Em julho de 2012, Ban Ki-Moon, o então Secretário-Geral das Nações Unidas, em meio à campanha “UNA-se pelo fim da violência contra a mulher”, proclamou o dia 25 de cada mês como um Dia Laranja (Orange Day), um dia para discutir a eliminação da violência contra as mulheres e meninas.
O UNICURITIBA aderiu a iniciativa desde julho de 2016, tendo - desde então - realizado uma série de eventos e debates acerca do assunto mensalmente, todo dia 25. A partir de hoje, 25 de março de 2017, o Blog Internacionalize-se também adere a causa. Todo dia 25 do mês serão publicados textos de autoria de nossas alunas abordando assuntos correlatos ao tema central da campanha da ONU.
Confira o primeiro texto, de autoria de Alécia Alves, acadêmica do segundo período de Relações Internacionais.
As demandas das mulheres
negras pelo mundo
Alécia Alves
O feminismo começou a dar seus primeiros
passos em 1791 quando Marrie Gouze ou Olympe de Gouges propôs à Assembleia
nacional da França, durante a Revolução Francesa, uma carta de sua autoria
chamada Declaração dos direitos da mulher e da cidadã como uma critica
aberta a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, que excluía a mulher da vida política. A necessidade de incluir as mulheres na pauta dos direitos humanos da
mesma forma que esta atendia aos homens era portanto uma reivindicação
existente desde a criação do próprio conceito e essa é de
maneira geral o preâmbulo do feminismo em qualquer lugar do mundo: a equidade
de gênero.
Olympe de Gouges foi decapitada e assim como ela
diversas outras mulheres protagonizaram as lutas pela equidade de gênero em
âmbito político, social e constitucional. Porém, durante muito tempo uma
parcela significativa de mulheres não era contemplada pelos direitos adquiridos
pelas feministas que vieram a continuar a luta de Olympe, isso por que as
pautas até então reivindicadas eram as pautas de mulheres brancas das classes
mais abastadas da sociedade. A ideia de um feminismo universal que incorpora as mulheres a partir de um único aspecto
em comum, o gênero, mostrou-se deficiente por ser incapaz de atender a diversidade nas
necessidades das mulheres no mundo. Viu-se então que era imprescindível interseccionar
o feminismo levando em consideração outros fatores como classe, cor,
sexualidade e religião.
Você já parou para pensar, por exemplo, por
onde estiveram as mulheres negras durante toda a trajetória de conquistas do
feminismo?
Se analisarmos a vivência e a luta das
mulheres negras e das mulheres brancas paralelamente é possível perceber que o
sexismo atrelado ao racismo relegou a vida da mulher negra no mundo de forma
ainda mais tirana. Durante os primeiros
ciclos das manifestações feministas as mulheres negras ainda sofriam as
consequências da escravidão que perdurou no mundo durante séculos e pouco
participaram destes movimentos. Enquanto as
mulheres brancas buscavam nivelar os seus direitos aos dos homens brancos,
mulheres negras traziam nas costas o estigma da escravidão e da servidão, e na
sociedade só lhes cabiam a posição de subordinadas perante não só a figura
masculina, mas também perante á mulher branca. A independência feminina que se
seguiu era alheia a essas mulheres e teve, por tanto, classe e cor. O recorte que
se fez na terceira onda do feminismo foi fundamental para a compreensão quanto as
disparidades enfrentadas no espaço ocupado por uma mulher negra em comparação
com a mulher branca e a invisibilidade das demandas das mulheres negras pelo
mundo.
Na primeira onda do feminismo, por exemplo, as reivindicações eram voltadas para assuntos como o direito
ao voto, à vida pública, ao trabalho sem que fosse preciso a autorização do
marido, mesmas oportunidades no mercado de trabalho e liberdade para circular
nos espaços públicos. As mulheres negras no entanto, não compartilhavam da mesma realidade,
pois nunca haviam sido privadas de trabalhar.
Elas não eram reconhecidas como pessoas e lutavam para poder existir, trabalhavam
não por opção ou porque pretendiam abalar o sistema patriarcal mas porque
tinham sido obrigadas durante o período de escravidão ou porque após abolição
da escravatura foram lançadas a própria sorte, tendo que trabalhar na rua em
trabalhos informais pela sua sobrevivência, e naquele
momento muito comumente se encontravam como babás das mulheres brancas de
classe média ou em cargos subordinados e
considerados indignos. Suas necessidades eram urgentes
e elas travavam uma batalha diária pela vida.
Atualmente a emancipação da mulher e a
liberdade para escolher entre trabalhar dentro ou fora de casa ainda faz parte
da agenda feminista, mas a realidade da mulher negra nesse quesito não mudou
muito: é alarmante o número de mulheres negras que trabalham dentro e fora de
casa e sustentam seus lares sozinhas. Proporcionalmente, a população negra
feminina apresenta uma maior atribuição da chefia de família que o observado
junto à população branca e na maioria dos casos, é uma chefia solitária, ou
seja, na qual inexiste a figura do marido ou companheiro. De maneira geral, a
população negra recebe 50% menos que a não negra, e quando levado em
consideração gênero a situação fica ainda mais preocupante. A remuneração de
uma mulher branca corresponde a duas vezes a de uma negra. No Brasil, enquanto mulheres brancas lutam para que seus
salários -média de R$ 797,00- sejam equiparados aos salários dos homens brancos
-média de R$ 1.278,00-, as mulheres negras recebem ainda menos -média de R$
436,00- (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea ONU Mulheres,
4ª edição, 2011).
No âmbito educacional as feministas também reivindicaram
pelo direito de poder estudar e conseguiram, embora durante muito tempo e em
muitos casos esse acesso a educação fosse diferenciado e o ensino fosse
segregado. Homens e mulheres aprendiam coisas diferentes, as mulheres deveriam
ter dotes domésticos, culinários e de costura, enquanto que os homens eram
educados a serem futuros engenheiros, cientistas etc. Muito depois da conquista
desse direito que era executado de modo questionável e com a existência de
certas barreiras, as mulheres negras ainda não tinham o mesmo acesso.
No Brasil, por exemplo, durante muito tempo,
embora não houvesse um impedimento formal de acesso dos negros à educação, esta
era acessível as classes mais abastadas da população, da qual os negros em sua
maioria não faziam parte. Atualmente, políticas de inclusão vigoram e garantem
acesso de alguns negros na universidade, mas ainda longe de ser o ideal. Em
2009 a taxa de escolarização das mulheres brancas era de 23,8 e a de mulheres
negras 9,9 (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea ONU
Mulheres, 4ª edição, 2011).
Outra reivindicação do movimento feminista
que foi atendido oficialmente em documentos e tratados internacionais são os
direitos reprodutivos, embora estes sejam amplamente violados em várias partes
do mundo.
De acordo com Ventura (2010) os Direitos
Reprodutivos: “são constituídos por princípios e normas de direitos humanos que
garantem o exercício individual, livre e responsável, da sexualidade e da
reprodução humana. E, portanto, o direito subjetivo de toda pessoa decidir
sobre o numero de filhos e os intervalos entre nascimentos, ter acesso aos
meios necessários para o exercício livre de sua autonomia reprodutiva, sem
sofrer discriminação, coerção, violência ou restrição de qualquer natureza”.
A outra fase do sexismo ligado ao racismo se
mostra nesse caso quando ao mesmo tempo em que as mulheres brancas exigiam
acesso a métodos contraceptivos e a legalização e regulamentação do aborto,
mulheres negras lutavam contra a esterilização forçada em massa que tinha como
intuito não deixa-las perpetuar a raça - realidade que atingiu e atinge
mulheres de vários países. No Brasil o
objetivo era diminuir o contingente populacional de negros e pobres no País e
até 1991, 62,9% das mulheres que procuravam utilizar algum método contraceptivo acabavam esterilizadas (ROLAND, 1995).
No que diz respeito ao
aborto, as mulheres negras também constituem a parcela
de maiores vítimas da ilegalidade, de acordo com o estudo (IPAS BRASIL E GRUPO CURUMIM). Devido as complicações geradas pelo procedimento feito de forma
clandestina, as mulheres negras morrem em números altíssimos e quando
sobrevivem são mais vulneráveis ao indiciamento criminal.
Logo, se há tanto por que as mulheres brancas precisam lutar, é bastante
preocupante o fato de que as mulheres negras nem sequer conquistaram igualdade
quando em comparação com outros indivíduos do seu próprio gênero. E esses são apenas alguns dos casos em que é possível
constatar as disparidades enfrentadas por mulheres negras. Apurar essas desigualdades e evidenciar as dinâmicas de
interação entre dois ou mais eixos de subordinação social são o primeiro passo
para diminuir o abismo que muitas mulheres encontram pelo caminho devido sua
classe, sua cor, sexualidade e/ou religião. Essas diversidades devem ser
respeitadas em suas especificidades e amplamente abordadas no feminismo para
que seja possível alcançar a equidade de gênero que tanto almeja-se.
Fontes:
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