sexta-feira, 19 de abril de 2019

Redes e Poder no Sistema Internacional: Mercado, morte e circulação


A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2018 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.


Mercado, morte e circulação

Otávio Henrique Simiano do Bomfim *

A livre movimentação, possibilitada em diferentes níveis pelas condições materiais dos povos, comunidades ou grupos, faz parte da construção histórica das diferentes organizações políticas, sociais e econômicas que ascenderam, decaíram e permaneceram. Por decorrência, o espaço e o seu contato com os indivíduos serve como instrumento de permissividade em relação não só às ações das pessoas, mas à vida em si.

Ao pensar a circulação de mercadorias em um sistema capitalista, é necessário compreender como a gerência destes movimentos influencia diretamente a vida cotidiana. Dada esta percepção, o controle da circulação dos produtos permite que se escolha não só quem vive e quem morre, mas quem constrói história e quem é subalternizado. 

Para Karl Marx, não é possível que se atinja a libertação dos indivíduos enquanto estes forem incapazes de conquistar comida, habitação e vestimenta, tanto quantitativamente como qualitativamente. Liberar-se, portanto é um ato histórico possibilitado por “condições da indústria, do comércio, da agricultura e do intercâmbio”. Logo, não existe a vida plena, não existe o desenvolvimento histórico humano caso não seja permitido o acesso à essas condições básicas e, portanto, caso estas condições sejam estranguladas, os indivíduos se encontram despidos de suas plenas capacidades e, à determinado nível, da própria vida material em si. Estas condições precisaram ser conquistadas diariamente no decorrer de toda a história, simplesmente para manter possível a vida. E foram conquistadas, portanto, coletivamente, considerando-se que a vida de uma pessoa depende diretamente de um grupo, um povo, que oferece as ferramentas para que se sustente a vida humana. 

As necessidades básicas para a reprodução da vida, portanto, podem ser impossibilitadas. É assim que, historicamente, o capitalismo administra a sua permanência, de forma orgânica, por crises constantes e inevitáveis. É aqui que Warren-Montag estabelece e defende seu conceito de necro-economia, que consiste no deixar morrer, ou no expor à morte, em associação às concepções de soberania associadas à necropolítica desenvolvidas por Achille Mbembe. Constrói-se, portanto, um arcabouço dialético para a compreensão da soberania e da circulação. Aqui, porém, o foco mantém-se no aspecto econômico, já que a circulação de mercadorias é usada cotidianamente, na atual conjuntura política internacional, para sufocar à morte populações inteiras de países dissidentes da lógica hegemônica do capital. Impede-se a entrada e a comercialização de produtos que foram tornados necessários pelo capital para a vida cotidiana e, portanto, deixam-se a sucumbir civis para que sejam impossíveis movimentações contrárias à organicidade violenta do sistema construído pelo capital. A morte, portanto, recoloca o mercado em um nível em que pode se sustentar. Assim, constrói-se a exigência de que a morte seja permitida pelo poder soberano, concluindo a união entre o poder econômico e político.

A circulação, portanto, é instrumentalizada pelo sistema internacional para que este seja mantido da exata forma em que se encontra: em crises constantes e adaptações dissimuladas para continuar existindo à todo custo. Ao impedir o acesso ao básico, impede-se a percepção e a construção do próprio mundo sensível dos humanos, barrando até mesmo seu dom contemplativo, sucateando a sua existência. Assim, são sabotadas iniciativas legítimas de construir um Estado autônomo e anticapitalista. Neste contexto, deve-se evitar recair no idealismo e permitir-se enxergar a condição material de transformação social, ao tomarmos para nós a reestruturação da própria concepção de fronteira e dos caminhos de circulação em si. Para estabelecer novas concepções em relação ao espaço, é necessário compreender que a construção de uma sociedade em que o livre desenvolvimento de cada um seja a condição para o livre desenvolvimento de todos.


* Otávio Henrique Simiano do Bomfim é Internacionalista, formado pelo curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e pesquisador do RPSI - Redes e Poder no Sistema Internacional.

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