sexta-feira, 27 de abril de 2018

Redes e Poder no Sistema Internacional: A banalização da violência



A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2018 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.



A banalização da violência

Otávio Bomfim *

Para Hegel, a história se repete, invariavelmente, duplicando seus personagens e seus fatos. Para Marx, isto de fato ocorre mas sendo, da primeira vez, uma tragédia e, da segunda, uma farsa. De Berlim para o mundo, 1989 pareceu representar a pacificação via mercados globais e integrados, que reprimiriam os conflitos estabelecendo a hegemonia do capital. O muro simbólico a ser derrubado era de muito maior relevância do que o físico. Porém, aqueles que seriam erguidos também o eram.

A oposição entre as formas de organização Estatal era muito evidente durante a Guerra Fria. Era uma espécie de autoridade visível, exposta às críticas e ao entendimento, um paraíso moderno de liquefação das aparências. A violência era lateralizada e internalizada: os conflitos diretos entre Estados envolviam atores subalternos, e a repressão de grupos vulneráveis era sistemática dentro dos Estados em si. Com a queda desse embate óbvio, o cenário internacional tornou-se pulverizado. A multidimensionalidade tomou conta das relações, de cima a baixo, e o espírito revolucionário de 68 foi incorporado de forma ainda mais sagaz pela máquina capitalista.

Começam a ressurgir movimentos que pregam a violência direta como única forma de libertação das massas, ignorando o fato de que a violência já está prevista na manutenção do sistema em si. Essas ações são reativas, imensamente baseadas no medo, tanto do que se tem no momento como do que se espera para o futuro. Os acontecimentos gerados por elas buscam se constituir como uma mudança no arcabouço pelo qual percebemos o mundo e nos envolvemos nele, mas acabam por criar apenas uma ilusão de movimento diferenciado, uma inércia que se recusa a ser interrompida por forças exteriores. Ou seja, é um movimento vetorizado, sem mudanças em sua direção ou sentido.

A violência, subjetiva e objetiva, e o horror causados pelo sistema fazem parte do seu funcionamento, da sua propagação. Primeiro, as catástrofes surgem como tragédia, extremamente midiatizadas, crises humanitárias que exigem compaixão e uma atitude imediata. Posteriormente, as soluções surgem incluídas na lógica do próprio sistema causador, gerando uma espécie de Síndrome de Estocolmo global. A farsa se constrói no momento em que a imposição da lógica hegemônica é recrudescida como uma resposta às suas próprias crises e contradições.

A violência, portanto, não se trata de um problema a ser resolvido no sistema internacional. A violência é a resposta para as crises, assim como sua causadora, e se postula como única forma de combate às grandes forças. A violência constitui uma farsa em si, já que de violenta nada tem. Passa a ser, portanto, não mais lateralizada e internalizada, mas difundida e incorporada. Torna-se uma com o cotidiano cosmopolita, sendo esvaziada de seu significado. Pode-se considerar uma um cenário em que Guernica, de Pablo Picasso, é naturalizado, perdendo todo o seu impacto e transformando-se numa cena comum.

A prática e o conceito de violência, portanto, se estabelecem como um mecanismo. Não mais uma ação, não mais uma discussão teórica, mas um instrumento de controle e de manutenção sistêmica. Os muros simbólicos que levanta se baseiam em fobias, desesperos e pânicos, abrindo alas para a eliminação da subjetividade alheia, uma tentativa de padronização extremamente benéfica para a sobrevivência do capital no século XXI. Se recusar a agir de acordo e pensar em outras formas de resistência, portanto, pode ser a única saída efetiva


* Otávio Bomfim é acadêmico do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e membro pesquisador do Grupo de Pesquisa RPSI - Redes e Poder no Sistema Internacional.

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