segunda-feira, 17 de abril de 2017

Por Onde Anda: Fernanda Tansini, diplomata egressa do UNICURITIBA, atualmente representa o Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU)


A seção "Por onde anda" entrevista egressos do Curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA sobre experiências acadêmicas, profissionais e de vida concretizadas após o término do curso e é coordenada pela Prof. Michele Hastreiter e pela Prof. Angela Moreira.



Nome Completo: Fernanda Mansur Tansini
Ano de ingresso no curso de Relações Internacionais: 2003
Ano de conclusão do curso de Relações Internacionais: 2007
Ocupação atual: Diplomata (Segunda Secretária)


Blog Internacionalize-se: Conte-nos um pouco de sua trajetória profissional após a formatura no curso de Relações Internacionais.

Fernanda Tansini: Assim que me formei, em janeiro de 2007, fui morar no Rio de Janeiro, onde comecei um curso preparatório para o CACD (Concurso de Admissão à Carreira Diplomática). Prestei os concursos de 2008 e 2009, para finalmente passar em 2010. Concluí o Curso de Formação no Instituto Rio Branco e trabalhei na Divisão de Temas Sociais do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. Em 2013, recebi convite para servir em El Salvador. Concluída minha missão na Embaixada em São Salvador, fui removida para a Representação do Brasil junto à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em Roma, Itália. Atualmente estou encarregada dos temas relacionados à Segurança Alimentar e Nutrição, no âmbito do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CSA). Em Roma, a Representação ainda cuida das relações do Brasil com o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA).

Blog Internacionalize-se: Conte-nos um pouco sobre como e quando você decidiu seguir a carreira de diplomata.
Fernanda Tansini:  Durante a faculdade, tive aquela crise existencial comum em estudantes de RI. Não conhecia ninguém que já tivesse passado no CACD, por isso me parecia algo inatingível. Mesmo assim, pouco antes de terminar a faculdade, admiti para mim mesma que era o que eu queria e decidi prestar o concurso. Não foi uma decisão fácil, até porque eu tinha muito medo de investir todas minhas fichas no Itamaraty para depois não passar. Resolvi encarar o desafio, mas devo dizer que o apoio da família foi essencial.

Blog Internacionalize-se: Como foi o período de preparação para o concurso do Instituto Rio Branco? Depois de quanto tempo de estudo veio sua aprovação?
Fernanda Tansini: Fui morar no Rio em 2007 e comecei um curso preparatório (Clio), que abrangia todas as matérias do concurso e tinha professores excelentes. O nível dos estudantes era altíssimo, o que me estimulava a estudar ainda mais. No concurso de 2008, não passei por muito pouco na primeira fase. A verdade é que faltava ainda um pouco mais de maturidade pra fazer a prova. No segundo ano de estudos, relaxei um pouco. Quis curtir o Rio de Janeiro, ir mais à praia, sair, viajar... Fiz terapia, academia e fotografia, o que na verdade ajudou a aliviar a carga do concurso e me deu mais paz de espírito (fundamental para qualquer coisa na vida).  Claro que não passei novamente, mas dessa vez foi diferente. Eu morava em um cubículo em Botafogo e não aguentava mais aquela situação de incerteza. Passei a estudar com mais método, mais qualidade e fui fazer a prova muito mais assertiva, com muito mais segurança. Finalmente, na terceira tentativa, fiz as quatro fases do concurso, que naquele ano foi de janeiro a maio. Em junho de 2010, recebi a melhor notícia da minha vida. Eu tinha passado em 19º lugar.

Blog Internacionalize-se: O que mudou na sua vida após o ingresso no Instituto Rio Branco?
Fernanda Tansini: Mudei-me para Brasília e fiz o Curso de Formação no Instituto Rio Branco. Decidi não fazer o mestrado no IRBr (que inclusive foi extinto posteriormente) e somente concluí o curso de formação. Ainda no Rio Branco, estagiei na Divisão de Temas Sociais e fui lotada lá depois de formada.  Trabalhei por três anos na Secretaria de Estado (que é como chamamos o Itamaraty em Brasília). Descobri que a carreira é, em grande medida, burocrática, mas que também proporciona momentos incríveis – como quando fui diplig (diplomata de ligação) da ex-diretora executiva da ONU Mulheres e Presidente do Chile, Michele Bachelet, em sua visita ao Brasil. Em 2013, aceitei um convite (naquele momento irrecusável) de servir na nossa Embaixada em El Salvador. Passei dois anos no “pulgarcito” da América Central, vivendo em um país complexo, que, apesar da simpatia e cordialidade de seu povo, sofre muito com a desigualdade social e a violência. Meu trabalho era o de representar o Brasil junto à chancelaria salvadorenha, participar de eventos e reuniões, acompanhar os acontecimentos de política interna, além de coordenar, juntamente com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), os Ministérios brasileiros e os salvadorenhos para implementar projetos de cooperação técnica. Na época, a primeira-dama de El Salvador era a brasileira Vanda Pignato, quem também exercia a função de Secretária de Inclusão Social. Por isso, tive muito contato com as políticas sociais salvadorenhas, muitas delas inspiradas em modelos brasileiros. Construí um belo grupo de amigos salvadorenhos e expatriados, fiz yoga, mergulho, viajei pela região. Valeu muito a pena. Em Roma, a vida mudou completamente de novo. O trabalho de posto multilateral é diferente do trabalho de Embaixada bilateral em vários aspectos. Aqui preciso me articular não com uma, mas com várias delegações, além de conhecer bem os temas sobre os quais negocio. Sobre o lugar, não preciso nem dizer que a Itália é fascinante. Transforma as nossas noções de tempo e de beleza, o nosso paladar e as nossas prioridades na vida (rs). Gosto do caos de Roma, do idioma, da história, da autenticidade que ainda não foi embora em tempos de padronização generalizada. Gosto muito daqui e acredito que será difícil ir embora, o que deve acontecer daqui a um ano e meio mais ou menos. E então a minha vida mudará completamente de novo...

Blog Internacionalize-se: Como tem sido sua atuação representando o Brasil na ONU?
Fernanda Tansini:  Acho importante falar um pouco mais sobre os três organismos das Nações Unidas em Roma. A FAO é uma das principais agências das Nações Unidas, com um dos mandatos mais importantes de todo o Sistema ONU – a erradicação da fome e da má nutrição e o desenvolvimento agrícola sustentável. Por isso a FAO trata de uma variedade enorme de temas, como mudança do clima e impactos na agricultura, igualdade de gênero e empoderamento de mulheres rurais, florestas, solos, pesca, recursos fitogenéticos e agricultura familiar. É uma infinidade de temas. O atual Diretor-Geral da FAO é o brasileiro José Graziano da Silva, que trouxe muito da sua experiência como idealizador do “Fome Zero” no Brasil para o plano internacional, e consolidou o papel da FAO como agência fomentadora de desenvolvimento. O PMA é o maior programa de assistência humanitária do mundo e presta assistência alimentar e de desenvolvimento a mais de 80 países. O FIDA empresta recursos a projetos de desenvolvimento agrícola e apoia projetos importantes no Nordeste brasileiro, mas sobretudo em países de menor desenvolvimento relativo.Além de o Brasil ter claro interesse no trabalho desses organismos (também pela potência agrícola que é), as políticas brasileiras de promoção da agricultura familiar, de alimentação escolar, de transferência condicionada de renda, de compras institucionais do pequeno agricultor, de pesquisa agrícola, etc., são referência nas Nações Unidas, além de serem admiradas e copiadas no mundo todo. Por isso nós como delegação somos muitas vezes chamados a compartilhar a experiência brasileira nos mais diferentes fóruns.  No meu caso específico, acompanho os trabalhos do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CSA), que além de ser um Comitê na FAO, tem a característica de ser uma plataforma multiatores. Isso significa que além dos Estados membros, o Comitê conta com a participação de outros atores, como a sociedade civil, o setor privado, instituições financeiras, fundações e outras organizações das Nações Unidas. Meu trabalho é, sobretudo, de articulação com todos esses atores para garantir que as decisões do CSA, que são de natureza voluntária, sejam favoráveis aos interesses nacionais e, ao mesmo tempo, contribuam para o cumprimento do mandato do Comitê.

Blog Internacionalize-se: Como é o dia a dia na diplomacia?
Fernanda Tansini:  O dia a dia na diplomacia vai depender muito da área em que se trabalha. De modo geral, nosso trabalho consiste em representar, informar e negociar. Representamos o Brasil, informamos Brasília e negociamos para garantir que os interesses brasileiros sejam assegurados.Na prática, no caso de representações multilaterais como Rebrasfao, há dias mais intensos, com negociações que atravessam a madrugada, e dias normais. Para citar algumas de nossas atividades: participamos de reuniões e negociações na FAO, FIDA e PMA; redigimos discursos; mantemos contato com funcionários da FAO, FIDA e PMA e com outras delegações; organizamos e participamos de eventos e sessões de comitês e órgãos deliberativos; informamos as áreas técnicas nacionais e a Secretaria de Estado sobre as discussões em Roma; dialogamos com as assessorias internacionais; recebemos e cumprimos instruções; executamos muitas vezes atividades administrativas do Posto; acompanhamos delegações de técnicos e autoridades que vêm de Brasília para participar de atividades na FAO, no FIDA e no PMA; fazemos gestões para candidaturas do Brasil a órgãos das Nações Unidas; e por aí vai.

Blog Internacionalize-se: Quais são os temas com os quais teve mais contato no  MRE?
Fernanda Tansini: Na Divisão de Temas Sociais, cuidei de temas relacionados à igualdade de gênero. Trabalhava com comitês, comissões e órgãos das Nações Unidas, OEA, Mercosul, etc., cujo tema principal era a igualdade de gênero. Também me ocupava de alguns temas de saúde e população.Em El Salvador, trabalhei com a parte política e de Cooperação Sul-Sul e Trilateral. Em Roma, com os temas de Segurança Alimentar e Nutrição.

Blog Internacionalize-se: Qual foi a experiência mais desafiadora que já teve profissionalmente?
Fernanda Tansini:  Como a carreira diplomática mistura muito a vida profissional e a pessoal, acredito que viver em El Salvador - um país incrível, mas que figura entre os mais violentos do mundo - foi uma experiência muito desafiadora.  Em termos estritamente profissionais, acredito estar vivendo o momento mais desafiador, já que participo ativamente de negociações multilaterais na FAO e presido um dos Grupos de Trabalho do CSA.

Blog Internacionalize-se: Qual a lembrança mais marcante do período de faculdade?
Fernanda Tansini:  A convivência com os colegas do Centro Acadêmico, as aulas de Antropologia Cultural, as viagens para o ENERI e o período da monografia. Ah, e o Costelão 24 horas na esquina da faculdade (rs).

Blog Internacionalize-se:  Quais as aptidões e conhecimentos desenvolvidos no curso de Relações Internacionais que mais o ajudam na sua profissão atual?
Fernanda Tansini: O olhar holístico e a capacidade de análise e síntese que o curso de RI busca desenvolver foram fundamentais para o concurso e têm me ajudado significativamente na carreira.

Blog Internacionalize-se: Você daria alguma dica para quem quer se tornar diplomata?

Fernanda Tansini:  Tenha certeza de que é isso que você quer fazer da sua vida. Pense nos longos períodos longe do Brasil e da família; pense na vida pessoal bagunçada e nas dificuldades e incertezas de remoção e promoção, em troca de nem metade do “glamour” esperado.  Se ainda assim você estiver decidido a prestar o concurso, muito bem. Já me disseram uma vez - e até agora posso confirmar -: esta é uma carreira que “te dá muito mais do que te tira”. Faça terapia (se possível), conheça o edital e estude!

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