A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2017 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.
Empresas militares privadas
Um novo conceito de Guerra
Évora Castanho *
A noção de Estado Nação relacionava até então, conceitualmente, a soberania estatal ao monopólio legítimo da violência/do uso privativo da autotutela transferida pelo povo. Nohmi (2003), por exemplo, conceitua que:
“‘A soberania nacional pertence ao povo, podendo outorga-la a um governo ou dirigente, retomando-a quando houver abuso em tal delegação’. No âmbito do Direito Internacional Público, a soberania era percebida pela analogia: “homens livres - Estados livres’”. (grifo nosso)
O autor fala em consonância com Miguel Reale (2000), que entende que a soberania constitui um conjunto de elementos, (como aquele ético, o econômico, o religioso, entre outros), o que permite distinguir com outras formas peculiares de poder no estado Moderno.
Estes conceitos de soberania, assim como diversos outros, a partir da década de 1990, com o surgimento no cenário internacional da figura das Empresas Militares Privadas (EMPS), são tidos como paradigma, inclusive jurídico. Segundo Singer (2005), o surgimento destas empresas foi facilitado por alguns fatores: o fim da Guerra Fria e a diminuição de forças armadas; instabilidade global dispersa; a procura pelos países em desenvolvimento de serviços militares especializados; e a dependência por tecnologias militares de ponta.
As EMPS regem-se sob um viés comercial, oferecendo serviços militares de apoio e segurança para Estados e empresas ao redor do mundo. Seu objetivo é o lucro. Suas funções englobam desde apoio logístico a operações militares, a manutenção de sistemas de armamento, a proteção de instalações, a proteção de pessoas ou o treino de serviços na frente de combate (BERUBE, 2007), bem como a proteção de cargas.
O seu quadro combatente é formado por militares aposentados ou ex-militares e ex-agentes de serviços de segurança. O grande diferencial destas empresas é o uso de sistemas, armamentos e controles altamente sofisticados que permitem a excelência militar em seu trabalho. Ademais, estas empresas remuneram muito melhor do que o próprio Estado.
Para Munker (2007), há uma superação do conceito weberniano de Estado como detentor do monopólio da violência legítima organizada. O problema desse novo contexto das guerras pode resumir-se ainda à basicamente algumas perguntas: a quem respondem as Empresas Militares Privadas, ao país contratante ou a comunidade internacional? O país que lhe contrata, até que ponto é responsável por suas ações? A tercerização de um poder eminentemente estatal, é legítima? Quais são os riscos nessa transferência? Há diferenças entre uma EMP e um Grupo Mercenário conceitualmente e no caso concreto? Cabe esclarecer que o objetivo deste texto não é responder aos questionamentos, mas problematizá-los.
Em 2007, Bagdá (capital do Iraque), um comboio fortemente armado da empresa Blackwater matou cerca de 14 civis, na praça Nisour, e deixou vários outros feridos, sob a alegação de que haveria alguma ameaça ou suspeita de ameaça inimiga frente ao seu carregamento. Houve uma enorme dificuldade dos sobreviventes e dos parentes das vítimas em trazer a responsabilidade à empresa ou ao próprio Estados Unidos da América, o país contratante dos serviços da empresa.
Especialistas da Organização das Nações Unidas, levantaram a necessidade de um tratado internacional sobre segurança privada após as condenações advindas deste episódio. É possível, portanto, afirmar que há um novo recorte histórico para o contexto global das Guerras.
Finalmente, cabe esclarecer que as Empresas Militares Privadas possuem aspectos positivos e negativos, mas ambos carentes de maior atenção internacional.
REFERÊNCIAS
Gonçalo Caseiro Miguel, Nulo. Empresas Militares Privadas: Actores Privadas em Guerras Públicas, Instittuto de Estudo Superiores Militares 2010/2011.
Kowalski, Mateus. Novas Guerras, Novos Actores. As Empresas Militares Privadas, Doutorando e m Política Internacional e Resolução de Conflitos na universidade de Coimbra (CES/FEUC), 2009.
NOHMI, Antônio Marcos. Arbitragem como mecanismos de solução pacífica entre os Estados-Membros. Belo Horizonte: Faculdade Mineira de Direito, 2003.
REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
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