quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Mobilidade Humana Internacional e Direitos Humanos: Ataques a hospitais sírios - o drama da guerra


 A seção "Mobilidade Humana Internacional e Direitos Humanos" é produzida por alunos membros do Grupo de Pesquisa coordenado pelo Prof. Thiago Assunção, no UNICURITIBA, que leva o mesmo nome da seção. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.



Ataques a hospitais sírios: o drama da guerra

Georgia Colleone e Raphaela Kopytowski Tafuri

Com o levante armado contra o Presidente Bashar al-Assad, em 15 de março de 2011, iniciou-se uma guerra civil na Síria. De um lado, estava a oposição, que sustentava estar agindo para destituir al-Assad e, assim, instaurar um novo governo democrático no país, e de outro, o governo sírio, que alegava estar lutando contra o terrorismo e defendendo o país.
No decorrer da guerra, a oposição acabou por se dividir em grupos conflitantes entre si, o que acabou por provocar divergências internas, pautadas por ideais políticos e religiosos, de modo que o confronto passou de “todos contra Bashar al-Assad” para “todos contra todos”, criando uma atmosfera insustentável para os civis sírios.
A situação do país tornou-se tão crítica, que o Alto-Comissário das Nações Unidas para Refugiados, António Guterres, chegou a considerá-la como sendo “a crise humanitária mais dramática que o mundo já enfrentou em muito tempo”[1].
  Nos últimos dias, uma sucessão de eventos intensificou a sensação de incerteza quanto ao possível fim dos conflitos armados no país. Em 27 de abril de 2016, o hospital Al Quds, de Aleppo, administrado pela organização humanitária Médicos Sem Fronteiras e pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, foi destruído durante um ataque aéreo, que matou aproximadamente 50 pessoas, incluindo médicos, enfermeiros e pacientes.
  Esse foi apenas o primeiro de cinco outros bombardeios a unidades de saúde na cidade de Aleppo, todos ocorridos em um intervalo de tempo inferior a uma semana. A autoria dos ataques, no entanto, foi negada tanto pelo governo sírio, como também pelo russo e pelo estadunidense.
  Ocorre que tais ataques não são fenômeno recente. A ONG estadunidense Physicians for Human Rights apontou, através da elaboração de um mapa interativo da crise na Síria[2], que desde o início dos conflitos armados, em 2011, até fevereiro deste ano – não considerando, portanto, os ataques citados acima –, 358 instalações médicas foram atacadas, levando a óbito 726 profissionais da saúde, sem contar os pacientes e demais civis que se encontravam na área no momento dos bombardeios.
  De acordo com o Protocolo I, de 1977, Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados Internacionais, “todos os feridos, doentes e náufragos, seja qual for a Parte a que pertençam, devem ser respeitados e protegidos”[3] (grifo nosso). Protege-se, também, o pessoal sanitário e religioso, “para o exercício de sua função humanitária, e com a proteção a sua missão médica, estando, portanto, isento de qualquer forma de punição pelo fato de ter exercido eticamente suas atividades, quaisquer que tenham sido as circunstâncias e os beneficiários” (BORGES, 2006). Da mesma forma, as unidades e meios de transporte sanitários gozam desta proteção, não podendo ser objeto de ataque. Vale destacar que tanto Síria, quanto Rússia (principais países envolvidos e/ou suspeitos nos ataques em Aleppo), aderiram ao referido Protocolo. Os Estados Unidos, contudo, são Estado-Parte apenas do Protocolo III, de 2005, Relativo à Adoção de um Emblema Distintivo Adicional[4], contudo, este Protocolo de 2005 reafirma as disposições tanto das Convenções de Genebra, quanto dos Protocolos adicionais anteriores, de 1977.[5]  
  O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional prevê, em seu art. 8º, §2º[6], que são crimes de guerra as violações graves às quatro Convenções de Genebra e, mais especificamente, os ataques intencionais a edifícios, materiais, unidades e veículos sanitários. Os bombardeios aos hospitais em Aleppo, portanto, constituem crime de guerra. A competência para julgar tais crimes é do Tribunal Penal Internacional (KRIEGER, 2004). E, conforme explica José Roberto Franco da Fonseca, “as sanções cabíveis para os crimes de guerra, obviamente, são de natureza penal”.[7]
Segundo a organização Médico Sem Fronteiras, “em média, uma estrutura de saúde apoiada por Médico Sem Fronteiras na Síria foi bombardeada por semana em 2015 e nas primeiras seis semanas de 2016”.[8] A MSF iniciou uma campanha para que o Conselho de Segurança da ONU aprovasse uma resolução “projetada para impedir futuros ataques contra hospitais, pacientes e civis em zonas de guerra”. A resolução foi votada no dia 03 de maio de 2016 e, por unanimidade, foi aprovada.[9] A Presidente Internacional de MSF, Dra. Joanne Liu, em um discurso inspirador durante a votação, dispôs: “essa resolução não pode terminar como tantas outras, incluindo aquelas aprovadas sobre a Síria ao longo dos últimos cinco anos: rotineiramente violadas com impunidade”.[10]

Fontes:
BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional Humanitário.
KRIEGER, César Amorim. Direito Internacional Humanitário.


[1]"[The Syrian situation] is the most dramatic humanitarian crisis the world has faced in a very long time” (tradução livre). United Nations High Comissioner for Refugees. Remarks by António Guterres, United Nations High Commissioner for Refugees. Conference on the Syrian Refugee Situation – Supporting Stability in the Region. 2014. Disponível em: <http://www.unhcr.org/544fb4189.html>. Acesso em 20/03/2016, às 17:34.
[2]Physicians for Human Rights. Anatomy of a Crisis: A Map of Attacks on Health Care in Syria. 2016. Disponível em: <https://s3.amazonaws.com/PHR_syria_map/web/index.html>. Acesso em 05/05/2016, às 00:19.
[3] Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à Protecção das Vítimas dos Conflitos Armados Internacionais Acesso em 05 mai. 2016. Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/dih-prot-I-conv-genebra-12-08-1949.html>
[4] States Party to The Geneva Conventions and Their Additional Protocols. Acesso em 05 mai. 2016. Disponível em: <https://www.icrc.org/por/assets/files/annual-report/current/icrc-annual-report-map-conven-a3.pdf>
[5] Protocolo III Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 Relativo à Adoção de um Emblema Distintivo Adicional. Acesso em 05 mai. 2016. Disponível em: <http://direitoshumanos.gddc.pt/3_23/IIIPAG3_23_7A.htm>
[6] Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Acesso em 05 mai. 2016. Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/tpi-estatuto-roma.html>
[7] FONSECA, José Roberto Franco. Crimes de guerra, 1998. Acesso em mai. 2016. Disponível em: <www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/67409/70019>
[8] Médico Sem Fronteiras. Acesso em 05 mai. 2016. Disponível em: <http://www.msf.org.br/nao-sao-um-alvo>
[9] Conselho de Segurança da ONU exige proteção de hospitais em áreas de guerra. Acesso em 05 mai. 2016. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2016-05/conselho-de-seguranca-da-onu-exige-protecao-de-hospitais-em-areas-de>
[10] Presidente Internacional de MSF faz discurso no Conselho de Segurança Nacional da ONU. Acesso em 04 de mai. 2016. Disponível em: <http://www.msf.org.br/noticias/presidente-internacional-de-msf-faz-discurso-no-conselho-de-seguranca-da-onu?_ga=1.209598674.1712714091.1431551085>

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