Por Sofia Chanoski**
Maha Mamo é uma das mulheres fortes que estão no mundo lutando,
resistindo e fazendo a diferença. Hoje ela é brasileira, mas por 30 anos viveu
como apátrida. Isso significa que por 30 anos, Maha Mamo viveu sem
nacionalidade, sem documentos, sem nenhum registro da sua existência e sem
nenhuma via de garantia de direitos.
O
artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos é claro: todo ser humano
tem direito a uma nacionalidade. Sabe-se que entre os países do mundo existem dois
critérios para alguém ser considerado nacional: jus soli, aquele que é nascido no território em questão (esse
critério foi o escolhido pelo Brasil e pelos EUA, por exemplo), e jus sanguini, aquele que tem ascendentes
nacionais (é o caso da Itália). A nacionalidade pode ser algo banal para quem a
tem por direito desde o nascimento, mas sua importância merece ser ressaltada
afinal ela é o vínculo jurídico criado entre o Estado e o indivíduo. A partir
desse conceito que o Estado passa a se responsabilizar pelo indivíduo e a dever
facilitar o acesso deste a direitos. Além do mais, é através do reconhecimento
da nacionalidade que é possível a emissão de documentos, e, com esses, a
contratação de um serviço telefônico, abrir uma conta no banco, ir à escola,
entre muitas outras coisas citadas por Maha Mamo, em sua fala em um TEDx Talk
(evento independente no mesmo formato do TED Talks), onde, mais uma vez, contou
sua história e chamou a atenção do mundo para a causa dos apátridas.
Ela conta que no Líbano, país onde nasceu, o
critério para ser nacional é ter o pai libanês. Seu pai é sírio, e na Síria o
critério é ter nascido no país. Assim, ela não tinha direito a nenhuma nacionalidade
e, por causa disso, não podia realizar seu sonho de cursar Medicina, não podia se
tratar da urticária em um hospital, ir à balada com os amigos ou contratar um
seguro de saúde, pois absolutamente tudo exigia documentos de identificação.
“Ousarei sonhar?”, Maha Mamo disse no TEDx Talk, relembrando do tempo em que ela e os irmãos pensavam ser
os únicos nesta difícil situação.
Ela
enviou sua história para todas as embaixadas no Líbano e depois de muitas
respostas negativas, apenas uma positiva: o Brasil. Maha Mamo veio com os
irmãos para o país em 2014 com um visto humanitário concedido para refugiados
sírios e em 2016, com 28 anos, conseguiu seu primeiro documento de
identificação. Um mês depois disso, seu irmão, Edi, foi assassinado em uma
tentativa de assalto. Ele morreu como apátrida, um mês depois de ter sua
existência reconhecida pela primeira vez. Depois disso, Maha Mamo passou a se
envolver cada vez mais com a sua causa, a causa dos apátridas, através da
campanha “I Belong” (“Eu Pertenço”) da ACNUR (Agência da ONU para Refugiados).
Essa campanha tem por objetivo mobilizar os países na erradicação dos casos de
apatridia até 2024.
Em 2017 a
nova Lei de Migração (n° 13. 445/17) foi aprovada. Com ela os apátridas (incluindo
Maha Mamo e sua irmã) passam a ser reconhecidos no Brasil através de um instituto
protetivo especial e processo simplificado de naturalização. Em 28 de junho de
2018, Maha Mamo e sua irmã foram reconhecidas como apátridas, e em 4 de outubro
do mesmo ano elas foram reconhecidas como brasileiras. Hoje, a ACNUR estima que
existam mais de 12 milhões de apátridas no mundo. A luta de Maha Mamo e dessas
12 milhões de pessoas deve ser a de todos nós, a nacionalidade e o
pertencimento são direitos humanos que precisam ser defendidos e reivindicados.
**Sofia Chanoski é aluna de Direito no Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Ela faz parte do Grupo de Estudos "Direito Migratório: em Curitiba, no Brasil e no Mundo", ligado ao Curso de Relações Internacionais e coordenado pela Professora Michele Hastreiter.
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