Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais I, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
Por: * Caroline Dalcomuni Moura
A soberania dos Estados e o
seu papel como protagonista nas Relações Internacionais consolidou-se com o fim da Guerra dos 30 anos
e a celebração da Paz de Westfália em 1648. Além dos fatos históricos, o
Direito Internacional Público é outra ramificação que encontramos dentro das
relações internacionais e que reafirma aos Estados o papel de ator principal ao
caracterizá-los como sujeitos condicionados à posição de detentores de direitos
e deveres na comunidade internacional. Por muito tempo, acreditou-se que os
Estados sempre atuariam no sistema interno e externo de forma unitária e que
demais sujeitos, no caso os não-estatais, estariam submetidos a sua jurisdição.
No entanto, com a série de eventos e atos que sucederam o século XVII, além do
surgimento de novos temas de foco universal, que transcenderam as questões
relativas a paz e guerra, colocou-se em discussão a autonomia absoluta do
Estado no que se refere a suas ações e comportamento no âmbito nacional e
internacional mediante a esses temas.
O Estado, desde sua criação,
buscou sempre manter-se seguro, o que deu a segurança e a paz interna o
foco principal que regia suas ações nos
séculos passados até a Guerra-fria. Contudo, as relações sociais e de trabalho
foram o fator propulsor que atentaram quanto a necessidade de um desenvolvimento
e avanço de determinada sociedade, e que por consequência, atentou para outras
questões de caráter político e filosófico. A partir desse momento, iniciou-se
um processo o qual ainda está em andamento: a globalização.
Foi esse o nome atribuído ao fenômeno que consiste em uma multidimensionalidade
que ultrapassa as barreiras internas. O marco de seu início, considerado por
muitos autores e teóricos das ciências
sociais, foi o final do século XX e início do século XXI, período no qual
ocorreu as duas grandes revoluções industriais que trouxeram consigo inúmeras
descobertas inovadoras que contribuíram mundialmente com o desenvolvimento e
avanço dos Estados. Porém, existem pensamentos contrários que defendem a ideia
de que, o verdadeiro início da globalização se deu desde as descobertas marítimas.
Esse último pensamento não é de se descartar, uma vez que, as grandes
navegações significaram a expansão além do mar de alguns países, potências da
época, na busca de mão-de-obra, matéria-prima, mercado consumidor entre outros
fatores que resultassem no fortalecimento econômico.
Segundo Sarfati (2005) “a tendência histórica da aproximação dos povos
no mundo sempre foi estimulada pelo processo de descobertas e desenvolvimento
tecnológico.”
De fato, o aspecto econômico pode ser considerado o centro do processo
da globalização, porém, a sua importância não se dá somente devido a queda das
barreiras econômicas e sim na facilitação da aproximação por meio da troca de
informações entre pessoas do mundo todo, à medida em que a tecnologia exime a
problemática da distância global, permitindo-nos comunicar de forma rápida e
instantânea com qualquer parte do globo. E esse fenômeno, observado do ponto
relativo as relações humanas, envolve também outros aspectos como a cultura,
meio ambiente, educação, etc.
Apresentado o processo de globalização, seus objetivos, além da sua
influência no curso da história da formação e atuação dos Estados, chegamos à
questão: Que relação podemos estabelecer entre a globalização e as relações dos
Estados no século atual? Há diversas vertentes que procuram responder a essa
questão, no entanto, vamos nos ater a divisão feita por Alice Landau que
consiste entre os otimistas e os pessimistas.
Inicialmente, Landau vai criticar a definição dada por algumas correntes
que abordam somente os benefícios do processo de globalização, não dando foco
as suas problemáticas de uma maneira aprofundada. Para ela, têm os otimistas
que são aqueles que supervalorizam as oportunidades, liberdade e prosperidade
que a globalização traz a todo o mundo. A capacidade de cada país permitirá que
ele aproveite as chances internacionais. Nesse sentido, a razão da globalização
é a economia voltada para a competição entre os mercados internacionais,
processo econômico esse que não é algo contemporâneo e sim, como já vimos, algo
de longa data. Por isso, a visão otimista conclui-se com o conceito de que, no
que se refere a globalização, essa promove um grande nível de
internacionalização provocado principalmente pelo comércio, fluxo de bens,
capitais e investimentos entre os países.
Internacionalização é o nome atual dado àquela tendência, comentada por
Sarfati, da aproximação entre os povos no mundo, e que agora se efetiva por
intermédio do comércio, disputa e cooperação realizado entre atores
intergovernamentais (mercado). Sendo assim, politica e economicamente, a
globalização vem reduzindo o espaço dos países nas relações internacionais, de
maneira a descaracterizar seu papel como ator primário, algo antes nunca
cogitado. Os Estados passam agora a ter que dividir seu espaço nacional com os
novos agentes econômicos não-estatais de caráter transnacional, e que ao
contrário do que diz o Direito Internacional Público, não se encontram sobre a
jurisdição da comunidade internacional. Vale ressaltar, que a função do Estado
ainda possui relevância no que tange o domínio político e militar.
Não há de se ignorar que a capacidade do Estado em fazer garantir seus
próprios interesses e objetivos no sistema internacional não permanece a mesma
que antigamente. Esses não são mais tidos como a fonte principal destinada a
planejar, coordenar e implementar medidas que solucionem os problemas complexos
do novo sistema interno e externo, ao invés disso, tem de aprender a lidar com
os novos atores cuja capacidade econômica e social, tecnológica, de segurança e
produtiva vem superando a suas, contando com que temáticas como doenças, finanças
internacionais, desenvolvimento social, .entre outras que passaram a ser
resolvidas pelas grandes indústrias donas de tecnologia e bens de consumo e serviço.
A outra parte da divisão que Alice Landau faz se refere aos pessimistas
que basicamente irão colocar o processo de globalização como algo que
desafia a autoridade dos Estados, seu território e soberania, além de provocar
uma divisão entre ganhadores e perdedores, esse último representado por àqueles
que hoje se encontram em um estado de miséria, ao viver com menos de 1,00 USD
por dia. Dentro desse grupo encontra-se a estudiosa, Susan Strange, a qual
crítica: “(...) o sistema financeiro internacional mais parece um grande
cassino do que um local que cumpre uma importante função social.”
É nesse contexto de globalização que tem se acentuado a quantidade da
população miserável no mundo todo e o surgimento de uma pequena elite,
residentes em países desenvolvidos e que se beneficiam das extinção das
barreiras econômicas, bem como a flexibilização da legislação interna, que
agora passam a facilitar a atividade das grandes empresas e que acabam
angariando um maior espaço de atuação e menores restrições e deveres.
De acordo com o capítulo 4 da parte 1 do livro International
Political Economy de Jeffry A. Frieden e David A. Lake:
“Susan
Strange argumenta que as mudanças na economia internacional tem alterado o
relacionamento entre estados e corporações multinacionais e tem promovido novas
formas de diplomacia na arena internacional. Destacando a crucial importância
dos fatores econômicos internacionais, Strange aponta como tais tendências no
mundo todo como desenvolvimento tecnológico, a crescente mobilidade de capital,
e o decrescente custos de comunicação e transportação levaram números
crescentes de empresas a planejar suas atividades sobre uma base global. Isto
tem aumentado a competição entre os estados e como eles estimulam as empresas a
se instalar no seus territórios. O Meio ambiente econômico internacional no
qual todos os estados operam tem sido fundamentalmente transformado, e governos
estão sendo obrigados a adaptar a esta nova realidade”.
Susan expõe em sua abordagem
que aparentemente muitos desenvolvimentos não relacionados no mundo politico e
no mundo dos negócios mas que possuem origem em comum, são o resultado em grande parte da mudança
estrutural no mundo econômico e social.
Outra consequência dessa mudança, é a alteração fundamental na natureza
da diplomacia. Governos, além de negociarem entre si, passam a ter que negociar
com as empresas e multinacionais, e essas, passam a negociar com os governos e
umas com as outras. Isso, segundo Susan, é denominada de diplomacia triangular.
E outro aspecto pontuado por ela, é a relevância dessas empresas como atores,
influenciando o rumo futuro das relações internacionais, inclusive no que se
refere aos seus estudos.
Contudo, antes de explanar
melhor o trabalho de Susan Strange, precisamos ainda compreender dois novos
conceitos e suas aplicações nas teorias das RIs. O extenso debate teórico a respeito da
globalização nos leva a uma outra questão que pode nos fazer entender o
fenômeno, dentro das relações internacionais, que explica a forma de atuação
desses novos atores antes não tidos como sujeitos de direito internacional, mas
que tem seu poderio aumentado a medida em que a abrangência das suas
capacidades superam àquelas que o Estado consegue suprir, chamado: Governança
sem governo.
Para entender esse novo conceito, num primeiro momento, faz-se
necessário entendê-lo separadamente. A ideia de governo se resume em um
conjunto de atividades dirigidas por uma autoridade formalmente designada. Já a
definição de governança consiste nas atividades sustentadas por um objetivo
comum e que podem ou não ser provenientes de responsabilidades formais não
dependendo de uma autoridade que coordene tais atividades. Governança é um
aspecto mais amplo que governo, pois envolve a presença de instituições
governamentais e mecanismos informais, não- governamentais.
Essa diferenciação entre conceitos nos faz voltar a definição da
expressão: governança sem governo. Ou seja, a existência de uma ordem
sem uma autoridade formal, capaz de tomar decisões a nível global. Ou, segundo
Susan, o poder de realizar suas decisões com base em quatro necessidades básicas
- segurança, conhecimento, produção de bens e serviços, e provisão de crédito e
dinheiro. Além das transnacionais, cujo é o autor foco do presente texto, não
podemos esquecer outros exemplos de
governanças sem que haja um governo, e que hoje é mais conhecido como regimes
internacionais, como por exemplo Bretton Woods, destinado às finanças
internacionais; o Salt, sobre armamentos. A União Europeia (UE) pode ser
considerada um exemplo atual e vigente de governança sem governo, vulgo regimes
internacionais.
Faz-se menção também ao cientista político Joseph Nye, co-fundador da
teoria da interdependência, que correlaciona ambos os temas, ou seja, Nye faz a
interessante abordagem do crescimento da interdependência em detrimento do
papel dos Estados, que muitos ainda consideram como central. Contudo, instituições, como organismos
governamentais, tais como a OMC, vem aumentando seu poder decisório na
governança global. O cientista politico, dá cinco respostas por ele identificadas
e que são dadas pelos Estados contemporâneos, nas quais encontramos três em
especial pertinentes a governança sem governo: Cooperação multilateral em nível
global, formando regimes internacionais para governar a globalização;
Cooperação transnacional e transgovernamental - envolvendo a sociedade civil -
para governar a globalização de formas que não envolvam uma ação coerente do
Estado; e a Cooperação regional para aumenta a efetividade das políticas.
Portanto, a cooperação presente nas governanças sem governo, no contexto da
globalização, é o que tem dado efetividade as suas políticas e o que os Estados
devem buscar, sendo que àqueles que insistem em promover políticas unilaterais
correm o risco de sofrerem impactos, principalmente no que tange a economia
nacional.
É exatamente essa vertente econômica que Strange utiliza para explicar
sua análise a respeito do estudo sobre
as Relações Econômicas Internacionais. Tendo como foco principal do presente
texto a atuação dos atores não-governamentais, sua abordagem sobre a
importância desses na mudança da estrutura - como a alteração de governos
autoritários em democrático e com uma economia mais flexível - e comportamento
dos Estados nas Relações Internacionais
é de suma importância, sendo definido por Susan dois tipos de respostas
comportamentais por parte dos Estados: a cooperativa e a defensiva.
A resposta cooperativa consiste na constante expansão econômica
internacional e organização. No entanto, o governo deve atentar para os
objetivos legítimos, o que nem sempre são. Dessa forma, a criação de meios que
possibilitem a coexistência no mesmo sistema econômico entre esse processo de
expansão sem que o próprio governo venha a perder algum benefício. Já a
defensiva, segue a lógica da necessidade de os Estados aumentarem sua
preocupação, bem como, sua atenção ao bem estar interno, inclusive os bem-estar
econômico, adotando medidas de precaução contra possíveis ameaças
externas.
Em sua visão, a britânica, principal figura responsável pelo início do
estudo e desenvolvimento das Relações Econômicas Internacionais, considera a tecnologia a grande propulsora
das mudanças estruturais na economia mundial. Dessa forma, os atores
não-estatais, no caso a empresas transnacionais (ETNs), que possuem o controle das
pesquisas tecnológicas acabam por ter seu valor econômico aumentado, ao mesmo
tempo em que os Estados vão tendo seu poder decisório reduzido no que trata de suas relações econômicas.
A sua definição sobre poder, que está relacionada ao fato de um
indivíduo, ou um grupo de indivíduos afetar resultados em que suas preferências
se sobreponham a preferência de outros.
Nesse caso, Susan estende essa ideia de poder aos atores
não-governamentais, que conseguem realizar uma pressão na Organização Mundial
do Comércio para a aprovação de normas e mecanismos que sejam de seus
interesses, podendo ser consideradas mais poderosas, como por exemplo as
transnacionais Phillip Morris e Vodafone,
que dados Estados que possam se opor aos seus objetivos. São fatos como
esses que ela irá dizer que o Estados devem reconhecer a perca de seu papel
central nas relações exteriores, uma vez que o houve um declínio de sua
autonomia em relação ao poder disperso das instituições e organismos regionais.
A parti daí, Susan expressa a tese fundamental de seu trabalho sobre o poder
dos atores não-estatais dentro dos regimes internacionais, onde irá afirmar que
são as forças do mercado, coordenadas pelas empresas privadas, na indústria e
comércio que geram a diminuição tradicional do poder do Estado, pelo fato de
essas possuírem dois fatores fundamentais: a tecnologia e as finanças.
Assim sendo, do ponto de vista das ciências sociais e histórico, a
atuação central do Estado como o grande regulador das atividades econômicas,
sociais, políticas sempre buscou ser mantida. No entanto, com o pós-Segunda
Guerra Mundial, já podemos notar o denso desenvolvimento das indústrias e, em
contrapartida, o diluimento da autonomia estatal, a medida que, hoje a
diferenciação entre política externa e interna torna-se cada vez mais difícil,
já que os Estados agora passam a ter de alterar seu comportamento e objetivos
para adaptar suas políticas aos
interesses das grandes transnacionais, que acabam por fortalecer sua governança
a cada dia, as transformando em definitivos atores das Relações Internacionais,
já não indiretamente, mas como verdadeiros sujeitos detentores de políticas
externas em relação a sociedade, demais empresas, Estados, etc.
Referências
Sarfati, Gilberto. Teoria das Relações
Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.
Frieden, Jeffry. Lake, David. International
Political Economy, cap 4, parte 1, pág. 60-67. Routledge, 2003.
Strange, Susan. International Economics and International Relations: A case of mutual neglect, pág 305-306. Blackwell Publishing, 1970.
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