quinta-feira, 18 de agosto de 2016

OPINIÃO: Drones - o futuro ou um erro?


Lucas Savaris *

Quando pensamos em poderio militar e política externa, normalmente, pensamos nos Estados Unidos da América, seja pelo grande impacto do país no Sistema Internacional, seja por adotar algumas medidas ou posturas duvidosas, incisivas e questionadas por outros países.

Tratando-se da política externa americana e suas inúmeras discrepâncias quanto a outros Estados, uma, em específico, tem causado diversos debates, abalado países diferentes, movimentado organizações e revoltado milhares de pessoas ao redor do mundo: a utilização de veículos aéreos não-tripulados, mais conhecidos como drones, enquanto instrumentos de combate preventivo ao terrorismo.

John Oliver, comentarista político e comediante inglês, em um de seus programas, buscou trazer à tona a importância do debate sobre os drones e ressaltou como a utilização imprudente e em larga escala de drones, pode vir a ser considerado no futuro como uma decisão política incoerente do governo Obama. Assim como foi considerada como uma política falha do governo de George W. Bush, a utilização da base secreta na Bahia de Guantanamo como cativeiro, na qual prisioneiros de guerra e suspeitos de terrorismo eram torturados e mantidos em condições sub humanas, pois ambos infringem normas do Direito Internacional Humanitário.

As críticas de Oliver ecoam as discussões feitas no Seminário realizado pela Universidade da Califórnia chamado “Drones: Perspectivas e Perigos”, que se dedicou à questão. Entre os temas debatidos, surgiram a problemática sobre a falta de especificação e clareza sobre o que viria a ser uma ameaça iminente para o governo americano, a imprecisão na contabilização das baixas civis e militares, resultantes dos ataques, os impactos psicológicos nas populações locais e, principalmente, o secretismo em torno da utilização dos drones e suas diretrizes de ação.

Como uma forma de atrair atenção para a problemática dos drones no Oriente Médio, três especialistas foram reunidos para debater a utilização dos armamentos durante este seminário: Mary Ellen O´Connell, professora da Universidade de Notre Dame; Avery Plaw, professor de ciência política da Universidade de Massachusetts, em Dartmouth, e David D. Cole, professor de direito da Universidade de Direito de Georgetown; apresentando, cada um, diferentes análises sobre a questão, que serão detalhadas abaixo.

Primeiramente, Plaw buscou ressaltar os pontos positivos e benéficos da utilização de drones, como forma de diminuir o poderio de grupos extremistas. Segundo o professor, haveria quatro elementos que, segundo ele, tornam legítima a utilização das aeronaves não tripuladas, sendo elas: a eficácia dos drones, o impacto estratégico, a ética e a legalidade.

Para embasar a defesa de sua lista, Avery Plaw trouxe estatísticas que apontavam que o percentual de civis mortos e feridos decorrentes de engajamentos militares de drones era inferior ao número de baixas advindas de operações militares em solo dos Estados Unidos ou de exércitos locais, como no caso específico do Paquistão.

Plaw afirmou, ainda, que o número de ataques havia diminuído devido ao sucesso dos drones em desestruturar grupos terroristas. Elencou também o fato de que os ataques americanos estarem ocorrendo como forma de prevenir atentados e mortes civis e por estarem se defendendo contra o grupo Talibã. Desta forma, sugeriu que a utilização dos drones era tanto legal, quanto moral.

Em seguida, Cole considerou que a utilização dos drones seria algo que existe e “veio para ficar”. Porém, elencou 4 (quatro) razões pelas quais a utilização desses armamentos é considerada um problema do governo Obama.

Cole inicia sua crítica à política externa de Obama, devido ao secretismo das políticas em si, uma vez que pouco se sabe sobre as missões e objetivos. O balanço entre a divulgação das missões e a luta contra o terrorismo seria algo difícil de se equilibrar, pois em toda luta contra o terror o segredo das operações tem importância vital.

Para Cole, um presidente não pode ter o poder de “apertar o botão” e tirar a vida de inocentes e, além disso, se omitir junto ao Estado da responsabilidade dos danos causados. Esse tipo de atitude aparece nos relatórios nos quais os EUA afirmam que se utilizam de “assassinatos autorais”, chamados em inglês de "signature strikes” ou “signature kills”. Trata-se da aniquilação ou eliminação de pessoas que se enquadram dentro das descrições do governo norte-americano e passam a ser considerados alvos.

Utilizando-se do “signature kill”, torna-se fácil manipular dados e estimativas de mortes e ferminentos, uma vez que, de acordo com a descrição utilizada pelo governo estadunidense com relação aos seus alvos, qualquer homem entre vinte e sessenta anos pode ser considerado um combatente ou terrorista, sem qualquer análise mais aprofundada.

Segundo Cole, a política do uso dos drones do governo americano no Oriente Médio, torna clara a disparidade entre os EUA e outros países perante o Sistema Internacional, a medida que o mesmo, apresenta um "grande leque" de medidas controversas e ilegais - como no caso dos ataques de drones em áreas fora das zonas de conflito - e não sofre nenhuma repreensão de organizações internacionais de "peso" como a ONU. Dando a entender que o Estado Norte-Americano se encontra em um estado de exceção - ideia de que qualquer outro país que viesse a repetir as práticas dos Estados Unidos, seria seriamente punido, podendo ser até sancionado ou invadido.

Finalizando sua participação, David Cole afirma que os drones tornaram a prática de matar muito simples, devido aos pequenos esforços necessários para serem utilizados. Ao contrário de uma invasão por solo com tropas e mantimentos, o uso de drones está associado à morte preventiva sem necessidade de maiores investigações, pois não se trata de um campo de batalha no qual o intuito de sobreviver leva os soldados a “atirarem antes e verificarem depois”. Essa mentalidade, porém, não poderia ser transferida para armamentos de alto potencial destrutivo.

Cole, após o término de sua apresentação, foi questionado se a eliminação de alvos (target killing) não era melhor e menos prejudicial que o uso de bombas, como ocorrido em diversos momentos e que os drones foram utilizados. Cole respondeu que sim, o target killing seria uma proposta muito mais interessante e controlada caso essa fosse a única solução possível para a problemática apresentada. Porém, para o professor de direito de Georgetown, o trabalho em conjunto com a polícia local para identificação de terroristas e de ameaças, e o isolamento dos militantes geograficamente através de expedições militares coordenadas junto das tropas locais, seriam muito mais eficazes, pois raramente iriam gerar danos colaterais e vítimas inocentes - responsáveis na maioria das vezes, por legitimar grupos extremistas e propagar ainda mais o discurso de ódio, proferido pelos mesmos.

Com uma abordagem completamente diferente dos dois professores anteriores, Mary Ellen O´Connell adotou uma postura crítica e totalmente contrária à utilização dos drones, explicando a razão deles serem ilegais, de acordo com o Direito Internacional. O’Connell o fez a partir de alguns pontos.

Primeiramente, explica que um Estado pode atacar outro somente em alguns casos específicos: quando convidado pelo Estado, através de um pedido de ajuda (como ocorreu durante a Guerra Civil do Afeganistão, na qual o Estado pediu ajuda e diversos países vieram em socorro), ou quando um país o ataca diretamente (como quando foram comprovadas ligações entre o Estado Afegão e o ataque das torres gêmeas).

Segundo a especialista, a presença dos drones norte-americanos em países do Oriente Médio e seus ataques fora das zonas de combate, não se enquadram em nenhum dos tópicos acima. Portanto, estes instrumentos se caracterizariam como ilegais de acordo com o Direito Internacional Humanitário - o qual deve ser revisto de acordo com simpatizantes da utilização dos drones.

O’Connell afirma que a existência de baixas civis fora das zonas de conflito é completamente inaceitável, já que se trata de áreas que devem ser regidas e controladas pela política e o estado de direito, assim como não seria aceitável a utilização de equipamentos militares de alta capacidade militar dentro de Manhattan.

A professora ainda aponta que estudos recentes realizados por pesquisadores responsáveis pela contabilização de baixas e análise estrutural de grupos extremistas, evidenciam que o uso de armamentos militares não tem eficácia na empreitada contra o terrorismo.

Um complemento interessantíssimo para essa explanação está no documentário “Unmanned: America´s Drone Wars”. A obra conta a história de um jovem paquistanês, chamado Tariq, que em uma noite na qual dirigia para avisar seus amigos do jogo de futebol, que seria no dia seguinte, foi atingido por dois mísseis Hellfire, no ano de 2011. O marcante dessa história foi o fato de que poucas semanas antes Tariq havia participado de uma grande convenção a respeito dos drones, na qual testemunhou a respeito da morte de um parente próximo.

Além do fato de não existirem provas envolvendo a filiação de Tariq com grupos terroristas, sua morte conseguiu expor grandes falhas no sistema de identificação de ameaças dos EUA. O governo estadunidense não pode financiar expedições de reconhecimento e acabam recorrendo a informantes locais cuja única ligação com o Estado norte-americano é o pagamento que recebem, abrindo espaço para divulgação de falsas informações de inteligência buscando receber a quantia prometida. Segundo o documentário, 98% das mortes não são de alvos considerados altamente representativos, e sim de homens, mulheres e crianças sem qualquer conexão com o terrorismo.

O mais importante do documentário é a demonstração do resultado das mortes, e a maneira como elas afetam comunidades inteiras. Esses assassinatos à distância têm potencial para desestruturar famílias, gerando revolta e ódio contra os EUA – visualizado nas imagens de protestos em massa e demonstrações de ódio públicas contra o Estado norte-americano (ex.: bandeiras queimadas, bonecos do Obama etc). Segundo morador local, vítima de ataques e um dos poucos sobreviventes de seu vilarejo, “os drones são fábricas de bombardeiros suicidas”.

Avery Plaw desconsidera a ideia de que os ataques contra grupos terroristas são ineficazes, afirmando serem necessários em conjunto com a capacitação da polícia e grupos de inteligência.

Independentemente de serem aceitáveis ou não, legais ou não, morais em seu uso ou não, os drones são uma ferramenta militar eficaz que não expõe ativos militares, e vem crescendo drasticamente dentro do mercado bélico, subindo na lista de prioridades de vários países como a China e o Reino Unido.

Estamos vivenciando um processo de formação de estratégias e adaptação do meio a um novo instrumento bélico, utilizado há décadas, mas não na maneira e quantidade como são utilizados hoje. Caso não venham a ser tratados com transparência, e estabelecidas regras, podemos ter em mãos um possível “caso cluster” novamente - conhecidos mundialmente por suas utilizações na Guerra do Vietnã com o Fósforo Branco e o clássico Napalm (um dos símbolos do conflito), os armamentos cluster ganharam maior notoriedade dentre a sociedade civil, após publicação de imagens de vítimas do uso de Napalm, como a famosa foto abaixo.



A partir de então aumentaram os movimentos a favor do banimento dos armamentos, devido sua imprecisão (cluster - fragmentação, um projétil principal, que se divide em dezenas menores ao se aproximar do alvo, tornando impreciso ao se espalhar dentro do raio de impacto, que varia de acordo com o clima e vento no horário de impacto), que culminou em seu banimento na Convenção Sobre Munições Cluster de 2008, e ainda assim, continua fazendo vítimas na atualidade com fragmentos enterrados em áreas de conflitos terminados fazem décadas.

* Lucas Savaris é acadêmico do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA).


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