domingo, 14 de abril de 2019

Direito Internacional em Foco: Uma Confusão na Arca da Aliança - a proposta de mudança da embaixada brasileira para Jerusalém.




Matheus Flores,
Mariana Brisse,
Blenda Melniski,
Letícia Tanner,
Eduardo Werner***



Uma das maiores e mais recorrentes polêmicas do mundo contemporâneo é a criação do Estado de Israel por iniciativa tomada pela Assembleia Geral das Nações Unidas no dia 29 de Novembro de 1947, baseada nos interesses de pensadores Sionistas, como Theodor Herzl e David Ben-Gurion, e fundamentada na sensação de dívida da Civilização Ocidental para com o Povo Judeu, nas circunstâncias de um mundo pós-Holocausto.

A ação efetiva da criação de um “Estado Democrático e Judeu”, cujos principais fundamentos são a etnia e a religião, por mais controversos que sejam, gerou o aprofundamento de conflitos históricos que se estenderam desde Isaque e Ismael até a Guerra do Yom Kipur.

Por um lado, o Estado é artificial e essencialmente anti-democrático (em algumas abordagens mais modernas da palavra “Democracia”); por outro lado, é considerado um baluarte da Civilização Ocidental no Oriente Médio (para aqueles que abordam o termo “Judaico-Cristão” como passível de ser usado), sendo a única Democracia Liberal presente na região.

A genealogia do pensamento sionista pode ser traçada desde a antiguidade, sendo extremamente presente dentre grandes setores do Povo Judeu, tendo prosseguimento atravessando o tempo, até chegar no contexto dos Estados Modernos, com o autor austro-húngaro Theodor Herzl, considerado o “fundador do Sionismo Moderno”.

Entretanto, um documento, por si só, pode representar o cume do Sionismo, que inferiu o ponto de bifurcação que levou a história a tomar o caminho que se efetivou. A “Declaração de Balfour”, uma carta do Chanceler do Governo Britânico da época endereçada ao 2º Barão de Rothschild, deixava claras as intenções da Coroa de apoio à formação de um Estado majoritariamente Judeu na região da Palestina, deixando evidente que “nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não-judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país.”.

O resultado, entretanto, não foi exatamente o que se pretendia, como se evidenciou com a História recente. A criação do Estado de Israel acabou por culminar em diversas intrigas no cenário internacional, com algumas das principais questões tendo sido a anexação indevida de territórios, que muitos justificaram pela “Guerra Justa”, e graves violações dos Direitos Humanos de ambos os lados dos conflitos, visto que o Estado foi posicionado, de forma artificial, sobre uma região anteriormente já habitada por outros Povos Semitas não-Judeus.

A história do Brasil com os povos habitantes da Palestina e com o Estado de Israel data de desde antes do início da questão tomar seu plano prático e efetivo. Em 1947, o voto de minerva que decidiu favoravelmente à criação do Estado de Israel foi professado pelo Diplomata Brasileiro e então Ministro das Relações Exteriores Oswaldo Aranha, cujo nome até hoje ecoa como um dos grandes nomes da Política Externa Brasileira.
Entretanto, a conduta de um relacionamento estreito com Israel não foi tão frequente quanto se poderia fazer parecer. Nos anos que sucederam a ascensão do Presidente Militar Ernesto Geisel, o Brasil passou a tomar uma postura extremamente pragmática no cenário internacional, cujo novo modo de pensar as relações exteriores resultou em uma aproximação com o Irã revolucionário durante o Segundo Choque do Petróleo de 1979, o que naturalmente já representava um sintoma do distanciamento de Israel.

 Esse pensamento, denominado “Pragmatismo Responsável e Ecumênico”, foi desenvolvido por Azeredo da Silveira e buscava uma saída mais pautada no interesse nacional e menos fundamentada na ideia de “Civilização Ocidental e Cristã”, como antes era guiada a política internacional pelo governo do Presidente Militar Castelo Branco.

O avanço e prevalência da abordagem “pragmática responsável e ecumênica” foram quase que hegemônicos dentro do Itamaraty durante mais de 45 anos, desde 1974 até 2019, tendo sido rompida essa extensa tradição com a nomeação do Ministro das Relações Exteriores Ernesto Henrique Fraga Araújo no governo do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, prometendo uma Política Externa Brasileira desprendida de qualquer “viés ideológico” (no sentido Burkeano do termo), mas comprometida com os valores da Civilização Ocidental, como a Democracia Liberal.

Dessa forma, o Presidente da República Jair Messias Bolsonaro prosseguiu com suas atividades como Chefe de Estado fazendo uma visita a Israel e despertando muitas expectativas, tanto positivas quanto negativas, com a promessa de campanha de que, seguindo a atitude dos EUA, mudaria a Embaixada Brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, reconhecendo, desse modo, o Estado de Israel em detrimento da Palestina.

O cumprimento dessa promessa de campanha poderia acarretar inúmeras alterações significativas na Política Externa Brasileira, podendo representar tanto uma afronta às boas relações que o País tem com diversos Estados que compõem o Oriente Médio quanto representaria uma retomada histórica das mesmas justificativas de Política Externa usadas durante a presidência de Castelo Branco.

Presumivelmente por conta de diversas pressões, o Presidente da República deu um passo atrás, afirmando que faria a mudança do eixo físico das relações diplomáticas entre Brasil e Israel de forma mais gradual, abrindo a princípio apenas um escritório de negócios em Jerusalém, mas que, até 2022, faria a mudança integral da embaixada. Dois polos se conflitam nessas circunstâncias, a aliança comum entre Bancada Evangélica, Neo-Conservadores e Judeus Sionistas, de um lado, e os compositores da Umma (comunidade islâmica internacional) e aqueles que compactuam com as resoluções da ONU sobre o tema, do outro. A relevância dessa tensão para o Brasil pode ser expressa por meio da compreensão da posição desses grupos no cenário doméstico e do cenário externo.

Dos grupos favoráveis à mudança da embaixada, majoritariamente domésticos, fica evidente sua força nos âmbitos da governabilidade e da popularidade do Presidente da República, mesmo que suas abordagens sobre o tema sejam diferentes no que diz respeito ao motivo de apoio à medida.

A Bancada Evangélica, majoritariamente “dispensacionalista”, acredita que só haverá o retorno do Cristo quando os Judeus retornarem à “Terra Santa”. Os Neo-Conservadores veem em Israel um polo de resistência contra o avanço do Islamismo e de firme prevalência da Democracia Liberal. Os Judeus Sionistas encaram o retorno à Israel como o cumprimento de uma promessa de longa data do próprio Senhor, que é Deus. Para todos eles, a transferência da embaixada representa um progresso na manutenção de
seus objetivos e interesses.

Dos grupos contrários à mudança da embaixada, majoritariamente integrantes do cenário externo, mas também com fortes expressões no cenário doméstico, pode-se ver com clareza a hostilidade com relação à medida. Para as Nações Islâmicas do Oriente Médio e para a Umma em geral, a transferência da embaixada representaria um apoio a todos os crimes cometidos por Israel contra a comunidade islâmica, seja no âmbito de indivíduos, com as graves violações de Direitos Humanos, seja no âmbito de Estado, com as anexações indevidas de partes de Estados beligerantes derrotados.

Um dos pontos fundamentais nesse caso é compreender a importância que desempenham os Países do Oriente Médio estando entre os maiores importadores de produtos agropecuários do Brasil, principalmente por conta do respeito à utilização do método halal na preparação da carne, e as sanções ou a perda dessa fatia do mercado internacional representaria um extenso prejuízo à economia brasileira, visto que o mercado israelense se tornaria insuficiente para suprir a oferta do Brasil na área, não cumprindo com a demanda esperada. Entretanto, os impactos não seriam apenas econômicos nesse caso.

Havendo a mudança da embaixada, o Brasil também perderia o prestígio que tem com os países do Oriente Médio no que diz respeito à imagem internacional de mediador de conflitos, o que lhe limitaria imensamente a influência geopolítica na região e poderia deixar um tanto cinzenta a figura de sua reconhecida diplomacia.

De forma ampla, o resultado mais imediato da abertura do escritório de negócios em Jerusalém, possível precursora da transferência da embaixada, foi a insatisfação de ambas as lideranças do Governo de Israel e da Autoridade Palestina, respectivamente pela desaceleração do processo que havia sido prometido para um e pelo reconhecimento de um Estado ilegítimo para o outro.

Em conclusão, a medida da transferência da Embaixada Brasileira de Tel Aviv para Jerusalém não representaria apenas mais uma alteração localizada nas relações exteriores do País, mas uma intensa mudança no próprio eixo do pensamento das relações exteriores, alterando a ordem econômica de ambos os lados participantes e rompendo com a longa tradição iniciada por Azeredo da Silveira, em 1974, e retomando o modelo diplomático brasileiro baseado em princípios axiais e valores civilizacionais, que nem sempre, como já foi enunciado por diversos autores do paradigma realista, podem ser conciliados com os interesses nacionais.



Fontes:
https://www.youtube.com/watch?v=prT5npDcDhY&t=

**A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA, com a orientação da Profa. Msc. Michele Hastreiter. As opiniões manifestadas no texto pertencem aos autores e não à instituição. 

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