A análise do filme “Hannah Arendt” fez parte da avaliação do Primeiro bimestre da disciplina de Introdução ao Estudo do Direito, ministrado pela Prof. Michele Hastreiter. O texto abaixo foi escolhido pela professora, dentre mais de 50 trabalhos recebidos, para a publicação no Blog.
Por Fernando A. Yazbek - acadêmico do Primeiro Período de Relações Internacionais
Por Fernando A. Yazbek - acadêmico do Primeiro Período de Relações Internacionais
A
ótima interpretação do ator Ben Kingsley no filme “A Operação Final“, dirigido
por Chris Weitz, serve muito bem como prólogo para o filme quase biográfico de
Hannah Arendt. O nazista Adolf Eichmann, trazido a forma por Kingslay, tem na
Argentina o Mossad – serviço secreto israelense – na sua cola. O longa trata de
todo o processo da captura do alemão pelos agentes secretos, entre eles Peter
Malkin, interpretado pelo ator Oscar Isaac, famoso pela filmografia de temática
judaica. “Operação final” já traz – de maneira mais velada que o filme sobre
Arendt – certo debate sobre a legitimidade do seqüestro e julgamento de
Eichmann por Israel.
“Hannah Arendt” começa com a
detenção de Eichmann em Buenos Aires e se desenrola pela intenção de Arendt,
àquela altura uma intelectual consagrada, de cobrir – para o jornal New Yorker – o julgamento em Jerusalém,
para onde o Mossad levara Eichmann.
Apesar de não empolgar pelos
diálogos ora despretensiosos, ora desgastantes e pela paleta de cores
exageradamente desbotada, o filme é equilibrado quando pretende não ser
necessariamente uma biografia – uma vez que trata de um período curto da vida
da filósofa – nem um documentário. Mesmo com imagens reais do julgamento de
Eichmann, Margarethe Von Trotta toma cuidados no enredo para não torná-lo uma
peça fundamentalmente jornalística.
Se em “Operação Final” pode-se
destacar a caracterização perfeita de Kingsley como Eichmann, a recíproca é
verdadeira quanto à semelhança que o filme de Arendt a retratou quando jovem no
papel de Freiderike Becht. Ela
aparece em “flashbacks” no decorrer do filme quando a judia Hannah tivera um
caso acadêmico e amoroso com seu professor (bem mais velho) e filósofo Martin
Heidegger, que viria a se juntar ao nacional-socialismo alemão.
A
trama pode ser analisada à luz do Direito pelo “quadrado amoroso” que se desenvolve
nos personagens de iniciais H: Hannah; Henrich (seu marido); Hans (um judeu
amigo de longa data) e Heidegger.
Na
comemoração de sua viagem ao Oriente Médio, Hannah e Henrich recebem uma porção
de amigos para celebrar o encargo que Arendt recebera do periódico
nova-iorquino. Entre eles estava Hans Jonas, judeu que fora soldado na Segunda
Guerra. E é aí que a introdução ao estudo do Direito tira uns “frames” para si.
Henrich
contesta veementemente o julgamento de Eichmann por Israel. Sua frase mais marcante
é de que não se pode julgar a história, mas apenas um homem. Israel não era nem
um Estado formalizado e reconhecido quando Eichmann teria cometidos seus
crimes. O marido de Arendt se mostra, portanto, um discípulo do ramo
positivista do Direito. Henrich fala da “mutabilidade” da legislação, isto é,
que Eichmann seguia a ordem estabelecida para determinados tempo e sociedade.
Ele exemplifica utilizando-se dos 10 mandamentos, em específico o quinto: o
original “não matarás” fora alterado para “matarás”.
Hans,
por outro lado, se mostra um verdadeiro jusnaturalista quando diz em todas as
letras que Israel tem o direito divino de julgar o nazista, uma vez que o jus
naturalismo se caracteriza por fundamentos religiosos de ordem universal e
imutável.
Além
dos embates filosóficos e teóricos, Henrich certa vez pessoaliza a discussão
com Hans – que odeia Heidegger – ao dizer que o asco do judeu pelo nazista se
devia mais em função do professor ter seduzido e namorado Hannah do que por
suas tendências fascistas.
Hannah
se estabelecera nos Estados Unidos quando ainda jovem e nunca tinha visto um
nazista de perto – que foi inclusive uma motivação para sua vontade de ir a
Jerusalém. Quando finalmente na Terra Santa, Arendt se espanta com a
simplicidade de Eichmann em seu modo de falar, de agir e de pensar. Era um
burocrata que, apesar de enviar um número enorme – embora incerto – de pessoas
para o abate, não via mal maior em
suas ações: apenas cumpria ordens. Por
nunca ter matado nenhum judeu diretamente e por ter tido relações amorosas com
uma judia, Eichmann se sentia isento de qualquer punição. E Arendt, ao não
retratá-lo como um monstro sanguinário bem como a propaganda e o senso-comum o
imaginavam, foi humilhada por parentes, colegas acadêmicos e amigos.
Muito
embora houvesse espaço para um drama pessoal, o filme mostra uma Hannah
determinada e combativa de suas idéias que chocaram a comunidade judaica – a
qual pertencia – e que a escorraçou.
Hannah
Arendt foi uma mulher inteligentíssima, mas acima de tudo corajosa. E isto está
posto tanto na História quanto no filme.
Foi preciso muito peito para afirmar – ainda mais no contexto de recém
superação no nazismo – que líderes judeus não foram exatamente resistentes ao
extermínio de seu povo. Ficaram, segundo ela, numa linha entre a resistência e
a cooperação. De mais bravura que dizê-lo foi publicá-lo na mídia e academia
liberais, burguesas e de grande presença judia de Nova Iorque.
Do julgamento de Eichmann, Arendt escreveu
seu livro “A Banalidade do Mal”, que postula juntamente com “Origens do
Totalitarismo” na mesma alta prateleira de obras para se entender o século
vinte e um. Por ir de encontro com o pensamento “mainstream” da propaganda
sionista e ocidental, o livro foi ameaçado de censura em Israel.
Censura por si só não configura um estado
de exceção, ou totalitário ou quiçá fascista. Mas em nada contribui para o
processo civilizatório.
O filme que não tem lá suas atrações
cinematográficas se justifica pela importância histórica de Arendt, da
superação do positivismo jurídico pelo nazismo e da obsolescência histórica e
racional do jusnaturalismo. Não é o filme ideal para uma sessão da tarde, mas
não deixa de ser importante acadêmica e pessoalmente.
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