A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2017 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.
Pensar os conflitos na atualidade sob a perspectiva da guerra em rede e das redes da guerra
Gustavo Glodes Blum *
Na tradição das Relações Internacionais (RIs), os conflitos sempre conformaram uma parcela significativa da racionalização e teorização a respeito do Sistema Internacional. Tanto em sua característica de conhecimento aplicado, desenvolvido e colocado em ação por parte dos Estados-maiores das forças armadas dos Estados-nação ao redor do mundo, como em sua versão teorética acadêmica, o conhecimento sobre as RIs buscou desenvolver algumas leituras possíveis a respeito dos conflitos internacionais. No primeiro caso, a questão parece ser mais premente, pois trata-se de regular as ações dos Estados por parte de governos e das instâncias das Forças Armadas e da burocracia civil segundo a leitura que se faz do ambiente internacional e suas consequências para a segurança dos Estados e das suas populações. Já em seu viés mais acadêmico, a análise sobre os conflitos nas RIs se torna um pouco mais complexa.
O quê traz essa complexidade a respeito dos conflitos internacionais para o debate é justamente a tentativa de tentar colocar, dentro dos esquadrinhamentos de paradigmas científicos, as motivações, as causas, mas também os efeitos dos conflitos ao redor do mundo. Tentar compreender a partir do ponto de vista acadêmico, como bem indicou Thomas Kuhn em seu A estrutura das revoluções científicas (2011), é analisar a realidade a partir de alguns pressupostos considerados científicos. As análises de Relações Internacionais estão cheias dessas formas, que vão muito além das Teorias das Relações Internacionais, e se referem à maneira como o conhecimento sobre a área é construída na academia, nos governos, nas empresas, na vida dos indivíduos.
O debate a respeito do papel da própria Guerra no desenvolvimento do Sistema Internacional pode ser considerado enquanto um elemento fundante das Relações Internacionais. Enquanto conhecimento científico institucionalizado, essa área específica de conhecimento surge, justamente, ao final da Primeira Guerra Mundial como uma maneira de tentar compreender os padrões de cooperação e conflito dentro do Sistema Internacional (LEVY, 2003). A própria construção das principais Teorias das Relações Internacionais, durante o período Entre Guerras e durante a Guerra Fria levavam em considerações leituras práticas a respeito dos conflitos e sua funcionalidade no Sistema Internacional: desde a apropriação das obras de Tucídides, de Thomas Hobbes e Carl von Clausewitz por parte do denominado realismo político, até as interpretações de obras de Immanuel Kant, do Abade de Saint-Pierre e de Woodrow Wilson para a constituição de um sistema internacional mais pacífico dentro da lógica do idealismo liberal, o tema da Paz e da Guerra tem sido uma das bases da construção do conhecimento em Relações Internacionais.
Não é, porém, essa a proposta do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional para o ano de 2017. Não pretendemos analisar as teorias construídas a respeito do conflito dentro do conhecimento estabelecido dentro do recorte das Relações Internacionais. Fazendo uma digressão um pouco mais, digamos assim, transversal, pretendemos construir um panorama a respeito dos conflitos violentos ao redor do mundo, e é à construção deste panorama que nós, seus membros, nos dedicaremos neste ano neste Blog.
Para isso, teremos alguns desafios, e são justamente esses desafios que pretendemos abordar neste espaço, além de descrever casos que representem toda a pluralidade de leituras a respeito dos conflitos internacionais. Para isso, partimos de alguns pressupostos:
a) Uma perspectiva sistêmica das Relações Internacionais, que permita a leitura de diversos atores que são diferentes entre si (Estados, empresas, mídia, forças armadas, cyberhackers, comunidades epistêmcias...) em sua interação com os conflitos mundiais;
b) Para isso, utilizaremos uma análise em redes, ou seja, buscaremos desvelar de qual forma as relações de dependência e de ligação entre esses diversos atores podem afetar a dinâmica destes conflitos no cenário internacional; e,
c) Por fim, pensamos que o poder é uma imanência humana, ou seja, não existe de forma material e, justamente por isso, só pode ser analisado enquanto relação, como capacidade de agência e de prática de domínio, controle, vigilância e, no seu extremo, violência.
Levando em conta os pontos levantados acima, buscaremos apresentar as dificuldades e a complexidade dos conflitos no cenário internacional. Sempre pensando nos aspectos políticos e teóricos dos conflitos, buscaremos conformar uma leitura a respeito das dinâmicas de uso da violência ao redor do mundo atualmente, por meio de uma reflexão e uma série de interpretações possíveis a respeito da guerra na atualidade. Se, durante a década de 1990, logo após a Guerra Fria, foram propostos diversos modelos de análise e prática para os conflitos internacionais, como aqueles de Francis Fukuyama (1992) e de Samuel Huntington (1994), a partir dos atentados de 11 de setembro de 2001, a Guerra assuma novas características. Verifica-se, aí, a inserção de lógicas tecnológicas e com intenções de uma nova disputa pela hegemonia internacional (BAUMAN, 1999), assim como uma justificação para a aplicação específica de um tipo de normatização da realidade social a partir da perspectiva da vigilância e da caça de inimigos internos (LYON, 2012).
Mesmo assim, se falamos em uma guerra tecnológica, com utilização do espaço cibernético e a robótica como uma nova forma de conflito armado nos países mais desenvolvidos (FERNANDES, 2013), ainda se verifica, ao redor do mundo, a utilização de métodos menos avançados na realização da guerra. Deve-se, portanto, compreender a guerra enquanto uma série de elementos relevantes que tampouco se traduzem ou esgotam na realidade das batalhas campais.
Como defende Umberto Gori (2010, p. 572), a guerra se configura, “ao mesmo tempo, como uma espécie de conflito, uma espécie de violência, um fenômeno de psicologia social, uma situação jurídica excepcional e, finalmente, um processo de coesão interna”. Todos estes elementos nos fazem refletir a respeito das consequências sócio-político-econômicas dos conflitos internacionais. Debater, portanto, e buscar mapear os conflitos internacionais, trata-se de dar relevância e apresentação a este tipo de conflito, apresentado das diversas maneiras que aqui serão apresentadas.
Ao longo deste ano, você poderá acompanhar as reflexões produzidas pelo Grupo Redes e Poder no Sistema Internacional aqui neste espaço. Agradecemos, também, as críticas e considerações, e para isso convidamos você a indicá-las no espaço de comentários abaixo. Bem-vindo à nossa aventura através dos conflitos internacionais neste ano!
Referências
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2011.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização : as consequências humanas. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
FERNANDES, José Pedro Teixeira. A ciberguerra como nova dimensão dos conflitos do século XXI. Relações Internacionais: Março, 2012, vol. 1, n. 1, p. 053-069.
FUKUYAMA, Francis. The End of History and the Last Man. Nova York: Free Press, 1992.
GORI, Umberto. Guerra. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (orgs.). Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 13ª ed., 4ª reimpressão, 2010.
HUNTINGTON, Samuel. The clash of civilizations and the remaking of the world order. Nova York: Simon & Schuster, 1996.
LEVY, Jack S. War and Peace. In: CARLSNAES, Walter; RISSE, Thomas; e, SIMMONS, Beth A. Handbook of International Relations. Thousand Oaks, Califórnia, EUA: 2003.
LYON, David. Surveillance after Snowden. Nova York: Polity, 2015.
*Gustavo Glodes Blum é Internacionalista e Mestre em Geografia, especializado em Geografia Política e Política Internacional Contemporânea. É orientador do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".
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