sábado, 25 de março de 2017

Orange Day: As demandas das mulheres negras pelo mundo


Em julho de 2012, Ban Ki-Moon, o então Secretário-Geral das Nações Unidas, em meio à campanha “UNA-se pelo fim da violência contra a mulher”, proclamou o dia 25 de cada mês como um Dia Laranja (Orange Day), um dia para discutir a eliminação da violência contra as mulheres e meninas.

O UNICURITIBA aderiu a iniciativa desde julho de 2016, tendo - desde então -  realizado uma série de eventos e debates acerca do assunto mensalmente, todo dia 25. A partir de hoje, 25 de março de 2017, o Blog Internacionalize-se também adere a causa. Todo dia 25 do mês serão publicados textos de autoria de nossas alunas abordando assuntos correlatos ao tema central da campanha da ONU. 

Confira o primeiro texto, de autoria de Alécia Alves, acadêmica do segundo período de Relações Internacionais. 



As demandas das mulheres negras pelo mundo


Alécia Alves



O feminismo começou a dar seus primeiros passos em 1791 quando Marrie Gouze ou Olympe de Gouges propôs à Assembleia nacional da França, durante a Revolução Francesa, uma carta de sua autoria chamada Declaração dos direitos da mulher e da cidadã como uma critica aberta a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que excluía a mulher da vida política. A necessidade de incluir as mulheres na pauta dos direitos humanos da mesma forma que esta atendia aos homens era portanto uma reivindicação existente desde a criação do próprio conceito e essa é de maneira geral o preâmbulo do feminismo em qualquer lugar do mundo: a equidade de gênero.  

Olympe de Gouges foi decapitada e assim como ela diversas outras mulheres protagonizaram as lutas pela equidade de gênero em âmbito político, social e constitucional. Porém, durante muito tempo uma parcela significativa de mulheres não era contemplada pelos direitos adquiridos pelas feministas que vieram a continuar a luta de Olympe, isso por que as pautas até então reivindicadas eram as pautas de mulheres brancas das classes mais abastadas da sociedade. A ideia de um feminismo universal que incorpora as mulheres a partir de um único aspecto em comum, o gênero, mostrou-se deficiente por ser incapaz de atender a diversidade nas necessidades das mulheres no mundo. Viu-se então que era imprescindível interseccionar o feminismo levando em consideração outros fatores como classe, cor, sexualidade e religião.

Você já parou para pensar, por exemplo, por onde estiveram as mulheres negras durante toda a trajetória de conquistas do feminismo?

Se analisarmos a vivência e a luta das mulheres negras e das mulheres brancas paralelamente é possível perceber que o sexismo atrelado ao racismo relegou a vida da mulher negra no mundo de forma ainda mais tirana.  Durante os primeiros ciclos das manifestações feministas as mulheres negras ainda sofriam as consequências da escravidão que perdurou no mundo durante séculos e pouco participaram destes movimentos. Enquanto as mulheres brancas buscavam nivelar os seus direitos aos dos homens brancos, mulheres negras traziam nas costas o estigma da escravidão e da servidão, e na sociedade só lhes cabiam a posição de subordinadas perante não só a figura masculina, mas também perante á mulher branca. A independência feminina que se seguiu era alheia a essas mulheres e teve, por tanto, classe e cor. O recorte que se fez na terceira onda do feminismo foi fundamental para a compreensão quanto as disparidades enfrentadas no espaço ocupado por uma mulher negra em comparação com a mulher branca e a invisibilidade das demandas das mulheres negras pelo mundo.

Na primeira onda do feminismo, por exemplo, as reivindicações eram voltadas para assuntos como o direito ao voto, à vida pública, ao trabalho sem que fosse preciso a autorização do marido, mesmas oportunidades no mercado de trabalho e liberdade para circular nos espaços públicos. As mulheres negras no entanto, não compartilhavam da mesma realidade, pois nunca haviam sido privadas de trabalhar.  Elas não eram reconhecidas como pessoas e lutavam para poder existir, trabalhavam não por opção ou porque pretendiam abalar o sistema patriarcal mas porque tinham sido obrigadas durante o período de escravidão ou porque após abolição da escravatura foram lançadas a própria sorte, tendo que trabalhar na rua em trabalhos informais pela sua sobrevivência, e naquele momento muito comumente se encontravam como babás das mulheres brancas de classe média ou em cargos subordinados e considerados indignos. Suas necessidades eram urgentes e elas travavam uma batalha diária pela vida.

Atualmente a emancipação da mulher e a liberdade para escolher entre trabalhar dentro ou fora de casa ainda faz parte da agenda feminista, mas a realidade da mulher negra nesse quesito não mudou muito: é alarmante o número de mulheres negras que trabalham dentro e fora de casa e sustentam seus lares sozinhas. Proporcionalmente, a população negra feminina apresenta uma maior atribuição da chefia de família que o observado junto à população branca e na maioria dos casos, é uma chefia solitária, ou seja, na qual inexiste a figura do marido ou companheiro. De maneira geral, a população negra recebe 50% menos que a não negra, e quando levado em consideração gênero a situação fica ainda mais preocupante. A remuneração de uma mulher branca corresponde a duas vezes a de uma negra. No Brasil, enquanto mulheres brancas lutam para que seus salários -média de R$ 797,00- sejam equiparados aos salários dos homens brancos -média de R$ 1.278,00-, as mulheres negras recebem ainda menos -média de R$ 436,00- (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea ONU Mulheres, 4ª edição, 2011).

No âmbito educacional as feministas também reivindicaram pelo direito de poder estudar e conseguiram, embora durante muito tempo e em muitos casos esse acesso a educação fosse diferenciado e o ensino fosse segregado. Homens e mulheres aprendiam coisas diferentes, as mulheres deveriam ter dotes domésticos, culinários e de costura, enquanto que os homens eram educados a serem futuros engenheiros, cientistas etc. Muito depois da conquista desse direito que era executado de modo questionável e com a existência de certas barreiras, as mulheres negras ainda não tinham o mesmo acesso.

No Brasil, por exemplo, durante muito tempo, embora não houvesse um impedimento formal de acesso dos negros à educação, esta era acessível as classes mais abastadas da população, da qual os negros em sua maioria não faziam parte. Atualmente, políticas de inclusão vigoram e garantem acesso de alguns negros na universidade, mas ainda longe de ser o ideal. Em 2009 a taxa de escolarização das mulheres brancas era de 23,8 e a de mulheres negras 9,9 (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea ONU Mulheres, 4ª edição, 2011).

Outra reivindicação do movimento feminista que foi atendido oficialmente em documentos e tratados internacionais são os direitos reprodutivos, embora estes sejam amplamente violados em várias partes do mundo. 

De acordo com Ventura (2010) os Direitos Reprodutivos: “são constituídos por princípios e normas de direitos humanos que garantem o exercício individual, livre e responsável, da sexualidade e da reprodução humana. E, portanto, o direito subjetivo de toda pessoa decidir sobre o numero de filhos e os intervalos entre nascimentos, ter acesso aos meios necessários para o exercício livre de sua autonomia reprodutiva, sem sofrer discriminação, coerção, violência ou restrição de qualquer natureza”.

A outra fase do sexismo ligado ao racismo se mostra nesse caso quando ao mesmo tempo em que as mulheres brancas exigiam acesso a métodos contraceptivos e a legalização e regulamentação do aborto, mulheres negras lutavam contra a esterilização forçada em massa que tinha como intuito não deixa-las perpetuar a raça - realidade que atingiu e atinge mulheres de vários países.  No Brasil o objetivo era diminuir o contingente populacional de negros e pobres no País e até 1991, 62,9% das mulheres que procuravam utilizar algum método contraceptivo acabavam esterilizadas (ROLAND, 1995).

No que diz respeito ao aborto, as mulheres negras também constituem a parcela de maiores vítimas da ilegalidade, de acordo com o estudo (IPAS BRASIL E GRUPO CURUMIM). Devido as complicações geradas pelo procedimento feito de forma clandestina, as mulheres negras morrem em números altíssimos e quando sobrevivem são mais vulneráveis ao indiciamento criminal.

Logo, se há tanto por que as mulheres brancas precisam lutar, é bastante preocupante o fato de que as mulheres negras nem sequer conquistaram igualdade quando em comparação com outros indivíduos do seu próprio gênero. E esses são apenas alguns dos casos em que é possível constatar as disparidades enfrentadas por mulheres negras. Apurar essas desigualdades e evidenciar as dinâmicas de interação entre dois ou mais eixos de subordinação social são o primeiro passo para diminuir o abismo que muitas mulheres encontram pelo caminho devido sua classe, sua cor, sexualidade e/ou religião. Essas diversidades devem ser respeitadas em suas especificidades e amplamente abordadas no feminismo para que seja possível alcançar a equidade de gênero que tanto almeja-se.

Fontes:

 


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