A
seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3°
período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a
orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele
Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas
Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não
refletem o posicionamento da instituição.
O caso amargo do Rio Doce: e
responsabilização das empresas perante o Direito Internacional Público no maior
desastre ambiental brasileiro
Emílio Heller Augustin
Samuel Pelentrier
Minas
Gerais, Brasil. 05 de novembro de 2015. O município de Mariana foi varrido por
lama proveniente de duas barragens de rejeitos de minério da empresa Samarco,
devido ao colapso da barragem de Fundão, que por sua vez transbordou para a de
Santarém, fazendo com que esta também se rompesse. Em 16 dias a lama formada
por rejeitos de minério de ferro atingiu o mar, configurando assim um desastre
tanto humano - pelas perdas causadas no trajeto de Minas Gerais até o mar, passando
pelo Espírito Santo - quanto ambiental, por afetar provavelmente milhões de exemplares
da fauna e flora.
A
Samarco S. A., fundada em 1977, é hoje uma joint venture entre duas
multinacionais das maiores do mundo na área na qual atuam, e nos noticiários é
o nome por trás do maior desastre ambiental já registrado no país. Joint
venture é o termo adotado quando duas ou mais partes empreendem uma atividade econômica
de modo conjunto, geralmente o fazendo como uma pessoa jurídica diferente, de
modo a preservar a personalidade jurídica das partes envolvidas.
A
maior mineradora do mundo em 2015, a BHP Billiton, e a Vale (em 2015, 8ª maior do mundo)
detêm, cada uma, 50% da Samarco. Décima maior exportadora do país - antes do
rompimento da barragem que ocasionou um embargo, por parte do governo de Minas
Gerais, de suas atividades de mineração em Mariana - vende matéria-prima para
fabricação de minério de ferro.
Excluindo-se eventuais acionistas
brasileiros que talvez sejam donos de ações da BHP Billiton, é uma empresa
totalmente estrangeira. Já a Vale conta na sua composição acionária com mais de
46% de participação estrangeira, ou como a própria empresa prefere identificá-los
em seu site oficial, “investidores não brasileiros”. Quem está prestando
atenção até aqui se lembra que tanto a Vale como a BHP são donas, cada uma, de
50% da Samarco. Repetir tal informação é importante, pois quase metade das
ações da Vale está espalhada entre pessoas de outros países e há (se houver)
uma participação apenas ínfima de brasileiros como acionistas da BHP.
Logo, é uma questão de matemática
básica verificar que a maioria dos bilhões de reais que a Samarco gera (13,3 no
quinquênio 2010-14) vai para fora do Brasil. Assim sendo, deveriam sair destes
gordos bolsos internacionais as reparações referentes ao maior desastre
ambiental da história deste país, certo? Pois não é exatamente o que acontece.
Grandes corporações podem fazer
tanto dinheiro em um ano quanto o PIB de certos países. Parte disto pode ser
explicado pelo fato de terem acesso a mais de um mercado nacional, contando com
consumidores de diversos países. Quando uma pessoa compra a marca vermelha em
vez da azul, e se apenas a azul é nacional, a empresa dona da marca azul lucra
menos. Se isto acontecer com várias marcas, várias empresas nacionais vão ter
cada vez menos dinheiro para poder pagar, por exemplo, salários e aluguéis, e
mais empresas estrangeiras poderão pagar os seus salários e aluguéis ao redor
do planeta.
Trazendo a situação descrita para o
tema do presente escrito, quando o Brasil permite que a BHP Billiton tenha 50%
da Samarco, está implicado que boa parte daqueles bilhões de reais mencionados vai
para nacionais de outros países. Deveria, então, o Brasil escolher bem que tipo
de cláusulas colocar num contrato com uma empresa destas, certo? Ainda mais
quando a gente também sabe como extrair minério! Deveria, mas não é exatamente
o que acontece.
Na teoria, embora a doutrina
jurídica em torno do tema não seja pacífica, empresas passariam a ser sujeitos
de Direito Internacional uma vez que negociam diretamente com países e estão em
pé de igualdade com os mesmos em instâncias como o ICSID – Centro Internacional para Solução de
Disputas sobre Investimentos, instituição internacional que, regida pelo Banco Mundial,
media conciliações e/ou arbitragens de disputas (sempre com litígios iniciados
pelas corporações contra os Estados, e nunca o contrário) entre países e investidores
(cujos investimentos rendem frutos que nem sempre são de interesse de seus países-sede)
estrangeiros.
Isto deveria significar que, da
mesma maneira que um país pode ser alvo de, por exemplo, sanções econômicas
ditadas por organizações como a ONU, deveriam também as grandes corporações estar
sujeitas a contramedidas internacionais. Isto deveria significar que, da mesma maneira
que um país pode ser alvo de uma ação internacional perante uma Corte de
Direitos Humanos, uma grande corporação também deveria responder
internacionalmente pelos seus atos. Deveria, mas, como você que lê já deve ter
antecipado a esta altura do texto, não é exatamente o que acontece.
E o que acontece? As corporações
multinacionais e multibilionárias são, no Direito Internacional, sui generis, expressão em latim usada
para indicar quando algo é único, diferente de todo o restante. Podem assim ser
classificadas pois, enquanto por um lado são elas possuem DIREITOS no plano
internacional (e aqui mesmo no blog pode-se ler mais a respeito do que
convencionou chamar-se direito internacional dos investimentos estrangeiros,
como a postagem “Direito Internacional dos Investimentos Estrangeiros e os
Tratados Brasileiros”, entre outras), por outro lado não podem os Estados
exigirem DEVERES, em plano internacional, destas corporações.
A explicação para este desequilíbrio
é a de que no plano internacional as normas relativas às obrigações das
empresas não passam de soft law, ou
quase-direito. Em termos leigos, os países dependem principalmente da
disposição, da vontade, das já citadas corporações para que o que foi acordado
seja seguido, uma vez que não
existem obrigações internacionais de cumprimento que garantem (e esta é a
palavra-chave) penalizações. Ou seja, em âmbito internacional, tais normas são
mais próximas de uma recomendação do que de uma lei.
Em partes, isto se deve à ausência
de um corpo legislativo internacional, assim como à inexistência de um órgão
repressor mundial. Além destes motivos, podemos colocar parte da culpa na
inércia estatal diante das exigências das multinacionais, por razões econômicas
ou políticas. Como consequência do cenário sugerido de criação e exigência do
cumprimento de leis internacionais, teríamos uma polícia planetária. Mas qual
seria o órgão equivalente à corregedoria desta suposta polícia global? A ONU,
que na década passada não autorizou a invasão do Iraque e assistiu ao governo
de George W. Bush assim mesmo fazê-lo?
Melhor seria cada nação poder
proteger-se fazendo uso de suas legislações domésticas (para que pessoa
jurídica alguma, especialmente estrangeira, possa sobrepor-se aos interesses
das pessoas como eu e você) ao mesmo tempo em que atrai oportunidades de
negócios ao seguir regras não-escritas das práticas comerciais convencionais
(assegurando assim aos empresários idôneos de qualquer lugar do planeta que
eles não estariam lidando com uma república de bananas) – o que se convencionou
chamar de lex mercatoria. Se
absolutamente viável sob o ponto de vista do direito doméstico, certo é que o
cenário encontra algumas barreiras no Direito Internacional, que, como visto,
mais restringe a margem de ação estatal frente às multinacionais que o oposto.
Com isto
espera-se que, por mais multinacional que seja uma empresa, ela venha então a pagar
por eventuais perdas históricas, prejuízos ambientais, famílias desabrigadas,
vidas perdidas e populações indígenas ameaçadas pela poluição de rios e
nascentes vitais à sua sobrevivência (caso dos índios Krenak) – exatamente o
que aconteceu.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/2016/03/08/ong-justica-global-publica-relatorio-sobre-a-tragedia-anunciada-de-mariana/
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/11/06/o-que-se-sabe-sobre-o-rompimento-das-barragens-em-mariana-mg.htm
http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/audit.html
REFERÊNCIAS DA IMAGEM:
http://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/2016/08/justica-declara-nula-homologacao-de-acordo-para-recuperar-rio-doce.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário