A
história humana é uma história de conflitos. Desde seus primórdios, as
comunidades vem se engrenhando em conflitos que, em sua maioria, possuem as
mesmas motivações: terras e poder. Atrelados a estes conflitos também estão
outros fatores: gastos econômicos, investimentos bélicos e danos estruturais.
Ao
longo do tempo, conforme as relações entre as sociedades foram amadurecendo e
os Estados nações se consolidando, um outro elemento entra na equação dos
conflitos: as relações entre países. São elas as responsáveis pela formação de
alianças, ou sua dissolução, que posteriormente desencadeiam conflitos. Tais relações
não são tão diferentes das relações daqueles por trás das rédeas do controle
dos Estados, ou seja, nós mesmos. Assim como no âmbito individual, o âmbito
internacional é permeado de relacionamentos: os sérios, como acontece com
Brasil e Itália; aqueles que iniciam bem, mas não são feitos para durar, como
Cuba e EUA; aqueles indecisos, similar à Itália nas duas grandes guerras e
aqueles que não passam de um affair
temporário, como o da Rússia e EUA durante a 2ª Guerra Mundial.
Ainda
no espectro da equação do conflito, há um fator essencial que foi
propositalmente deixado de fora até agora: o fator humano. Certamente há de se levar
em conta toda a força humana na equação de resultados do conflito.
Mas,
se esses relacionamentos a nível internacional previamente mencionados refletem
os relacionamentos de nível individual, também tem o poder de influenciá-los. Se
a força humana atua como engrenagem para a máquina de conflitos humana, também
esta máquina atua como mecanismo de determinação do fator humano. É através de
decisões estatais, de término de relacionamentos entre Estados, que tantos
relacionamentos humanos são modificados. Alguns começam, outros são
interrompidos, uns são colocados em pausa.
São
esses relacionamentos, sujeitos a outros relacionamentos, os à la “Romeu e Julieta”. Histórias de
amor marcadas por empecilhos, que acontecem mesmo quando todas as outras circunstâncias
apontam o contrário. Histórias a princípio sem perspectiva, e que certas vezes-
felizmente-, tem destino diferente da clássica história shakespeariana.
A
relação entre amor e conflito não vem de agora. São muitos os exemplos dados
pela história. Anita e Giuseppe Garibaldi, unidos pela motivação de luta na
Guerra dos Farrapos e pela unificação da Itália, até que ela falece em batalha.
Ou ainda Seretse e Ruth Khama. Ele, o herdeiro do reino de Bechuanalândia
(atualmente a Botswana) e ela, uma londrina que trabalhava como secretária. O
casal foi vítima de um conflito não tão explícito, o da ignorância humana.
Separados por políticas que disseminavam a ideia de uma suposta superioridade
baseada na cor da pele, os dois foram alvos de manobras estatais – que
incluíram um período de exílio- para impedir o relacionamento e impedir o que
uma união inter-racial significaria.
Essas
são algumas histórias que ganharam fama devido a seus personagens. Figuras
históricas que sim, por um lado servem de exemplo de como histórias de amor são
um fato convergente a todos, mas que por outro lado fazem com que estas
histórias pareçam distantes da realidade de todos. Coisa de novela das 9 de um
certo canal de televisão.
O
que acontece é que estas histórias estão mais perto e são mais recorrentes do
que imaginamos. É o caso de Júlia e Michard. Eles, que já tinham três filhos e
esperavam o quarto, comemoravam o aniversário da primogênita quando um grupo de
rebeldes do Congo invadiu o local que estavam e levaram seu marido. Nesta
época, meados de 2014, a violência continuava a assolar o Congo, e era comum
que esses grupos rebeldes armados sequestrassem os homens das famílias. Frente
a violência, ela fugiu grávida com os filhos para a Uganda e depois para o
Brasil. 3 filhos e 230 reais no bolso. Ela chegou no Brasil após completar exatos
9 meses de gestação. Começou a se estabelecer em nosso país com a ajuda de
ONG’s especializadas em trabalhar com refugiados. Sem perspectivas de encontrar
o marido. Quando deu à luz a filha, nomeou-a Felicidade. Meses passam. Enquanto
isso, no Congo, o marido conseguia fugir e ir para floresta e atravessar a
fronteira com o Quenia, onde entraria no primeiro barco a sua vista. Destino?
Algum lugar que ele não sabia. Curiosamente, o destino- ou qualquer outra coisa
em que você acredite- os faz se reencontrar aqui, em solo brasileiro. A família
continua morando no Brasil até hoje e sua história foi parar na televisão.
Moral
da história: são muitas as histórias que flutuam pelos mares do mundo. Algumas
esperando para serem começadas, outras navegando pela continuação e outras
ainda afundando, como tesouros no fundo do mar.
A
grande verdade é que toda vez que o contingente humano é levado em consideração
na equação dos conflitos, ele é levado em consideração a partir de um espectro
técnico e objetivo. Quantos soldados serão necessários. Quanto irá sofrer a
economia do país. Como remanejar os que estão na zona de conflito.
Sim,
fizemos alguns avanços. Começamos a pensar nas violações de Direitos Humanos
que estão atreladas à iminência do conflito e nos impactos humanitários gerados
por ele.
Contudo,
ainda esquecemos do que estamos interrompendo. Das experiências que estamos
renegando: “eu te amo”s que deixarão de ser ditos; caminhadas que deixarão de
ser feitas; cumplicidade que deixará de ser compartilhadas; mãos que deixarão
de ser entrelaçadas. Precisamos ainda aprender que o conflito fere o que, no
fundo, todos querem, o direito à humanidade. O direito à Felicidade. O direito
ao amor.
Referências:
https://eacnur.org/es/actualidad/noticias/historias-de-vida/2-historias-de-amor-entre-refugiados?amp
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