Elisa Vardana, Giorgia Nascimento, Kelly Righi, Leonardo Guebert e Vinícius Canabrava***
Jamal Khashoggi, jornalista saudita de expressiva relevância
no mundo árabe, sempre esteve ligado ao governo de seu país. Ao longo de sua
carreira, atuou como conselheiro de diversos altos funcionários da Arábia Saudita,
mas tal cooperação teve fim após a ascensão do príncipe Mohammed Bin Salman ao
poder. As divergências políticas, as
críticas ao governante e o medo de ser preso por possuir uma “mente
independente” levaram-no ao auto exílio nos Estados Unidos, em 2017.
Khashoggi escrevia sobre
inúmeros temas que incomodavam o governo saudita, como a falta de liberdade de
expressão no mundo árabe (afirmava que os árabes não recebiam informações e não
podiam falar sobre as questões que afetavam a vida da região, principalmente em
público). O jornalista citava ações de governos inimigos que serviriam de
exemplo para o Reino do príncipe saudita, como Qatar e o Irã, que teria
permitido manifestações por parte do seu povo, o que indica que a democracia
ainda estava presente no país e apontava erros de Bin Salman em suas decisões
na guerra do Iêmen. Ainda criticou duramente a prisão de alguns ativistas de
direitos humanos, entre eles Samar Badawi, uma renomada ativista saudita pelo
direito das mulheres. Inclusive, esse caso acarretou uma crise diplomática
entre Arábia Saudita e Canadá, que criticou a prisão dos ativistas e é o país
onde residem parentes de Badawi. Além disso, criticava projetos que gastariam
muitos recursos que poderiam ser destinados para melhorar as condições de
famílias pobres, para a construção de escolas e de redes de saneamento básico.
No dia 2 de outubro de
2018, Khashoggi foi até o Consulado da Arábia Saudita em Istambul, a fim de
coletar documentos comprovando
seu estado civil de divorciado, para que pudesse se casar com sua noiva turca,
Hatice Cengiz e desde então não foi mais visto com vida. O jornalista já
havia aparecido no consulado no dia 28 de setembro, porém as autoridades locais
avisaram-lhe para voltar outro dia.
Segundo o jornal “The
Washington Post” a CIA (agência central de inteligência dos Estados Unidos)
concluiu que o assassinato foi premeditado e a mando do príncipe herdeiro
saudita. O próprio governo da Arábia Saudita afirma que ele foi morto por 15
agentes sauditas, que entraram no prédio do Consulado enquanto Jamal estava lá,
e saíram pouco tempo depois de seu desaparecimento.
Há várias evidências que
indicam que o príncipe saudita mandou matar mais pessoas que criticavam e se
posicionavam contra seu governo assim como o jornalista, que havia sido
descrito por Mohammed Bin Salman como um “perigoso islamista” em uma conversa
que teve com as autoridades americanas Jared Kushner e John Bolton.
O procurador-geral turco
pediu a prisão de Ahmed al
Assiri, ex-vice-chefe de Inteligência, e Saud al Qahtani, ex-conselheiro da
corte real. Documentos indicam fortes suspeitas de que eles estiveram
envolvidos no planejamento do assassinato de Jamal Khashoggi.
O caso teve grande
repercussão internacional e acabou envolvendo os Estados Unidos e as Nações
Unidas. Para o Presidente americano, Donald Trump, Khashoggi pode ter sido alvo
de assassinos fora de controle, que não estavam cumprindo ordens do governo
saudita. Além disso, ele afirmou que se fosse comprovado o crime, a Arábia
Saudita deveria sofrer punições severas pela comunidade internacional , mas
que, mesmo em meio a turbulências, ainda confiava no Príncipe Mohamed bin
Salman. Já as Nações Unidas e a União Européia exigiram que a verdade fosse
encontrada a partir de uma investigação confiável, que levasse o problema a
sério.
Na Turquia o clima ficou
bastante conturbado. Autoridades turcas afirmam que o jornalista foi torturado
antes de ser morto por agentes sauditas e que o consulado em Istambul possui um
sistema de vigilância muito avançado para, em um primeiro momento, ter declarado
que Khashoggi estava desaparecido. Por fim, o presidente turco, Recep Tayyip
Erdogan, afirmou que irá encontrar a “verdade nua e crua”. O Estado Árabe negou
as acusações, desafiando até mesmo o seu aliado norte americano se ocorresse
algum punimento. Contudo, após a divulgação de que o jornalista havia sido
morto, líderes do departamento de inteligência saudita foram desligados do
cargo e o Ministro de Relações Exteriores Adel bin Ahmed Al-Jubeir, considera o
assassinato foi um erro grave.
Mas como os detalhes do
caso foram descobertos pela polícia turca, se agentes e repartições
diplomáticas e consulares gozam de imunidade? Os responsáveis pelo crime
bárbaro poderão ser punidos pela Justiça da Turquia?
De início,
a polícia turca começou a investigação porque Jamal Khashoggi, um estrangeiro
que estava legalmente dentro de seu território, desapareceu. A notícia do seu
sumiço foi dada às autoridades por sua noiva, que sabia que ele tinha ido ao
consulado. Os investigadores checaram então câmeras de monitoramento da rua do
consulado, que mostrava o jornalista entrando no local; e as mesmas câmeras
mostravam que ele nunca tinha saído de lá.
Mas a
polícia, em um primeiro momento, não poderia ir além deste ponto, pois em razão
da Convenção de Viena referida as autoridades locais não podem fazer inspeções,
buscas, apreensões ou tomar depoimentos testemunhais, nem mesmo com autorização
judicial, impossível de obter por conta da imunidade de jurisdição, concedida ao consulado
e seus funcionários.
Dados esses
aspectos políticos, a comunidade internacional começou a pressionar o governo
saudita para que “levantasse a imunidade” do consulado na Turquia, já que as
Convenções de Viena estabelecem a possibilidade de renúncia ao privilégio. Como
o governo saudita afirmou no início não saber o que havia se passado e tendo
dito que Khashoggi não estava mais lá no consulado, viu-se em uma cilada e não
teve outra alternativa se não renunciar a imunidade e permitir o ingresso da
polícia não só na repartição consular e na residência do cônsul (igualmente
protegida), como também a inspeção em todos os veículos do consulado.
A imprensa
na época que o governo turco pretende requerer a extradição dos sauditas
envolvidos no episódio, para que sejam julgados perante a justiça turca. Porém,
do ponto de vista técnico, o crime foi cometido em território imune ao direito turco e regido pelas leis sauditas (interior
do consulado), por sauditas, tendo como vítima cidadão saudita. Portanto, em
princípio, não haveria jurisdição da Turquia sobre o caso. Porém, a ocultação
de cadáver realizada pelos agentes consulares, que foi em território externo ao
consulado, isto é, território turco, abriria uma nova discussão. Assim, a única
possibilidade de algum julgamento pela justiça local se daria caso houvesse
envolvimento de um nacional turco na morte, do que não há nenhuma suspeita.
No dia 15 de outubro,
Trump enviou seu secretário de Estado, Mike Pompeo, em uma visita ao país
árabe, onde se encontrou com o príncipe. As maiores repercussões do caso, na
época, se expressaram no boicote de uma conferência a um fórum saudita, o Future Investment Initiative, que ocorreria em
breve. Houve a retirada do Uber, The
Economist, representantes do The New
York Times, CNN e Bloomberg, além do presidente do Banco Mundial. Ademais,
a Chanceler alemã Angela Merkel anunciara que cessaria a exportação de armas ao
Reino do Deserto enquanto persistissem as incertezas quanto ao destino do
jornalista, medida que não foi seguida pela Espanha. Umas ameaças aqui, outro
puxão de orelha ali, e a parceria entre os EUA e a Arábia Saudita segue, apesar
de todos os indícios do assassinato ter sido encomendado por Mohammed bin
Salman. Parece que o petróleo e os recursos bélicos ainda falam mais alto para
alguns, mas são finitos. Já as palavras de Khashoggi e sua luta pela liberdade
de expressão continuarão a ecoar pelo globo, em especial no mundo árabe.
FONTES:
***A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA, com a orientação da Profa. Msc. Michele Hastreiter. As opiniões manifestadas no texto pertencem aos autores e não à instituição.
maravilhoso, adorei o texto. arrasaram
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