quarta-feira, 26 de junho de 2019

Opinião: A farsa da Declaração Universal dos Direitos dos Animais






Não é difícil perceber como os animais estão cada vez mais inseridos no âmbito social. Em comparação com tempos passados, nada se compara ao trato que os animaizinhos recebem hoje em dia: são parte da família. Primeiramente, essa aproximação começou aos poucos, com ativistas eventuais debatendo contra a utilização de animais em experimentos, ao passo que se discutia o alcance da consciência animal, como garantia de uma possível formalização de seus direitos básicos.
Esses ativismos eventuais eram tão breves, que quaisquer formas de estudar mais a fundo a necessidade de estabelecer direitos aos animais, não eram aprofundadas. Um exemplo brasileiro de manifesto contra maus tratos foi a recente denúncia de 2013 que culminou na invasão do laboratório do Instituto Royal em São Roque (SP), para salvar cachorros da raça beagle, que supostamente eram utilizados indevidamente em pesquisas e testes de produtos cosméticos e farmacêuticos.



Figura 1 - Cachorros da raça beagle são resgatados em São Roque (SP) (Fonte: Reprodução/TV Tem[1])

A partir do final século XX, ensaios, cartas e declarações com reinvindicações eram somados a crescente atenção a esta causa e, em 1978, seguindo os moldes da Declaração de Direitos Humanos de 1948, a instituição independente Liga Internacional dos Direitos dos Animais (hoje Fundação de Direito Animal, Ética e Ciências) proclamou a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proposta pelo cientista francês Georges Heuse, também secretário-geral do Centro Internacional de Experimentação de Biologia Humana.
Entretanto, o que hoje acontece é que inúmeros veículos de comunicação e inclusive pesquisadores, a citam como tendo sido aprovada pelo UNESCO. Porém, a entidade já afirmou, por intermédio de Alexandre Coutelle, responsável pelo setor de Arquivos e Registros Unidade de Gestão, da sede francesa, que “de fato, a UNESCO não aprovou a Declaração Universal dos Direitos dos Animais.”[2].

Na realidade, os animais continuam em um limbo jurídico no que concerne ao seu reconhecimento enquanto sujeitos de direitos, especialmente na arena internacional – embora alguns países já tenham feito progressos e caminhem na direção contrária a do clássico enquadramento civilista dos bichinhos como meros objetos de relações jurídicas, essencialmente possessórias.

No que diz respeito ao Direito Internacional, porém, não há instrumentos vinculativos ou sequer de soft law para reconhecer direitos aos pets. O que acontece é que instituições de defesa animal “proclamam”, por conta própria, possíveis declarações ou cartas universais que acabam prejudicando um posicionamento real de entidades internacionais vinculadas a ONU - que de fato teriam algum tipo de eficácia, já que, por meio de suas ferramentas diplomáticas, trataria do assunto de forma que os Estados membros estivessem mais presentes.

Vale citar a existência da Declaração Universal sobre Bem Estar Animal, de 2000, de iniciativa de grupos como o World Society for the Protection of Animals (hoje World Animal Protection), de Londres, que levou em consideração essa verdadeira bagunça que o montante de declarações causava e decidiu usar o termo “bem estar” para ser mais fácil aos órgãos governamentais aderirem aos itens estabelecidos.

Essa iniciativa, talvez seja a que mais teve sucesso para integrar a essência da luta em vários países, tendo como exemplo a adoção, pela ONU,  em 2009, do bem estar animal em seus programas de redução da pobreza, socorro e desenvolvimento pecuário, além de ter aberto um rol e ter moldado as inúmeras discutições posteriores sobre o assunto, com esse novo e importante termo.

Até agora, a ONU ou qualquer órgão vinculado, não elaborou uma declaração exclusiva para o direito dos animais, mesmo que cada vez mais petições e abaixo assinados são encaminhados para a organização, exigindo atenção a causa. Se acontecer, a reunião deverá ser pautada levando em consideração os direitos já levantados e também atualizações para se encaixar nos parâmetros da atualidade.

Não dá para entender por que se criou a farsa sobre a existência de uma Declaração Universal reconhecida sobre o assunto. Talvez as entidades ativistas tenham propagado intencionalmente, para tentar garantir uma maior seriedade de tratativa do tema. Ou talvez a imprensa não se empenhou suficiente em saber mais a fundo e dar credibilidade a informação prestada. Indo mais além, podemos supor que foram colocados “panos quentes” em um tema tão necessário de ser formalizado, mas que por conta de possíveis influências de grandes empresas que utilizam indevidamente desses animais, ou de países que tem o mau trato animal em sua cultura, o assunto vem sendo adiado.

Alguns pontos da Declaração Universal sobre Bem Estar Animal, de 2000, merecem destaque3]:
- Reconhecimento de que os animais são seres vivos e sencientes e, portanto, merecem a devida consideração e respeito.
- Reconhecimento de que o bem estar animal inclui a saúde animal e abrange tanto o estado físico como psicológico do animal e que boas práticas em bem estar animal podem trazer grandes benefícios para os seres humanos e o meio ambiente.
- Reconhecimento da importância do trabalho em andamento da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) na definição de padrões globais para o bem estar animal e de que os Estados Membros adotem todas as medidas necessárias para efetivar os princípios da Declaração, inclusive a implementação desses padrões.
- O bem estar dos animais será um objetivo comum para todos os Estados e todos os Estados-Membros devem tomar todas as medidas necessárias para impedir a crueldade contra os animais e reduzir o seu sofrimento.


Qual a importância de garantir os direitos, ou o bem estar animal ?
** IMAGENS FORTES **
Como já citado no começo do texto, os animais domésticos representam hoje uma peculiaridade social moderna. Somado a isto, ao redor do mundo são vários os casos de maus tratos não só animais domésticos, como também de animais não convencionais. Uma outra questão que deve ser debatida é o abate animal em circunstâncias religiosas, para garantir a não utilização de crueldade.
Exemplos não faltam para responder indiretamente a pergunta acima: a caça às baleias nas Ilhas Feroe, na Dinamarca, abate inúmeros desses animais a golpes de faca e demais instrumentos de corte, sem fazer distinção entre filhotes e baleias adultas- o que ameaça de extinção, a espécie. Este evento que acontece anualmente, é respaldado pela tradição- já que acontece desde 1584 - estando regularizado pelas autoridades locais.
Se houvesse um posicionamento internacional, não há dúvidas de que a prática seria vista com outros “olhos”, dada a ampla participação da Dinamarca na ONU.




Figura 2 - Abate de baleias baleias-piloto-de-aleta-longa, na costa das Ilhas Feroe, na Dinamarca (Divulgação: Sea Sheperd[4])

A tourada na Espanha e ao redor do mundo, que inclusive também possui um certo respaldo da tradição, faz com que touros sofram os mais variados tipos de maus tratos, desde o momento antes do grande espetáculo público - que incluem açoitadas e graves feridas para deixá-lo mais agressivo e, portanto, mais atrativo a audiência.



Figura 3 - Maus tratos em touradas (Fonte: Blog de Iñigo Landa [5])


Leis brasileiras sobre maus tratos de animais
No Brasil, ainda não há unanimidade quanto ao reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos. No entanto, a legislação pátria tem avançado na concessão de garantias de proteção.  
Alguns exemplos ilustram esta afirmação:

- Lei 9.605 de 1998 - estabelece vários artigos sobre, em especial no Art. 32 lê-se: “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.”[6].
- Estatuto dos Animais em pauta: O Projeto de Lei do Senado 631 de 2015, iniciativa ex-senador Marcelo Crivella, hoje prefeito do Rio de Janeiro, estabelece “... o direito à proteção à vida e ao bem-estar, a vedação de práticas e atividades que se configurem como cruéis ou danosas da integridade física e mental, tipifica os maus–tratos e dispõe sobre infrações e penalidades.”[7]. Atualmente, o projeto aguarda para ser discutido na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), tendo sido adiado mais de uma vez.

Bibliografia:
1. TV Tem - Online - http://g1.globo.com/sao-paulo/sorocaba-jundiai/noticia/2013/10/ativistas-invadem-e-levam-caes-de-laboratorio-suspeito-de-maus-tratos.html
2. Mural Animal - http://muralanimal.blogspot.com/2014/09/direitos-dos-animais-e-declaracao-que.html
3. Wikipédia - Universal Declaration on Animal Welfare - https://en.wikipedia.org/wiki/Universal_Declaration_on_Animal_Welfare
4. Gazeta Online - https://www.gazetaonline.com.br/noticias/mundo/2018/08/tradicao-de-matar-baleias-em-ilha-da-dinamarca-revolta-ambientalistas-1014145163.html
5. Blog de Iñigo Landa - http://landa-larrazabal.blogspot.com/2012/09/
6. Planalto - Online - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm
7. Senado Notícias - https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/123276
- “THE UNIVERSAL DECLARATION OF ANIMAL RIGHTS OR THE CREATION OF A NEW EQUILIBRIUM BETWEEN SPECIES” - Essay - por Jean-Marc Neumann - https://www.animallaw.info/sites/default/files/lralvol19_1_91.pdf
- Fondation Droit Animal, Ethique et Sciences - http://www.fondation-droit-animal.org/
- Defensores dos Animais - https://defensoresdosanimais.wordpress.com/publicacoes/textos/origem-do-dia-dos-animais/
- Senado Notícias - https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/04/09/votacao-de-estatuto-dos-animais-na-cae-e-adiada-apos-apresentacao-de-voto-em-separado-de-telmario-mota

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