quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Seção Relações Internacionais em Destaque: O poder está nas mãos de quem: dos Estados ou das Empresas?

Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais I, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.



Por: * Caroline Dalcomuni Moura


A soberania dos Estados e o seu papel como protagonista nas Relações Internacionais  consolidou-se com o fim da Guerra dos 30 anos e a celebração da Paz de Westfália em 1648. Além dos fatos históricos, o Direito Internacional Público é outra ramificação que encontramos dentro das relações internacionais e que reafirma aos Estados o papel de ator principal ao caracterizá-los como sujeitos condicionados à posição de detentores de direitos e deveres na comunidade internacional. Por muito tempo, acreditou-se que os Estados sempre atuariam no sistema interno e externo de forma unitária e que demais sujeitos, no caso os não-estatais, estariam submetidos a sua jurisdição. No entanto, com a série de eventos e atos que sucederam o século XVII, além do surgimento de novos temas de foco universal, que transcenderam as questões relativas a paz e guerra, colocou-se em discussão a autonomia absoluta do Estado no que se refere a suas ações e comportamento no âmbito nacional e internacional mediante a esses temas.
O Estado, desde sua criação, buscou sempre manter-se seguro, o que deu a segurança e a paz interna o foco  principal que regia suas ações nos séculos passados até a Guerra-fria. Contudo, as relações sociais e de trabalho foram o fator propulsor que atentaram quanto a necessidade de um desenvolvimento e avanço de determinada sociedade, e que por consequência, atentou para outras questões de caráter político e filosófico. A partir desse momento, iniciou-se um processo o qual ainda está em andamento: a globalização.
Foi esse o nome atribuído ao fenômeno que consiste em uma multidimensionalidade que ultrapassa as barreiras internas. O marco de seu início, considerado por muitos autores  e teóricos das ciências sociais, foi o final do século XX e início do século XXI, período no qual ocorreu as duas grandes revoluções industriais que trouxeram consigo inúmeras descobertas inovadoras que contribuíram mundialmente com o desenvolvimento e avanço dos Estados. Porém, existem pensamentos contrários que defendem a ideia de que, o verdadeiro início da globalização se deu desde as descobertas marítimas. Esse último pensamento não é de se descartar, uma vez que, as grandes navegações significaram a expansão além do mar de alguns países, potências da época, na busca de mão-de-obra, matéria-prima, mercado consumidor entre outros fatores que resultassem no fortalecimento econômico.       
Segundo Sarfati (2005) “a tendência histórica da aproximação dos povos no mundo sempre foi estimulada pelo processo de descobertas e desenvolvimento tecnológico.”
De fato, o aspecto econômico pode ser considerado o centro do processo da globalização, porém, a sua importância não se dá somente devido a queda das barreiras econômicas e sim na facilitação da aproximação por meio da troca de informações entre pessoas do mundo todo, à medida em que a tecnologia exime a problemática da distância global, permitindo-nos comunicar de forma rápida e instantânea com qualquer parte do globo. E esse fenômeno, observado do ponto relativo as relações humanas, envolve também outros aspectos como a cultura, meio ambiente, educação, etc.
Apresentado o processo de globalização, seus objetivos, além da sua influência no curso da história da formação e atuação dos Estados, chegamos à questão: Que relação podemos estabelecer entre a globalização e as relações dos Estados no século atual? Há diversas vertentes que procuram responder a essa questão, no entanto, vamos nos ater a divisão feita por Alice Landau que consiste entre os otimistas e os pessimistas.
Inicialmente, Landau vai criticar a definição dada por algumas correntes que abordam somente os benefícios do processo de globalização, não dando foco as suas problemáticas de uma maneira aprofundada. Para ela, têm os otimistas que são aqueles que supervalorizam as oportunidades, liberdade e prosperidade que a globalização traz a todo o mundo. A capacidade de cada país permitirá que ele aproveite as chances internacionais. Nesse sentido, a razão da globalização é a economia voltada para a competição entre os mercados internacionais, processo econômico esse que não é algo contemporâneo e sim, como já vimos, algo de longa data. Por isso, a visão otimista conclui-se com o conceito de que, no que se refere a globalização, essa promove um grande nível de internacionalização provocado principalmente pelo comércio, fluxo de bens, capitais e investimentos entre os países.
Internacionalização é o nome atual dado àquela tendência, comentada por Sarfati, da aproximação entre os povos no mundo, e que agora se efetiva por intermédio do comércio, disputa e cooperação realizado entre atores intergovernamentais (mercado). Sendo assim, politica e economicamente, a globalização vem reduzindo o espaço dos países nas relações internacionais, de maneira a descaracterizar seu papel como ator primário, algo antes nunca cogitado. Os Estados passam agora a ter que dividir seu espaço nacional com os novos agentes econômicos não-estatais de caráter transnacional, e que ao contrário do que diz o Direito Internacional Público, não se encontram sobre a jurisdição da comunidade internacional. Vale ressaltar, que a função do Estado ainda possui relevância no que tange o domínio político e militar.
Não há de se ignorar que a capacidade do Estado em fazer garantir seus próprios interesses e objetivos no sistema internacional não permanece a mesma que antigamente. Esses não são mais tidos como a fonte principal destinada a planejar, coordenar e implementar medidas que solucionem os problemas complexos do novo sistema interno e externo, ao invés disso, tem de aprender a lidar com os novos atores cuja capacidade econômica e social, tecnológica, de segurança e produtiva vem superando a suas, contando com que temáticas como doenças, finanças internacionais, desenvolvimento social, .entre outras que passaram a ser resolvidas pelas grandes indústrias donas de tecnologia e  bens de consumo e serviço.
A outra parte da divisão que Alice Landau faz se refere aos pessimistas que basicamente irão colocar o processo de globalização como algo que desafia a autoridade dos Estados, seu território e soberania, além de provocar uma divisão entre ganhadores e perdedores, esse último representado por àqueles que hoje se encontram em um estado de miséria, ao viver com menos de 1,00 USD por dia. Dentro desse grupo encontra-se a estudiosa, Susan Strange, a qual crítica: “(...) o sistema financeiro internacional mais parece um grande cassino do que um local que cumpre uma importante função social.”
É nesse contexto de globalização que tem se acentuado a quantidade da população miserável no mundo todo e o surgimento de uma pequena elite, residentes em países desenvolvidos e que se beneficiam das extinção das barreiras econômicas, bem como a flexibilização da legislação interna, que agora passam a facilitar a atividade das grandes empresas e que acabam angariando um maior espaço de atuação e menores restrições e deveres.
De acordo com o capítulo 4 da parte 1 do livro International Political Economy de Jeffry A. Frieden e David A. Lake:

“Susan Strange argumenta que as mudanças na economia internacional tem alterado o relacionamento entre estados e corporações multinacionais e tem promovido novas formas de diplomacia na arena internacional. Destacando a crucial importância dos fatores econômicos internacionais, Strange aponta como tais tendências no mundo todo como desenvolvimento tecnológico, a crescente mobilidade de capital, e o decrescente custos de comunicação e transportação levaram números crescentes de empresas a planejar suas atividades sobre uma base global. Isto tem aumentado a competição entre os estados e como eles estimulam as empresas a se instalar no seus territórios. O Meio ambiente econômico internacional no qual todos os estados operam tem sido fundamentalmente transformado, e governos estão sendo obrigados a adaptar a esta nova realidade”.

Susan expõe em sua abordagem que aparentemente muitos desenvolvimentos não relacionados no mundo politico e no mundo dos negócios mas que possuem origem em comum,  são o resultado em grande parte da mudança estrutural no mundo econômico e social.  Outra consequência dessa mudança, é a alteração fundamental na natureza da diplomacia. Governos, além de negociarem entre si, passam a ter que negociar com as empresas e multinacionais, e essas, passam a negociar com os governos e umas com as outras. Isso, segundo Susan, é denominada de diplomacia triangular. E outro aspecto pontuado por ela, é a relevância dessas empresas como atores, influenciando o rumo futuro das relações internacionais, inclusive no que se refere aos seus estudos.
Contudo, antes de explanar melhor o trabalho de Susan Strange, precisamos ainda compreender dois novos conceitos e suas aplicações nas teorias das RIs.  O extenso debate teórico a respeito da globalização nos leva a uma outra questão que pode nos fazer entender o fenômeno, dentro das relações internacionais, que explica a forma de atuação desses novos atores antes não tidos como sujeitos de direito internacional, mas que tem seu poderio aumentado a medida em que a abrangência das suas capacidades superam àquelas que o Estado consegue suprir, chamado: Governança sem governo.
Para entender esse novo conceito, num primeiro momento, faz-se necessário entendê-lo separadamente. A ideia de governo se resume em um conjunto de atividades dirigidas por uma autoridade formalmente designada. Já a definição de governança consiste nas atividades sustentadas por um objetivo comum e que podem ou não ser provenientes de responsabilidades formais não dependendo de uma autoridade que coordene tais atividades. Governança é um aspecto mais amplo que governo, pois envolve a presença de instituições governamentais e mecanismos informais, não- governamentais.
Essa diferenciação entre conceitos nos faz voltar a definição da expressão: governança sem governo. Ou seja, a existência de uma ordem sem uma autoridade formal, capaz de tomar decisões a nível global. Ou, segundo Susan, o poder de realizar suas decisões com base em quatro necessidades básicas - segurança, conhecimento, produção de bens e serviços, e provisão de crédito e dinheiro. Além das transnacionais, cujo é o autor foco do presente texto, não podemos esquecer  outros exemplos de governanças sem que haja um governo, e que hoje é mais conhecido como regimes internacionais, como por exemplo Bretton Woods, destinado às finanças internacionais; o Salt, sobre armamentos. A União Europeia (UE) pode ser considerada um exemplo atual e vigente de governança sem governo, vulgo regimes internacionais.
Faz-se menção também ao cientista político Joseph Nye, co-fundador da teoria da interdependência, que correlaciona ambos os temas, ou seja, Nye faz a interessante abordagem do crescimento da interdependência em detrimento do papel dos Estados, que muitos ainda consideram como central.  Contudo, instituições, como organismos governamentais, tais como a OMC, vem aumentando seu poder decisório na governança global. O cientista politico, dá cinco respostas por ele identificadas e que são dadas pelos Estados contemporâneos, nas quais encontramos três em especial pertinentes a governança sem governo: Cooperação multilateral em nível global, formando regimes internacionais para governar a globalização; Cooperação transnacional e transgovernamental - envolvendo a sociedade civil - para governar a globalização de formas que não envolvam uma ação coerente do Estado; e a Cooperação regional para aumenta a efetividade das políticas. Portanto, a cooperação presente nas governanças sem governo, no contexto da globalização, é o que tem dado efetividade as suas políticas e o que os Estados devem buscar, sendo que àqueles que insistem em promover políticas unilaterais correm o risco de sofrerem impactos, principalmente no que tange a economia nacional.
É exatamente essa vertente econômica que Strange utiliza para explicar sua análise  a respeito do estudo sobre as Relações Econômicas Internacionais. Tendo como foco principal do presente texto a atuação dos atores não-governamentais, sua abordagem sobre a importância desses na mudança da estrutura - como a alteração de governos autoritários em democrático e com uma economia mais flexível - e comportamento dos Estados nas Relações Internacionais  é de suma importância, sendo definido por Susan dois tipos de respostas comportamentais por parte dos Estados: a cooperativa e a defensiva.
A resposta cooperativa consiste na constante expansão econômica internacional e organização. No entanto, o governo deve atentar para os objetivos legítimos, o que nem sempre são. Dessa forma, a criação de meios que possibilitem a coexistência no mesmo sistema econômico entre esse processo de expansão sem que o próprio governo venha a perder algum benefício. Já a defensiva, segue a lógica da necessidade de os Estados aumentarem sua preocupação, bem como, sua atenção ao bem estar interno, inclusive os bem-estar econômico, adotando medidas de precaução contra possíveis ameaças externas. 
Em sua visão, a britânica, principal figura responsável pelo início do estudo e desenvolvimento das Relações Econômicas Internacionais,  considera a tecnologia a grande propulsora das mudanças estruturais na economia mundial. Dessa forma, os atores não-estatais, no caso a empresas transnacionais (ETNs), que possuem o controle das pesquisas tecnológicas acabam por ter seu valor econômico aumentado, ao mesmo tempo em que os Estados vão tendo seu poder decisório reduzido  no que trata de suas relações econômicas.
A sua definição sobre poder, que está relacionada ao fato de um indivíduo, ou um grupo de indivíduos afetar resultados em que suas preferências se sobreponham a preferência de outros.  Nesse caso, Susan estende essa ideia de poder aos atores não-governamentais, que conseguem realizar uma pressão na Organização Mundial do Comércio para a aprovação de normas e mecanismos que sejam de seus interesses, podendo ser consideradas mais poderosas, como por exemplo as transnacionais Phillip Morris e Vodafone,  que dados Estados que possam se opor aos seus objetivos. São fatos como esses que ela irá dizer que o Estados devem reconhecer a perca de seu papel central nas relações exteriores, uma vez que o houve um declínio de sua autonomia em relação ao poder disperso das instituições e organismos regionais. A parti daí, Susan expressa a tese fundamental de seu trabalho sobre o poder dos atores não-estatais dentro dos regimes internacionais, onde irá afirmar que são as forças do mercado, coordenadas pelas empresas privadas, na indústria e comércio que geram a diminuição tradicional do poder do Estado, pelo fato de essas possuírem dois fatores fundamentais: a tecnologia e as finanças.
Assim sendo, do ponto de vista das ciências sociais e histórico, a atuação central do Estado como o grande regulador das atividades econômicas, sociais, políticas sempre buscou ser mantida. No entanto, com o pós-Segunda Guerra Mundial, já podemos notar o denso desenvolvimento das indústrias e, em contrapartida, o diluimento da autonomia estatal, a medida que, hoje a diferenciação entre política externa e interna torna-se cada vez mais difícil, já que os Estados agora passam a ter de alterar seu comportamento e objetivos para adaptar suas políticas  aos interesses das grandes transnacionais, que acabam por fortalecer sua governança a cada dia, as transformando em definitivos atores das Relações Internacionais, já não indiretamente, mas como verdadeiros sujeitos detentores de políticas externas em relação a sociedade, demais empresas, Estados, etc. 

Referências
Sarfati, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.

Frieden, Jeffry. Lake, David. International Political Economy, cap 4, parte 1, pág. 60-67. Routledge, 2003.

Strange, Susan. International Economics and International Relations: A case of mutual neglect, pág 305-306. Blackwell Publishing, 1970.

* Caroline Dalcomuni Moura é acadêmica do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.

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