Lucas Emanuel, Manuela Paola e Mariana Nogueira Gavlak**.
Você já se perguntou se você
poderia ter a cidadania em outro país? Essa é uma dúvida recorrente de vários
brasileiros. Mas o que muita gente não sabe são as diferenças que existem entre
os termos “cidadania e nacionalidade”.
A origem da palavra cidadania vem do latim civitas, que quer dizer cidade e
está relacionada aos direitos e deveres de um indivíduo que vive em uma
sociedade. Entre os deveres, os cidadãos possuem o de participar, seja através
do voto eleitoral ou por outros meios, formais e informais, do acompanhamento e
fiscalização da atuação estatal, o zelo pelo espaço e o cumprimento de leis. Já
entre os direitos, destaca-se o de ir e vir, como também o de ter acesso a
saúde, educação, segurança, etc. Quando um indivíduo possui uma cidadania, ele
é caracterizado como um cidadão perante aquela nação. Segundo Dalmo de Abreu
Dallari: “A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a
possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo”.
Já o termo “nacionalidade” tem origem
provável na palavra francesa nationalité,
cujo significado se refere ao “sentimento nacional”. Nacionalidade é o vínculo
jurídico-político que vincula o indivíduo ao Estado e esse vínculo continua
mesmo quando a pessoa deixa de residir no Estado, como já diz o Artigo 15: I – Todo homem tem direito a uma
nacionalidade. II – Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade
nem do Direito de mudar de nacionalidade.
O
Brasil, por exemplo, utiliza um critério chamado jus solis (direito do solo) que é o direito à nacionalidade a
partir do momento que a pessoa nasceu em território brasileiro, sendo
considerado um brasileiro nato. Mesmo com pais estrangeiros. Com exceção apenas
para filhos de pais que estão no país em serviço de sua pátria, ex: diplomatas.
Estes por sua vez não adquirem a nacionalidade brasileira. São também
considerados brasileiros natos aqueles nascidos no estrangeiro de pai ou mãe
brasileiros, critério este chamado de jus
sanguinis (direito pelo sangue), nesse caso a atitude a ser tomada é o
registro da criança em uma em repartição brasileira competente ou a vinda para
o Brasil em qualquer tempo e, depois de atingida a maioridade, optar pela nacionalidade brasileira.
Existe também a possibilidade de
um estrangeiro adquirir a nacionalidade, sendo assim chamados de brasileiros
naturalizados. A Constituição Federal estabelece este direito àquele
que não possui
condenação penal e está residindo na República Federativa do Brasil há 15 anos ininterruptos. Neste
caso, basta pedir a
nacionalidade brasileira e ela lhe será concedida. Há, ainda, outras hipóteses
de naturalização previstas em lei.
É muito comum
pensar que cidadania e nacionalidade são sinônimos, mas há diferenças entre
eles. Para melhor entender essa diferença, é importante entender a relação
entre povo (que se difere de
população, conceito geográfico) e nacionalidade. Os dois estão diretamente
relacionados, uma vez que o povo é o elemento humano do Estado e, portanto, é
um conjunto de nacionais. O povo mantém uma relação estável com o Estado por
meio do vínculo jurídico da nacionalidade
(não inclui migrantes, refugiados ou asilados, mas inclui nacionais que
moram no exterior). Outra relevante distinção é entre nação e nacionalidade. O
conceito de nação, comumente relacionado e confundido com nacionalidade, é
muito mais ideológico, remetendo a pessoas com contextos históricos
semelhantes, com a mesma língua e os mesmo costumes. Não se pode esquecer,
também, da vontade dos indivíduos de fazer parte de uma nação, uma vez que
território, cultura e língua não são suficientes para constituir uma. É aí que
entra a ideologia do conceito, pois ele não está necessariamente atrelado ao Estado.
A nação precede a organização política e legal, o que a difere da
nacionalidade, que necessariamente vincula o indivíduo política e juridicamente
ao Estado.
Se o Estado
precisa garantir os direitos do cidadão, o contrário também é verdade: o
cidadão precisa cumprir seus deveres. Por isso, deve-se considerar a diferença
entre quem é cidadão ou não, logo, é possível ter a nacionalidade de um país e
não ter sua cidadania. Portanto, uma pessoa pode fazer parte do conjunto de
nacionais, mas não tem obrigações de cidadão.
Já o nacional
brasileiro que não exerce sua cidadania é aquele menor de 16 anos ou que está
exercendo serviço militar obrigatório, o que é condicionado pelo tempo, uma vez
que ao atingirem a maioridade ou terminar o serviço militar poderão exercer
seus direitos políticos. Inclui-se nessa categoria as pessoas analfabetas, que
são impedidas de exercer sua cidadania passiva por não conseguirem fazer o
alistamento eleitoral por conta da grande dificuldade que esse processo envolve
e pela falta de informação e divulgação quanto a isso. Esse caso não está
condicionado ao tempo, já que na Carta Magna está contido que essas pessoas não
podem exercer sua cidadania de forma plena. Logo, a nacionalidade tem muito
mais a ver com pertencimento,
enquanto cidadania se relaciona com direitos
e deveres.
Há, ainda, um caso previsto em nosso ordenamento
jurídico de cidadão não-nacional: quando um português mora no Brasil, ele pode adquirir o status de “português
equiparado”, situação na qual não
há aquisição de nacionalidade, mas pode-se exercer os deveres de cidadão. No
caso do Brasil, o português deve morar no território há mais de 3 anos e
enquanto exercer seus direitos aqui, lá em Portugal os mesmo estarão suspensos.
E quem não é nacional nem cidadão? Podemos classificá-los em
três categorias: migrantes, refugiados e asilados. O primeiro grupo se refere à
pessoas que saíram de seu país de origem em busca de uma vida melhor, com
melhores oportunidades de trabalho, e são geralmente trabalhadores. Refúgio é
sinônimo de abrigo, ou seja, esse grupo engloba pessoas que foram obrigados a
sair de seu país por medo, ou o fundado temor de perseguição, seja ela por
religião, política ou qualquer outro motivo. Nesse caso, o país que os recebem
tem a obrigação de não devolvê-los para o país de origem. O terceiro grupo, os
asilados, diz respeito àquelas pessoas que sofrem uma perseguição
necessariamente política e individual por descontentamento político.
Trabalhando
com exemplos, a visualização é bem mais fácil. No primeiro caso, podemos citar
o êxodo haitiano para o Brasil. É um caso um tanto peculiar, uma vez que o
Haiti sofreu uma série de desastres ambientais, motivo da saída de seus
nacionais, que procuram melhores condições de vidas no Brasil. Há uma grande
discussão acadêmica em torno do termo “refugiados ambientais”, para que haja
reconhecimento pelo Direito Internacional, mas, por enquanto - uma vez que esse
debate vai muito longe - ele não se
enquadra no sentido original de “refugiado”.
Os venezuelanos que fogem da fome são outro
exemplo de imigrantes, diferente daqueles que fogem por perseguição política.
Esses são considerados refugiados,
assim como os sírios, somalianos e sudaneses, todos esse refugiados de guerra.
Como dito anteriormente, o país que recebe refugiados tem a obrigação de não
devolvê-los, mas não precisa necessariamente ser acolhedor. Para isso servem os
campos de refugiados das Nações Unidas ou de qualquer outra organização. Esse
campos, na teoria, são lugares temporários para os refugiados; um lugar para
dormir apenas pelo tempo de resolver sua situação. No entanto, os refugiados passam
muito mais tempo que deveriam numa situação extremamente precária, sofrendo
física e psicologicamente, e muitas vezes experienciando a super lotação dos campos.
No último
grupo, dos asilados, podemos enquadrar o famoso caso de Edward Snowden,
analista de sistemas da CIA e depois da NSA, que divulgou os métodos - ilegais
- de monitoramento(de cidadãos, aliados e inimigos) da Agência Nacional de
Segurança americana. Snowden tornou-se um traidor da pátria e foi forçado a
sair de seu país, recebendo asilo da Rússia, e por consequência, tornou-se
também um perseguido político, ameaçado de pena de morte caso retorne ao país.
Um pouco fora
da curva, há outro grupo de “não nacionais”: os apátridas, pessoas que não tem
sua nacionalidade reconhecida por nenhum país. Os motivos podem ser inúmeros, e
entre eles, pode-se listar discriminação contra
minorias na legislação nacional, falha em reconhecer todos os residentes do
país como cidadãos quando este país se torna independente (secessão de Estados)
e conflitos de leis entre países. Entre 1992 e 2007, aconteceu um fenômeno
chamado de brasileirinhos apátridas.
Na época, a legislação vigente não englobava crianças que nasciam fora do
território brasileiro, remetendo ao princípio de jus sollis já mencionado. Porém, no país em
que nasceram, sua nacionalidade era negada, muitas vezes, pelo princípio de jus sanguinis, muito comum nos países
europeus. Ainda assim, existem muitos apátridas, que vivem à margem da
sociedade e passam por terríveis dificuldades pela falta de documentação(assim
como migrantes ilegais e refugiados), como por exemplo, a incapacidade de ir ao
médico, à escola, abrir uma conta bancária ou até mesmo comprar uma casa. É
importante localizar e reconhecer todos esse grupos para que os Estados, a
ACNUR(Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) e outras agências
possam diminuir suas dificuldades e auxiliar no processos necessários para que
essas pessoas possuam uma vida digna.
Como funciona a
nacionalidade ao redor do mundo?
Como citado anteriormente, o conceito de ius sanguinius é muito utilizado como
fonte primária para o reconhecimento de nacionalidade originária em países
europeus. Um dos fatores que levam a adoção de tal direito na Europa, é
processo de emigração que o continente passou nos últimos séculos, tanto como
consequência da colonização feita pelas potências europeias do passado, quanto
por conflitos ou perseguições políticas, como a Segunda Guerra Mundial e o
holocausto, na década de 1940. Dessa forma, o vínculo da nacionalidade é mantido
mesmo com os nacionais que estão fora do país.
O ius sanguinius implica na herança da
nacionalidade dos responsáveis legais, ou seja, todo o nacional do país europeu
em questão, para herdar a nacionalidade, tem que ser descendente de pelo menos
um nacional do país. Como exemplo, podemos utilizar a nacionalidade espanhola.
[...] São
espanhóis de origem:
• Aqueles que nasceram de pai ou mãe
espanhóis.
• Os nascidos na Espanha quando são filhos
de pais estrangeiros se, pelo menos um dos pais, nasceu na Espanha (exceto para
os filhos de diplomatas).[...]
Ou seja, a criança, mesmo que tenha nascido em solo
espanhol, só será considerada espanhola, caso um de seus pais tenha nascido
dentro do território em questão.
É importante
ressaltar que muitos países adotam exclusivamente o ius sollis ou ius sanguinius como forma primária, porém abrem exceções e adotam
outras fontes secundárias de reconhecimento de nacionalidade, como no caso da
naturalização, ou concessão por apatridia.
Citando a lei de imigração espanhola como exemplo novamente, a criança que sem
a concessão de nacionalidade espanhola, seria considerada apátrida, ganha a
nacionalidade caso seja realizado um registro em cartório.
Países que passaram
por um processo de colonização em grande escala, como os países americanos,
adotam o Jus Sollis como forma
primária de reconhecimento de nacionalidade, assim a constituição de uma nação
com identidade nacional única seria facilitada, em um país com população tão
diversa, etnicamente. Um adendo aos países americanos signatários da Convenção
Interamericana dos Direitos Humanos (incluindo o Brasil), que decidiram através
Convenção Americana de Direitos Humanos, assinada
na Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, que adotariam o Jus Sollis como fonte primária originária exclusiva.
A situação da
criança nascida em solo espanhol apresentada acima, teria o tratamento
contrário caso a criança nascesse em solo estadunidense, por exemplo. A criança
seria considerada nacional, mesmo que após o nascimento mudasse com seus pais
para outro país, assim como também teria direito a requerer a cidadania
americana quando chegasse a maioridade.
A ideia de nacionalidade está fundamentalmente ligada a
ideia de nação, consequentemente, existem nações sem Estado, ou seja, nacionais
que não podem ser cidadãos. O Povo Curdo, é um exemplo da falta de Estado, e
consequentemente, cidadania curda: cerca de 30 milhões de pessoas com um núcleo
histórico-cultural comum, distribuídas entre 5 países no Oriente Médio.
Neste caso, o termo nacionalidade é empregado como um conceito
ideológico, ligado à ideia de nação, não necessitando de um território para ser
aplicado. No entanto, para o Direito Internacional,
nacionalidade é um vínculo que se exprime com o Estado, enquanto a
Cidadania implica na possessão de direitos e deveres neste Estado, podendo, inclusive, participar das
escolhas políticas e da vida pública naquele país.
REFERÊNCIAS
https://docs.google.com/document/d/134EAxkVeYYYF98mBhNEBXDWpW-OnWm4_ib6-qJS0Dds/edit
**A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA, com a orientação da Profa. Msc. Michele Hastreiter. As opiniões manifestadas no texto pertencem aos autores e não à instituição.
**A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA, com a orientação da Profa. Msc. Michele Hastreiter. As opiniões manifestadas no texto pertencem aos autores e não à instituição.
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