Na Semana Acadêmica do Curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA (que aconteceu nos dias 09,10 e 11 de maio), recebemos a Professora da Universidade Federal do Paraná, Tatyana Friedrich, para discutir a Nova Lei de Migração - que então ainda aguardava sanção presidencial.
A professora Tatyana é Mestre e Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná, onde coordena o Projeto Refúgio, Migrações e Hospitalidade, que presta atendimento à população Migrante em Curitiba.
Antes da sua palestra, ela deu entrevista à Prof. Michele Hastreiter, para o Blog Internacionalize-se.
A sanção da lei aconteceu no dia 24/05, após a realização desta entrevista, e a análise dos vetos presidenciais não foi contemplada por esta entrevista.
Blog
Internacionalize-se: O que muda com a nova lei de migrações?
Tatyana: A Nova
Lei de Migrações traz muitas alterações, representa uma grande mudança da
racionalidade administrativa – no sentido de tirar o foco de uma concepção do
Estado em relação a migração e passar para uma concepção da ótica do migrante,
da pessoa humana que precisa por algum motivo sair do seu país e partir para
outro. Ela tem foco em direitos humanos, na proteção da pessoa que precisa vir
para o Brasil. Denominada como Lei das Migrações, ela vem para substituir-se ao
Estatuto do Estrangeiro e não trata mais só do estrangeiro, mas de migrante no
sentido amplo (imigrante e emigrante). Ela traz, portanto, também normas que
protegem o brasileiro no exterior e não apenas o imigrante no Brasil. Uma outra
grande mudança também é que ela trata de uma política migratória – que até
então não existia no Brasil – e traz todo um rol de direitos fundamentais,
individuais e coletivos, calcados em princípios constitucionais.
Blog
Internacionalize-se: Como esta mudança afeta o dia a dia dos migrantes?
Tatyana: Afeta de
modo bastante efetivo e contundente, porque fala em direitos fundamentais do
migrante – a última legislação não partia da ideia de direitos dos migrantes,
era uma legislação arbitrária, da época da ditadura militar. Esta nova lei, ao
contrário, passou por todo um processo de discussão no Congresso Nacional, com
a participação das entidades que trabalham com migrantes e é muito mais bem preparada para tratar do
atendimento ao migrante. Ela prevê não só direitos civis e políticos ao
migrante, mas também direitos sociais, econômicos e culturais. Proíbe a
discriminação, a xenofobia e a criminalização da migração. A outra legislação
tinha a visão do estrangeiro como criminoso, inimigo, aquele que vinha de fora
para atrapalhar a condução do país, a soberania e a segurança nacional. Ela tem
um viés muito importante na regularização do migrante que não tem sua
documentação em dia, possibilitando a conversão de vistos, regularizar a pessoa
que não tem visto e permitir que ela se organize e obtenha o visto no Brasil (e
não necessariamente antes de entrar) – coisa que era impossível na legislação
anterior e afeta toda a população migrante no Brasil.
Blog
Internacionalize-se: Estamos vivendo um momento em que na Europa e nos Estados
Unidos – especialmente - a tendência é endurecer as políticas migratórias. Mesmo
aqui no Brasil, percebemos um momento de retrocesso social em uma série de
outras áreas. Como você posiciona esta nova lei neste contexto?
Tatyana: Esta lei
acaba sendo um alento em matéria de direitos humanos, porque realmente temos
visto uma alteração muito pouco democrática em áreas muito sensíveis ligadas
aos direitos fundamentais das pessoas no Brasil (trabalhista e previdenciária,
por exemplo). Por uma contingência política,
acabamos tendo a aprovação desta lei – que tem como seu autor o Senador que
hoje é chanceler do Brasil, o Aloysio Nunes. Por toda essa conjuntura, esta lei
que é bastante progressista – não tanto quanto as entidades que trabalham com
migrantes gostariam, mas, na comparação com a legislação atual é bastante
avançada – e acaba tendo as condições políticas que permitem seu avanço. Porém
ela não veio de cima para baixo, houve todo um trabalho de advocacy e de tencionamento das entidades que trabalham com
migrantes – órgãos governamentais (como a Defensoria Pública da União e dos
Estados, o Conselho de Migração e de Refugiados) entidades religiosas, laicas e
universidades – fizeram bastantes pressões para que a lei fosse aprovada.
Blog
Internacionalize-se: A professora menciona que o projeto de lei não é o ideal
diante das demandas de quem atua com a população migrante. Quais demandas não
foram atendidas?
Tatyana: A
legislação é muito ampla, e por isso muito aberta. Há vários artigos que falam
sobre a regulamentação posterior que precisa ser feita. Então, há muita coisa
que ainda precisará ser regulamentada e as diretrizes não são objetivas. Além
disso, embora ela fale de não criminalização da imigração, existe um grande
gargalo que é o fato de que o órgão que vai tratar da política migratória é a
Polícia Federal. Esperava-se que fosse um órgão da sociedade civil – retirando a
questão da esfera policial.
(Nota do Blog
Internacionalize-se: a entrevista foi realizada antes do veto do Presidente
Michel Temer a alguns pontos importantes da Nova lei, como a anistia a
imigrantes irregulares e o perdão de imigrantes expulsos antes da entrada em
vigor da Constituição de 1988)
Blog
Internacionalize-se: A professora menciona que existem várias questões que ainda
dependem de regulamento. Nós temos hoje mais de 100 Resoluções Normativas do
Ministério do Trabalho com tipos de vistos para a população migrante. Muitas,
me parecem incompatíveis com a Nova Lei. Como fica a situação enquanto os
regulamentos não forem alterados.
Tatyana: Teremos
um momento de transição, um limbo jurídico. O CNIg é um órgão plural e já criou
um grupo de trabalho para começar a rever os Regulamentos vigentes. Alguns
regulamentos talvez possam ser os mesmos, mas muitos precisarão ser modificados.
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