A seção "Por onde anda" entrevista egressos do Curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA sobre experiências acadêmicas, profissionais e de vida concretizadas após o término do curso e é coordenada pela Prof. Michele Hastreiter e pela Prof. Angela Moreira.
Nome Completo: Fernanda Mansur Tansini
Ano de ingresso no curso de Relações Internacionais: 2003
Ano de conclusão do curso de Relações Internacionais: 2007
Ocupação atual: Diplomata (Segunda Secretária)
Blog Internacionalize-se: Conte-nos um pouco de sua trajetória
profissional após a formatura no curso de Relações Internacionais.
Fernanda Tansini: Assim que me formei, em janeiro de 2007, fui
morar no Rio de Janeiro, onde comecei um curso preparatório para o CACD
(Concurso de Admissão à Carreira Diplomática). Prestei os concursos de 2008 e
2009, para finalmente passar em 2010. Concluí o Curso de Formação no Instituto
Rio Branco e trabalhei na Divisão de Temas Sociais do Departamento de Direitos
Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. Em
2013, recebi convite para servir em El Salvador. Concluída minha missão na
Embaixada em São Salvador, fui removida para a Representação do Brasil junto à
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em
Roma, Itália. Atualmente estou encarregada dos temas relacionados à Segurança
Alimentar e Nutrição, no âmbito do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CSA).
Em Roma, a Representação ainda cuida das relações do Brasil com o Programa
Mundial de Alimentos (PMA) e o Fundo Internacional para o Desenvolvimento
Agrícola (FIDA).
Blog Internacionalize-se: Conte-nos um pouco sobre como e quando você
decidiu seguir a carreira de diplomata.
Fernanda Tansini: Durante a
faculdade, tive aquela crise existencial comum em estudantes de RI. Não
conhecia ninguém que já tivesse passado no CACD, por isso me parecia algo
inatingível. Mesmo assim, pouco antes de terminar a faculdade, admiti para mim
mesma que era o que eu queria e decidi prestar o concurso. Não foi uma decisão
fácil, até porque eu tinha muito medo de investir todas minhas fichas no
Itamaraty para depois não passar. Resolvi encarar o desafio, mas devo dizer que
o apoio da família foi essencial.
Blog Internacionalize-se: Como foi o período de preparação para o
concurso do Instituto Rio Branco? Depois de quanto tempo de estudo veio sua
aprovação?
Fernanda Tansini: Fui morar no Rio em 2007 e comecei um curso
preparatório (Clio), que abrangia todas as matérias do concurso e tinha
professores excelentes. O nível dos estudantes era altíssimo, o que me
estimulava a estudar ainda mais. No concurso de 2008, não passei por muito
pouco na primeira fase. A verdade é que faltava ainda um pouco mais de
maturidade pra fazer a prova. No segundo ano de estudos, relaxei um pouco. Quis
curtir o Rio de Janeiro, ir mais à praia, sair, viajar... Fiz terapia, academia
e fotografia, o que na verdade ajudou a aliviar a carga do concurso e me deu
mais paz de espírito (fundamental para qualquer coisa na vida). Claro que não passei novamente, mas dessa vez
foi diferente. Eu morava em um cubículo em Botafogo e não aguentava mais aquela
situação de incerteza. Passei a estudar com mais método, mais qualidade e fui
fazer a prova muito mais assertiva, com muito mais segurança. Finalmente, na
terceira tentativa, fiz as quatro fases do concurso, que naquele ano foi de
janeiro a maio. Em junho de 2010, recebi a melhor notícia da minha vida. Eu
tinha passado em 19º lugar.
Blog Internacionalize-se: O que mudou na sua vida após o ingresso no
Instituto Rio Branco?
Fernanda Tansini: Mudei-me para Brasília e fiz o Curso de Formação
no Instituto Rio Branco. Decidi não fazer o mestrado no IRBr (que inclusive foi
extinto posteriormente) e somente concluí o curso de formação. Ainda no Rio
Branco, estagiei na Divisão de Temas Sociais e fui lotada lá depois de
formada. Trabalhei por três anos na
Secretaria de Estado (que é como chamamos o Itamaraty em Brasília). Descobri
que a carreira é, em grande medida, burocrática, mas que também proporciona
momentos incríveis – como quando fui diplig (diplomata de ligação) da
ex-diretora executiva da ONU Mulheres e Presidente do Chile, Michele Bachelet,
em sua visita ao Brasil. Em 2013, aceitei um convite (naquele momento irrecusável)
de servir na nossa Embaixada em El Salvador. Passei dois anos no “pulgarcito”
da América Central, vivendo em um país complexo, que, apesar da simpatia e
cordialidade de seu povo, sofre muito com a desigualdade social e a violência. Meu
trabalho era o de representar o Brasil junto à chancelaria salvadorenha, participar
de eventos e reuniões, acompanhar os acontecimentos de política interna, além
de coordenar, juntamente com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), os
Ministérios brasileiros e os salvadorenhos para implementar projetos de
cooperação técnica. Na época, a primeira-dama de El Salvador era a brasileira
Vanda Pignato, quem também exercia a função de Secretária de Inclusão Social. Por
isso, tive muito contato com as políticas sociais salvadorenhas, muitas delas
inspiradas em modelos brasileiros. Construí um belo grupo de amigos
salvadorenhos e expatriados, fiz yoga, mergulho, viajei pela região. Valeu
muito a pena. Em Roma, a vida mudou completamente de novo. O trabalho de posto
multilateral é diferente do trabalho de Embaixada bilateral em vários aspectos.
Aqui preciso me articular não com uma, mas com várias delegações, além de
conhecer bem os temas sobre os quais negocio. Sobre o lugar, não preciso nem
dizer que a Itália é fascinante. Transforma as nossas noções de tempo e de
beleza, o nosso paladar e as nossas prioridades na vida (rs). Gosto do caos de
Roma, do idioma, da história, da autenticidade que ainda não foi embora em
tempos de padronização generalizada. Gosto muito daqui e acredito que será
difícil ir embora, o que deve acontecer daqui a um ano e meio mais ou menos. E
então a minha vida mudará completamente de novo...
Blog Internacionalize-se: Como tem sido sua atuação representando o
Brasil na ONU?
Fernanda Tansini: Acho
importante falar um pouco mais sobre os três organismos das Nações Unidas em
Roma. A FAO é uma das principais agências das Nações Unidas, com um dos
mandatos mais importantes de todo o Sistema ONU – a erradicação da fome e da má
nutrição e o desenvolvimento agrícola sustentável. Por isso a FAO trata de uma
variedade enorme de temas, como mudança do clima e impactos na agricultura,
igualdade de gênero e empoderamento de mulheres rurais, florestas, solos,
pesca, recursos fitogenéticos e agricultura familiar. É uma infinidade de
temas. O atual Diretor-Geral da FAO é o brasileiro José Graziano da Silva, que
trouxe muito da sua experiência como idealizador do “Fome Zero” no Brasil para
o plano internacional, e consolidou o papel da FAO como agência fomentadora de
desenvolvimento. O PMA é o maior programa de assistência humanitária do mundo e
presta assistência alimentar e de desenvolvimento a mais de 80 países. O FIDA
empresta recursos a projetos de desenvolvimento agrícola e apoia projetos
importantes no Nordeste brasileiro, mas sobretudo em países de menor
desenvolvimento relativo.Além de o Brasil ter claro interesse no trabalho
desses organismos (também pela potência agrícola que é), as políticas brasileiras
de promoção da agricultura familiar, de alimentação escolar, de transferência
condicionada de renda, de compras institucionais do pequeno agricultor, de pesquisa
agrícola, etc., são referência nas Nações Unidas, além de serem admiradas e
copiadas no mundo todo. Por isso nós como delegação somos muitas vezes chamados
a compartilhar a experiência brasileira nos mais diferentes fóruns. No meu caso específico, acompanho os
trabalhos do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CSA), que além de ser um
Comitê na FAO, tem a característica de ser uma plataforma multiatores. Isso
significa que além dos Estados membros, o Comitê conta com a participação de
outros atores, como a sociedade civil, o setor privado, instituições
financeiras, fundações e outras organizações das Nações Unidas. Meu trabalho é,
sobretudo, de articulação com todos esses atores para garantir que as decisões
do CSA, que são de natureza voluntária, sejam favoráveis aos interesses
nacionais e, ao mesmo tempo, contribuam para o cumprimento do mandato do
Comitê.
Blog Internacionalize-se: Como é o dia a dia na diplomacia?
Fernanda Tansini: O dia a dia
na diplomacia vai depender muito da área em que se trabalha. De modo geral, nosso
trabalho consiste em representar, informar e negociar. Representamos o Brasil,
informamos Brasília e negociamos para garantir que os interesses brasileiros
sejam assegurados.Na prática, no caso de representações multilaterais como
Rebrasfao, há dias mais intensos, com negociações que atravessam a madrugada, e
dias normais. Para citar algumas de nossas atividades: participamos de reuniões
e negociações na FAO, FIDA e PMA; redigimos discursos; mantemos contato com
funcionários da FAO, FIDA e PMA e com outras delegações; organizamos e
participamos de eventos e sessões de comitês e órgãos deliberativos; informamos
as áreas técnicas nacionais e a Secretaria de Estado sobre as discussões em
Roma; dialogamos com as assessorias internacionais; recebemos e cumprimos
instruções; executamos muitas vezes atividades administrativas do Posto;
acompanhamos delegações de técnicos e autoridades que vêm de Brasília para participar
de atividades na FAO, no FIDA e no PMA; fazemos gestões para candidaturas do
Brasil a órgãos das Nações Unidas; e por aí vai.
Blog Internacionalize-se: Quais são os temas com os quais teve mais
contato no MRE?
Fernanda Tansini: Na Divisão de Temas Sociais, cuidei de temas
relacionados à igualdade de gênero. Trabalhava com comitês, comissões e órgãos
das Nações Unidas, OEA, Mercosul, etc., cujo tema principal era a igualdade de
gênero. Também me ocupava de alguns temas de saúde e população.Em El Salvador,
trabalhei com a parte política e de Cooperação Sul-Sul e Trilateral. Em Roma,
com os temas de Segurança Alimentar e Nutrição.
Blog Internacionalize-se: Qual foi a experiência mais desafiadora que
já teve profissionalmente?
Fernanda Tansini: Como a
carreira diplomática mistura muito a vida profissional e a pessoal, acredito
que viver em El Salvador - um país incrível, mas que figura entre os mais
violentos do mundo - foi uma experiência muito desafiadora. Em termos estritamente profissionais,
acredito estar vivendo o momento mais desafiador, já que participo ativamente
de negociações multilaterais na FAO e presido um dos Grupos de Trabalho do CSA.
Blog Internacionalize-se: Qual a lembrança mais marcante do período de
faculdade?
Fernanda Tansini: A
convivência com os colegas do Centro Acadêmico, as aulas de Antropologia
Cultural, as viagens para o ENERI e o período da monografia. Ah, e o Costelão
24 horas na esquina da faculdade (rs).
Blog Internacionalize-se: Quais
as aptidões e conhecimentos desenvolvidos no curso de Relações Internacionais
que mais o ajudam na sua profissão atual?
Fernanda Tansini: O olhar holístico e a capacidade de análise e
síntese que o curso de RI busca desenvolver foram fundamentais para o concurso
e têm me ajudado significativamente na carreira.
Blog Internacionalize-se: Você daria alguma dica para quem quer se
tornar diplomata?
Fernanda Tansini: Tenha
certeza de que é isso que você quer fazer da sua vida. Pense nos longos períodos
longe do Brasil e da família; pense na vida pessoal bagunçada e nas
dificuldades e incertezas de remoção e promoção, em troca de nem metade do “glamour”
esperado. Se ainda assim você estiver
decidido a prestar o concurso, muito bem. Já me disseram uma vez - e até agora
posso confirmar -: esta é uma carreira que “te dá muito mais do que te tira”. Faça
terapia (se possível), conheça o edital e estude!
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