quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Seção Relações Internacionais em Destaque:Anexação da Crimeia pela Rússia: uma análise que utiliza a teoria da interdependência complexa

Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais I, ministrado pela Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. 



Por: * Camila Collette Piai Ersina

Resumo

O conflito entre Ucrânia, Rússia, União Europeia e Estados Unidos, do início de 2014, em razão da anexação da península da Crimeia foi um tema muito debatido não somente nos noticiários, mas também no meio acadêmico. O objetivo deste artigo é analisar a crise ucraniana a partir de um viés econômico, utilizando a teoria da interdependência complexa a fim de explicar a dinâmica e o cenário político e econômico internacional. A princípio, busca-se compreender a crise contextualizando quais fatores levaram à ela, em seguida analisam-se as consequências internacionais e por fim constata-se em que situação cada ator se encontra e suas decisões em potencial.

Entendendo o conflito

A Crimeia é uma província semiautônoma localizada ao sul da Ucrânia e situada na península da Crimeia, ela encontra-se às margens do Mar Negro. Diferentemente do modo como foi noticiado no Brasil e no Ocidente, mostrando que o imbróglio da Crimeia foi fundamentalmente devido à causas étnicas, sua posição geográfica atribui um alto valor estratégico, geopoliticamente falando, pois a região viabiliza a saída para o mar e isso tem grande importância para níveis militares e econômicos para o Kremlin, pois facilita o controle do canal que liga o Mar Negro ao Mar Arzov.

No entanto no âmbito sistêmico, a localização da Crimeia é insuficiente para explicar o conflito como um todo. Para que haja uma compreensão mais abrangente, é necessário analisar a crise e seus desdobramentos políticos e econômicos.

Outro fator usado para justificar a anexação da Crimeia é que a maioria dos habitantes da península é de etnia russa, cerca de 95%, e isto é amparo pelo direito internacional devido a autodeterminação dos povos.

Em março de 2014 a população local votou num referendo consentindo com a anexação de seu territorio. Após o plebiscito a Crimeia declara-se independente e pede a anexação ao Kremlin, este que por sua vez agiliza o processo. Isso gerou uma crise internacional envolvendo a União Europeia, Estados Unidos, Ucrânia e Rússia.

Em decorrência disso as potências do Ocidente (UE e EUA), que não reconheceram a anexação, responderam à isso impondo medidas com sanções contra a Rússia e a Ucrânia fez o mesmo com a Crimeia.

As sanções:Importações da China para a União Europeia foram banidasInvestimentos de companhias europeias na Crimeia foram banidos; Exportações para a Crimeia de produtos ou tecnologias relacionadas ao setor a transporte, telecomunicação e/ou setor de energia ou de exploração de petróleo, gás natural e recursos minerais foram banidas; Serviço de turismo da União Europeia na Crimeia foi banido.

A Crimeia enfrenta um bloqueio estabelecido pela Ucrânia, a qual teve suas fronteiras fechadas impossibilitando a entrada de suprimentos na península. E ainda grandes empresas americanas já deixaram o território, como Mc Donald e Apple, além de Visa e Mastercad.

Desde a anexação, o turismo caiu consideravelmente na Crimeia, a estimativa é de que apenas um terço das camas de hotéis na península foram ocupadas durante o ano de 2014. Esperava-se que os sintomas dessas ações punitivas impostas à Rússia provocassem uma recessão da economia no mesmo ano, por outro lado os mesmos efeitos serão sentidos pela população civil no longo prazo e isso se explica devido a existência de uma forte relação de interdependência complexa entre Rússia e União Europeia.
S
obre a interdependência complexa: uma breve explanação

Globalização e interdependência econômica refere-se sobretudo a integração e ao aprofundamento da cooperação entre várias economias do globo, isso somado a flexibilização na mobilidade do capital e do trabalho.

Essa integração leva ao surgimento natural de blocos econômicos, ou regiões mais interligadas. Já os Estados buscam agir com mais cautela em relação à estruturação e condução de suas políticas econômicas internas e suas estratégias para a política externa, visto que essas ações provocarão repercussão nos setores econômico e comercial.

Para autores da escola neoliberal, como Robert Keohane e Joseph Nye, existe em curso um grau de interdependência acentuado pelo fenômeno da globalização, que tem como base de análise o Estado, sendo este o principal decisor e ator na arena internacional.

Verifica-se que esse é um caso de estudo baseado na análise da vontade dos Estados de garantir sua sobrevivência e segurança, todavia acredita-se que há espaço no meio internacional para a existência de cooperação entre os Estados, mormente num plano econômico, social e principalmente político. Podendo, desse modo, desencadear vultosas mudanças no plano da política internacional, assim como verificado no cado da Revolução da Ucrânia de fevereiro de 2014 e o que o fenômeno da interdependência desencadeou.

Num mundo onde os atores, os temas de interesse e os fluxos econômicos proliferam e se diversificam, acaba acontecendo cada vez menos a utilização do uso da força entre os Estados soberanos, dessa forma constata-se que nações que dependem umas das outras tendem a evitar entrar em conflito armado graças à ideia de que "a guerra é ruim para os negócios" (NYE, 2009, p. 264). Isso atesta a visão neoliberal de que o estreitamento de laços entre ambos evitou o confronto armado entre União Europeia e Rússia.

Analise do o conflito a partir da interdependência complexa

A Rússia tem os maiores recursos de petróleo, gás natural e carvão, e segundo o relatório anual da EIA (Agencia Internacional de Energia), de 2013, é segundo maior produtor de petróleo a nível mundial, porém precisa de investimento intermitente em tecnologia para manter os níveis de produção e a sustentabilidade.

O setor energético é muito importante para a Rússia. Mesmo que o Kremlin tenha adotado uma postura inabalável, sabia-se que se ocorresse uma interrupção nos investimentos, isso faria com que a manutenção do setor se tornasse insustentável a longo prazo, pois se esse investimento falhasse até mesmo a segurança energética da própria Rússia seria abalada. O setor energético da Rússia assegura boa parte da segurança energética global e a principal empresa é a Gazprom, da qual o governo russo possui 51% das ações.

No entanto as implicações para a Rússia foram muito além do que meramente o refreamento do setor energético, isso e deve ao fato desse setor ser a base de estabilidade econômica do país, portanto pode-se acordar que quando sua base sofre complicações, o pais enfrenta um desequilíbrio generalizado. Isso ocorre, pois, o financiamento em outras áreas da economia dependem dos lucros advindos das exportações dos difrocarbonetos sobretudo para a União Europeia. Esses hidrocarbonetos são responsáveis por 70% do orçamento russo.

Keohane afirma que a distribuição geopolítica do poder é feita segundo a disposição geográfica de recursos naturais e do valor atribuído à eles na economia vigente. Dessa forma é possível concluir que a Rússia possui um posicionamento geoestratégico importante. Por outro lado, num mundo que está muito distante de superar sua dependência por combustíveis fósseis, a União Europeia consome um terço do gás natural produzido na Rússia.

Um fator determinante para as tensões na região do Mar morto é o fato de que Putim tem o poder de "fechar o registro” do gás a qualquer momento. Em contrapartida o orçamento da Federação russa está fundeado nas exportações de petróleo e gás.

O fato é que a maior parte desses dutos que levam gás até a Europa passam pela Ucrânia, que também possui grande dependência do gás, e são operados pela Gazprom. Em função dessa interdependência, isso acaba minando a capacidade que esse bloco ocidental tem de impor maiores punições econômicas sobre o Kremlin.

Pode-se observar, com isso, que a União Europeia é vítima de sua interdependência econômica e energética com a Rússia e ainda, que em razão da geopolítica energética territorial, tanto Ucrânia quanto Rússia vêm enfrentando historicamente adversidades com a interdependência.

Consequências Internacionais

As medidas impostas à Rússia causaram uma série de externalidades negativas para o velho mundo, pois diversos setores industriais da Europa saíram prejudicados pelo enfraquecimento da economia russa, vale mencionar o fato de que a Rússia é o terceiro maior parceiro comercial da União Europeia e corresponde a aproximadamente 12% das importações e 7% das exportações desse bloco, enfatizando a sensibilidade da Europa em relação as próprias sanções econômicas importas à Rússia.

Conclusão

Desse modo, ao passo que a União Europeia, junto aos Estados Unidos, pressiona Moscou, também é vulnerável às externalidades desse processo, realçando que o principal problema dos europeus é conseguir sancionar perduravelmente a Rússia sem debilitar a economia europeia. A Rússia, por sua vez, concentra seus esforços na busca pela criação de novas alianças e novas esferas de influência na região euroasiática, tomando consciência de sua posição geográfica, a fim de criar novos acordos que permitam ao país não precisar voltar com sua estratégia política para a Crimeia.

Referências

OBSERVATÓRIO POLÍTICO, SILVA, J. L. O retorno da Aliança Celestial: interdependência econômica e a questão energética, Working Paper #55, Disponível em: <http://www.observatoriopolitico.pt/wp-content/uploads/2015/07/WP_55_JLS1.pdf>, publicado em 27/07/2015,
EXPRESSÃO GEOGRÁFICA. CLAUDIO, Z. H. Ucrânia Hoje: das ruas ao golpe, do gás natural à guerra, Disponível em: <www.expressaogeografica.com.br/2016/01/ucrania -hoje-das-ruas-ao-golpe-do-gas-natural-a-guerra/>, publicado em 12/01/2016.
EURO NEWS, MARQUES, Francisco. Ucrânia: Dois anos após anexação pela Rússia, Crimeia sofre as sanções a Moscovo, Disponível em: <http://pt.euronews.com/2016/03/18/ucrania-dois-anos-apos-anexacao-pela-russia-crimeia-sofre-com-as-sances-a/>, publicado em 18/03/2016.
NYE, Joseph. Cooperação e conflito nas relações internacionais. São Paulo: Editora Gente, 2009.
HENDLER, Bruno. O gás natural, a Ucrânia e a relação Rússia-União Europeia: o que as teorias de relações internacionais têm a dizer?, Disponível em: <http://www.mundorama.net/2014/05/24/o-gas-natural-a-ucrania-e-a-relacao-russia-uniao-europeia-o-que-as-teorias-de-relacoes-internacionais-tem-a-dizer-por-bruno-hendler/>, publicado em 24/05/2014.
MUNDORAMA, MENDES, P. S. Rússia, União Europeia e OTAN: as dinâmicas políticas por trás da crise ucraniana, Disponível em: <http://www.mundorama.net/2014/12/08/russia-uniao-europeia-e-otan-as-dinamicas-politicas-por-tras-da-crise-ucraniana-por-pedro-simao-mendes/>, publicado em 08/12/2014.
REVISTA EXAME, ROBERT, A.J. Crise na Ucrânia pode mudar panorama internacional, Disponível em: <http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/crise-na-ucrania-pode-mudar-panorama-internacional>, publicado em 21/03/2014.

*Camila Collette Piai Ersina é acadêmica do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.

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