece com Brasil e Itália; aqueles que iniciam bem, mas não são feitos para durar, como Cuba e EUA; aqueles indecisos, similar à Itália nas duas grandes guerras e aqueles que não passam de um affair temporário, como o da Rússia e EUA durante a 2ª Guerra Mundial.



Ainda no espectro da equação do conflito, há um fator essencial que foi propositalmente deixado de fora até agora: o fator humano. Certamente há de se levar em conta toda a força humana na equação de resultados do conflito.



Mas, se esses relacionamentos a nível internacional previamente mencionados refletem os relacionamentos de nível individual, também tem o poder de influenciá-los. Se a força humana atua como engrenagem para a máquina de conflitos humana, também esta máquina atua como mecanismo de determinação do fator humano. É através de decisões estatais, de término de relacionamentos entre Estados, que tantos relacionamentos humanos são modificados. Alguns começam, outros são interrompidos, uns são colocados em pausa.



São esses relacionamentos, sujeitos a outros relacionamentos, os à la “Romeu e Julieta”. Histórias de amor marcadas por empecilhos, que acontecem mesmo quando todas as outras circunstâncias apontam o contrário. Histórias a princípio sem perspectiva, e que certas vezes- felizmente-, tem destino diferente da clássica história shakespeariana. 



A relação entre amor e conflito não vem de agora. São muitos os exemplos dados pela história. Anita e Giuseppe Garibaldi, unidos pela motivação de luta na Guerra dos Farrapos e pela unificação da Itália, até que ela falece em batalha. Ou ainda Seretse e Ruth Khama. Ele, o herdeiro do reino de Bechuanalândia (atualmente a Botswana) e ela, uma londrina que trabalhava como secretária. O casal foi vítima de um conflito não tão explícito, o da ignorância humana. Separados por políticas que disseminavam a ideia de uma suposta superioridade baseada na cor da pele, os dois foram alvos de manobras estatais – que incluíram um período de exílio- para impedir o relacionamento e impedir o que uma união inter-racial significaria.



Essas são algumas histórias que ganharam fama devido a seus personagens. Figuras históricas que sim, por um lado servem de exemplo de como histórias de amor são um fato convergente a todos, mas que por outro lado fazem com que estas histórias pareçam distantes da realidade de todos. Coisa de novela das 9 de um certo canal de televisão.



O que acontece é que estas histórias estão mais perto e são mais recorrentes do que imaginamos. É o caso de Júlia e Michard. Eles, que já tinham três filhos e esperavam o quarto, comemoravam o aniversário da primogênita quando um grupo de rebeldes do Congo invadiu o local que estavam e levaram seu marido. Nesta época, meados de 2014, a violência continuava a assolar o Congo, e era comum que esses grupos rebeldes armados sequestrassem os homens das famílias. Frente a violência, ela fugiu grávida com os filhos para a Uganda e depois para o Brasil. 3 filhos e 230 reais no bolso. Ela chegou no Brasil após completar exatos 9 meses de gestação. Começou a se estabelecer em nosso país com a ajuda de ONG’s especializadas em trabalhar com refugiados. Sem perspectivas de encontrar o marido. Quando deu à luz a filha, nomeou-a Felicidade. Meses passam. Enquanto isso, no Congo, o marido conseguia fugir e ir para floresta e atravessar a fronteira com o Quenia, onde entraria no primeiro barco a sua vista. Destino? Algum lugar que ele não sabia. Curiosamente, o destino- ou qualquer outra coisa em que você acredite- os faz se reencontrar aqui, em solo brasileiro. A família continua morando no Brasil até hoje e sua história foi parar na televisão.



Moral da história: são muitas as histórias que flutuam pelos mares do mundo. Algumas esperando para serem começadas, outras navegando pela continuação e outras ainda afundando, como tesouros no fundo do mar.



A grande verdade é que toda vez que o contingente humano é levado em consideração na equação dos conflitos, ele é levado em consideração a partir de um espectro técnico e objetivo. Quantos soldados serão necessários. Quanto irá sofrer a economia do país. Como remanejar os que estão na zona de conflito.

Sim, fizemos alguns avanços. Começamos a pensar nas violações de Direitos Humanos que estão atreladas à iminência do conflito e nos impactos humanitários gerados por ele.

Contudo, ainda esquecemos do que estamos interrompendo. Das experiências que estamos renegando: “eu te amo”s que deixarão de ser ditos; caminhadas que deixarão de ser feitas; cumplicidade que deixará de ser compartilhadas; mãos que deixarão de ser entrelaçadas. Precisamos ainda aprender que o conflito fere o que, no fundo, todos querem, o direito à humanidade. O direito à Felicidade. O direito ao amor.







Referências:








 

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