A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2017 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.
Imperialismo através da arte - como o cinema pode ser utilizado como instrumento de estratégia política
Isabella Petry *
O termo imperialismo significa a interferência de um Estado em outro, com objetivo de exercer domínio direto ou indireto sobre povo e território. Portanto, opõe-se aos princípios básicos de soberania e autodeterminação. Essa intervenção pode ocorrer de forma direta ou não, considerando-se que existem influências externas nas diretrizes tomadas no âmbito de um Estado, fazendo com que sua autonomia seja relativa. Neste aspecto, é possível observar a arte com um olhar crítico, já que se trata de uma forma de manifestação produzida dentro de um Estado especifico, e não há como considerar uma expressão cultural como sendo completamente autônoma. E o cinema, tanto como arte quanto como indústria, pode ser instrumentalizado em relação a seu uso para fins políticos em outros países, tal como a ideia de imperialismo expressa.
Mas, inicialmente, é importante entender a história do imperialismo em um dos países que mais o exercem através da cultura: os Estados Unidos da América (EUA). Neste país, a tendência expansionista foi um dos elementos imperiais manifestados desde sua formação como Estado, seguido então da expansão marítima. Neste contexto, a partir do fim do século XIX, o termo imperialismo começou a ser utilizado nos discursos de forma positiva. Nos EUA, esse discurso foi acompanhado de aspectos religiosos, no formato da doutrina do Destino Manifesto, propagando a ideologia do país como “povo eleito” por Deus para comandar o mundo.
Entretanto, essa dominação e sobreposição de uma cultura sob outras, não pode ocorrer apenas pelo intermédio da força. Para que essa intervenção seja estável, deve conter um elemento importante para este tipo de estratégia – a legitimidade. E para que uma ação politica seja legítima, ela precisa ser devidamente justificada. No caso dos EUA, a ideologia de superioridade propagada sustentava seus projetos de expansão.
Portanto, pode-se considerar o imperialismo como um tipo de doutrina propagada por potências que se consideram superiores em direção a civilizações e sociedades que consideram menos desenvolvidas, através de certa hierarquização cultural. Entretanto, o imperialismo também pode ser usado como estratégia, com a finalidade de conquistar objetivos por meio da interferência em outros Estados. Nessa situação, a cultura surge como elemento primordial, articulando-se com o imperialismo. A arte, neste processo, se torna um elemento relevante por ser um instrumento de grande alcance para legitimar a política imperialista.
Para que essas ações sejam legítimas, é necessário que ocorra uma assimilação da cultura implementada nos costumes da sociedade. Ocorre portanto, uma mudança no plano cultural, que faz com que o povo dominado não resista às imposições das políticas imperiais.
Essa ideia de assimilação permite entender como, por exemplo, o cinema hollywoodiano exerce influência nos países que estão sob as políticas imperiais. Aparentemente despretensioso, esse elemento acaba se tornando meio de formação cultural, modificando os padrões locais de consumo, de beleza e de comportamento de um modo geral. A realidade apresentada torna-se melhor, e o exercício do poder é facilitado. Com isso conclui-se que não é possível desvincular um filme do contexto que está inserido, sendo importante por representar muitas vezes interesses privados ou estatais.
Ainda, o uso do cinema como meio de estratégia para ações de politica também foi utilizado pelos EUA em seu processo histórico. Um exemplo do uso dessa manifestação cultural para fins de estratégia foi a política da Boa Vizinhança, como tática de estreitamente nas relações Estados Unidos e América Latina promovida por Franklin Roosevelt, nas décadas de 1930 e 1940.
A imagem estadunidense no sul do continente não era positiva, juntamente com as disparidades de cultura, etnias, organização econômica e política presentes entre os territórios, que aumentavam ainda mais o fator desagregador. E para que os interesses dos EUA fossem atendidos, era necessário que seu modelo fosse aceito e praticado, para que a América Latina crescesse economicamente.
A estratégia elaborada foi, então, de adentrar o solo vizinho por meio da implementação do American Way of Life nas diversas camadas sociais através dos meios de comunicação, além de programas e empréstimos para o desenvolvimento dos países latinos.
O rádio, como meio de comunicação, foi um forte elemento estratégico de instalação da cultura norte americana, juntamente com o cinema. O governo Roosevelt buscou parcerias, por exemplo com os estúdios de animação de Walt Disney, buscando produzir filmes que repelissem forças nazifascistas no continente americano, e implementando o modo de vida estadunidense.
A vinda dos estúdios Disney para a América Latina foi feita como tentativa de realizar produções que se aproximassem da realidade latina, e trouxesse familiaridade com os ideais americanos. Exemplo dessa estratégia foi a vinda do próprio Walt Disney ao Brasil no intuito de criar um personagem brasileiro, chamado de Zé Carioca. Além de outras animações com a temática latina, como o famoso Alô Amigos, animação que buscou representar a América em todos os seus formatos.
Nessa e em outras produções realizadas pelo cinema americano trazem a discussão crítica acerca da arte, como objeto inserido dentro de um contexto amplo. Além de trazer luz à suas capacidades de influenciar, assimilar e convencer sociedades acerca de ideias e valores com finalidades majoritariamente políticas e estratégicas.
* Isabella Petry é acadêmica do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e membro do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".
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