De Fernando Yazbek*
No Brasil e no mundo o assunto que ainda pauta todo e qualquer veículo de imprensa não poderia ser outro que não a
pandemia do novo coronavírus. Entre as notícias desesperadoras de novos casos
confirmados, da falta de equipamentos de proteção individual para os médicos e
enfermeiros e a preocupação com a superlotação do sistema de saúde, ainda se vêem
relatos de solidariedade. São vizinhos que se voluntariam para ir ao mercado
pelo morador mais idoso do prédio, campanhas de distribuição de alimento para
quem mais precisa e hotéis que diminuem o valor das diárias para
facilitar o isolamento social daqueles que estão na linha de frente no combate à
doença. Ainda que estes exemplos repercutam com certo espaço considerável na mídia
nacional e regional - junto das recomendações para se levar uma quarentena mais
segura e tranquila - as principais manchetes dos jornais estrangeiros tratam da
questão no Brasil com um enfoque muito mais político.
O inglês The Guardian, por exemplo, repercutiu (ainda no
domingo 29/03) a reportagem do jornal Estado de São Paulo que tratou dos
embates entre o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o ministro da saúde Luiz
Henrique Mandetta (DEM). Bolsonaro tem, reiteradas vezes, diminuído os impactos
sanitários do coronavírus e se preocupado nos efeitos negativos que a
quarentena vai impôr à economia brasileira. O ministro, por outro lado,
continua recomendando o isolamento social como melhor ferramenta para se
enfrentar a epidemia, a despeito de seu chefe. Estas diferenças foram os
motivos, como aponta o jornal, que fizeram o presidente ameaçar demitir
Mandetta da esplanada ministerial. The Guardian destaca ainda que a
postura negacionista de Bolsonaro promoveu uma “rebelião política” de quase
todos os governadores dos 27 estados brasileiros. Em editorial do dia 31, o
jornal categoriza o presidente como “um único homem que pode causar danos enormes” e,
por isso, põe os brasileiros em risco.
Na capital estadunidense, o The Washignton Post estampou imagem do cemitério Vila Formosa na zona leste
paulistana, maior da América Latina, com um grande número de covas recém
abertas. Com a preocupação pelo exponencial
aumento do número de mortes do covid-19, o impresso cutucou Jair
Bolsonaro na legenda da foto: o presidente chamara a doença de “fantasia”. A
matéria também trata de como serão os impactos da pandemia em países com “grande
pobreza”.
Percebe-se uma mídia norte-americana muito mais focada recentemente, em
termos de América Latina, na questão venezuelana. Os EUA propuseram, no dia 31
de março, o que o governo Donald Trump chama de “marco democrático para a
Venezuela”. O acordo prevê a implementação de um governo de transição em que não
participariam nem o presidente constitucional Nicolás Maduro, nem o
auto-proclamado presidente Juan Guaidó, reconhecido por Washington e Brasília.
Esta “mudança democrática” pautada pelo
secretário americano Mike Pompeo contra o chavismo é defendida pelo The Wall
Street Journal, que aponta o Brasil como importante aliado norte-americano
na região.
O mundo lusófono também tem noticiado críticas ao governo Bolsonaro.
O português Diário de Notícias destacou a união da oposição no Brasil num pedido de renúncia endereçado ao presidente. Assinaram a carta tanto líderes de partidos de
esquerda, como Fernando Haddad do PT, Ciro Gomes do PDT, Guilherme Boulos do
PSOL, quanto políticos do PSD, partido de centro-direita, como frisa o Diário.
Na mesma língua e assunto, o Jornal de Angola também aponta
desafetos políticos da administração federal brasileira, mas desta vez no campo
internacional. O africano relata a insatisfação do presidente argentino Alberto
Fernández com as posições tomadas por Bolsonaro no combate ao coronavírus.
"Lamento muito que a seriedade do problema não seja entendida”, disse o
portenho ao anunciar que criticou a postura do Brasil para o presidente
mexicano Andrés López Obrador.
Na vizinha Argentina, o Diario Clarín
repercute o aumento da popularidade do ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta
em face do desprestígio crescente do presidente Jair Bolsonaro. Com apenas 5%
reprovando a gerência ministerial, Mandetta alcançou uma popularidade de 76%
dos brasileiros na última semana. O jornal analisa que a aprovação do ministro
cria “um novo problema para Bolsonaro”, que enfrenta “oposição” da suprema
corte e do congresso brasileiros.
O presidente do Brasil se
desgasta na política doméstica enquanto
cria mais problemas na comunicação. Seu principal meio de comunicação durante
as eleições e o mandato, a rede social Twitter apagou duas postagens de
Bolsonaro no domingo 29. Em posicionamento oficial por meio de nota, o site anunciou que expandiu as regras para
eventualmente excluir postagens que atentassem contra as recomendações médicas
que levariam pessoas a maior risco de transmitir o covid-19. Twitter
deletou publicações que violam as regras da rede de Jair Bolsonaro, de dois de
seus filhos e do pastor neopentecostal Silas Malafaia, que também é contra o
isolamento social e quer realizar cultos evangélicos durante a pandemia.
Nesta onda de desinformação, o presidente do Brasil divulgou notícia falsa na
quarta-feira (primeiro de abril, ironicamente) sobre suposto desabastecimento
na capital de Minas Gerais. A mídia francesa manchetou o pedido de desculpas de
Bolsonaro e relembrou o histórico de fakenews do presidente, como no Le
Parisien:
Enquanto o Brasil escala no
número - ainda subnotificado - de contagiados
e de mortos, o governo federal parece estar mais preocupado com as casas
decimais do PIB. Espalhando desinformação, o executivo não só pode ser
responsabilizado pela mortandade no curto prazo quanto pela deteriorização da
imagem brasileira no exterior. A revista The Atlantic diz que o “movimento
de negação do coronavírus agora tem um líder”, se referindo a Bolsonaro,
enquanto a BBC o coloca como outsider do bom-senso até dos líderes
mundiais mais controversos. The Economist sustenta que “Brasil brinca
enquanto epidemia avança” e The New York Times que “fervor pela
austeridade no Brasil ameaça luta contra o coronavírus”.
Estamos na contra-mão do mundo, e não no bom sentido de frear a doença e
cuidar de quem precisa ficar em casa. Uma empresa falida se recupera, um
emprego perdido se realoca, mas um corpo enterrado não se exuma com vida.
Referências:
*Fernando Yazbek é aluno do segundo período de Relações Internacionais do UNICURITIBA e também cursa Ciência Política na Universidade Federal do Paraná. Além de integrar a equipe de 2020 do Blog Internacionalize-se, também é responsável pelo Blog Democratiba - que discute os meandros políticos que interferem na vida esportiva do Coritiba Foot Ball Club, seu time do coração.
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