Cultura e Poder na
História das Olimpíadas
Eduardo Teixeira de Carvalho Junior
Doutor em
História pela Universidade Federal do Paraná
Professor do Centro Universitário Curitiba -
Unicuritiba
A restauração dos Jogos
Olímpicos no século XIX pelo Barão de Coubertin foi um resgate do ideal de
homem da Grécia Antiga a partir das questões sociais e políticas dadas pelo
contexto histórico do século XIX, especialmente o nacionalismo e o imperialismo.
O Discóbolo, escultura que representa um lançador de disco, foi muito
cobiçada por Hitler por representar o ideal de corpo perseguido pelo nazismo.
Apenas
recentemente o esporte passou a ser encarado como objeto de pesquisa nas
Ciências Sociais. Por muito tempo foi considerado apenas uma atividade lúdica, sem
relevância acadêmica. Atualmente, porém, vem se afirmando como um importante
campo de pesquisa na análise da sociedade contemporânea. Afinal, os grandes
eventos esportivos como as Olimpíadas tanto podem significar a superação de
limites atléticos e técnicos do corpo humano, como para a legitimação de
regimes políticos. Além disso, determinadas modalidades de esporte acabaram se
tornando um instrumento de promoção da identidade nacional. Cite-se como
exemplo o fato de muitos pesquisadores utilizarem a importância do futebol para
a compreensão da sociedade brasileira. Assim, seguindo a máxima de Clausewitz ,poderíamos
dizer que na era moderna o esporte se constitui como uma continuação da política
por outros meios.
É preciso
distinguir os jogos atléticos da antiguidade dos esportes modernos. Há uma
diferença fundamental na função ocupada por esta prática em cada um destes
contextos históricos. A partir da Revolução Industrial e da Revolução Francesa
os esportes modernos emergem como uma prática social voltada para o controle e
domesticação do corpo. Seguindo as
análises de Norbert Elias,trata-se do processo social em que o guerreiro se
humaniza e se torna “homem da corte”, a violência e força física do guerreiro
medieval são “domesticadas” pelos procedimentos “civilizados” da etiqueta de
corte. (ELIAS, 2001) A prática do esporte nasce então de uma necessidade de “civilizar”,
“disciplinar”, domar os instintos. Portanto, no século XIX o esporte preenche
uma função social importante de acordo com exigências de uma sociedade
disciplinar (FOUCAULT, 1987) e de acordo com os valores sociais do capitalismo.
Na Antiguidade, por sua vez, o contexto era muito diferente.
Os jogos olímpicos na antiguidade
Na Antiguidade
o “lugar” ocupado pelos Jogos Olímpicos é diferente da sua versão moderna, era
uma espécie de festividade sagrada onde se representavam os valores de uma
sociedade que cultivava a beleza do corpo e as virtudes cívicas. Os Jogos
Olímpicos antigos surgiram na Grécia Antiga no ano de 884 a.C, data de fundação
dos jogos, mas que passaram a ser contados somente a partir do ano 776 a.C.
Duraram doze séculos até serem extintos no ano de 393 de nossa era pelo
imperador romano Teodósio, o mesmo que tornou o cristianismo a religião oficial
do Império Romano. Teodósio proibiu a prática dos jogos por considera-los um
rito pagão.
Na Grécia
Antiga, os jogos Olímpicos tinham um caráter sagrado, realizavam-se em Olímpia,
na planície da Élida, em honra de Zeus, mas havia também os jogos Píticos,
Nemeus, Ístimicos (GIORDANI, 1992). O mensageiro anunciava a celebração das
grandes solenidades e ao mesmo tempo proclamava a trégua sagrada, o que
acarretava a suspensão de todas as hostilidades e a inviolabilidade dos que se
dirigiam a Olímpia. O participante deveria ser heleno de nascimento e homem
livre, excluindo-se escravos e mulheres de forma geral. Havia provas de corridas, lutas, lançamento
de disco, corridas de carros (de duas rodas puxadas por cavalos) e o prêmio
oferecido aos vencedores era a coroa de louro e o ramo de oliveira. Os
vencedores ganhavam muito prestígio, em Esparta, por exemplo, poderiam ter o
privilégio de combater nas batalhas ao lado dos reis.
Pinturas sobre a prática dos jogos foram encontradas em
vasos e ânforas indicando a sua importância na sociedade grega antiga. Na
primeira figura à esquerda vemos uma Taça do ano 500 a.C. – 480 a.C. representando a prática do lançamento de
dardo e lançamento de disco. Ao lado um vaso em forma de cálice do ano 510 a.C.
representando os preparativos dos atletas antes das competições.
Além de festividade
religiosa, os jogos olímpicos apontavam para uma característica importante do
homem grego, a valorização da beleza e do vigor corporal. O historiador e
filólogo alemão Werner Jaeger, especialista em história grega antiga, se
notabilizou pelo seu trabalho sobre o conceito de Paideia, um conceito que representa o ideal de humanidade na visão
da cultura grega antiga. (JAEGER, 1986) Este conceito se aproxima do que hoje
chamaríamos de “cultura” e “educação”.
Na Grécia
Antiga havia uma preocupação com a formação do cidadão, formação das virtudes
voltadas para cidade. Na República de
Platão percebemos um debate sobre a virtude da coragem nos jovens, que não
poderia ser confundida simplesmente com treinamento militar, trata-se da
coragem que leva a virtude da justiça, do equilíbrio, a uma “grandeza da
alma”. Além da coragem, outras virtudes também
eram consideradas importantes como a generosidade, harmonia, moderação,
sabedoria.
A Paideia diz respeito tanto à educação do
corpo quanto a do espírito. Defendia-se um
equilíbrio, aquele que pratica somente a ginástica acaba ficando tenso,
degenerando em dureza que leva ao mau humor (PLATÃO, 2003, Livro III ). O
conceito de Paideia exprime uma
preocupação dos gregos em assegurar à comunidade um corpo de cidadãos aptos a
defender a cidade e respeitar suas leis.
Assim o corpo dos jovens estava no centro das preocupações da cidade.
Grécia: o despertar da Civilização
No século XIX,em
que a História se constituía enquanto uma ciência, os historiadores não
conseguiam explicar o rápido desabrochar da Civilização Grega, o “milagre
grego”. Como explicar o brilhantismo intelectual de filósofos como Sócrates, Platão
e Aristóteles? Além disso, os gregos inauguraram praticamente as principais
áreas do conhecimento humano, como a Filosofia, História, Música, Matemática,
Medicina, Teatro, Poesia, Geografia. Houve
uma corrida em busca das cidades perdidas da antiguidade, uma busca alavancada
pela Arqueologia e que lembra muito os filmes de Indiana Jones, especialmente Indiana Jones e os caçadores da Arca Perdida.
As descobertas
arqueológicas fascinavam a imaginação dos eruditos das principais Universidades
europeias. Nas primeiras décadas do século XIX iniciaram-se as escavações na
cidade de Olímpia, mais tarde as descobertas arqueológicas de Heinrich
Schliemann e Arthur Evans iriam revolucionar o conhecimento sobre a antiguidade
clássica. Schliemann, obcecado com a Ilíada e a Odisseia de Homero, era um
comerciante rico que havia abandonado os negócios para tentar encontrar os
lugares citados na obra de Homero. Durante muito tempo os estudiosos acreditavam
que a Ilíada e a Odisséia fosse fruto de fantasia e imaginação. Muitos já haviam
procurado os lugares apontados na obra sem sucesso, até que Schliemann descobriu
a cidade de Troia em 1873 na colina de Hissarlik, na entrada do estreito de
Dardanelos, atual Turquia. Mais tarde, um de seus colaboradores, Arthur Evans seria
responsável pelas escavações do Palácio de Minos na ilha de Creta, o suposto local
habitado pelo lendário minotauro.
O século XIX,
por meio das descobertas arqueológicas, descobria os vestígios matérias de uma
sociedade que até então estava encoberta de mistérios e lendas da mitologia. As
novas descobertas arqueológicas reforçaram ainda mais o papel da Grécia Antiga
como um modelo de sociedade a ser seguido pelas potências europeias. O modelo
de homem grego da antiguidade passou a alimentar os ideais de nação e civismo na
Europa, a exemplo do volk e do geist alemão.
A restauração dos Jogos Olímpicos
O Barão de Coubertin,
inspirado nos valores da Grécia antiga iniciou uma campanha para a difusão de
práticas esportivas como instrumento pedagógico de educação, visava uma
valorização do esporte para o desenvolvimento moral da juventude. A França de Coubertin
saíra derrotada de uma guerra contra a Alemanha (Guerra Franco-Prussiana) e
vivia sob uma crise moral e política. Depois de viajar pela Inglaterra, Coubertin
inspirado na grandeza do império britânico e pelas teorias do pedagogo inglês
Thomas Arnold, passa a defender a prática de exercícios físicos como meio de fortalecimento
moral da juventude. Provavelmente seus esforços em difundir a importância dos
esportes na formação dos jovens fazia parte de um projeto mais amplo de reforma
educacional buscando resgatar o orgulho nacional dos franceses abalado pela
derrota para os alemães. Entretanto, sua concepção de educação também foi
inspirada em grande medida pelos ideias da antiguidade grega.
Coubertin promoveu
palestras na União das Sociedades Francesas de Desportes Atléticos (USFSA) e viajou
para os EUA em 1893 para divulgar suas ideias e obter o apoio dos norteamericanos.
Coubertin lançou a ideia do restabelecimento dos jogos Olímpicos e logo em
seguida criaria o Comitê Olímpico Internacional (COI). Depois de um esforço
diplomático, consegue em 1886 a primeira reedição dos jogos olímpicos na Grécia. Um helenista francês sugeriu a Coubertin adicionar
a maratona na restauração dos jogos para remarcar a façanha do lendário soldado
ateniense Filípedes que em 490 a.C. correu desde Marathon, na Ática, até Atenas
numa distância de 42 KM para anunciar a vitória de Melcíades sobre os persas.
Os Jogos Olímpicos modernos: entre o
realismo e o idealismo
Na Carta Olímpica
de 1896, documento que estabelecia os principais valores norteadores dos jogos
modernos, são apontados os objetivos de promover o desenvolvimento das
qualidades físicas e morais que são a base do esporte; educar a juventude
através do espírito esportivo para um melhor entendimento e amizade entre os
povos, ajudando a construir um mundo melhor e mais pacífico; espalhar os
princípios olímpicos pelo mundo, criando a amizade internacional; e assim, unir
os atletas do mundo a cada quatro anos em um grande festival esportivo.
Contudo, as “nobres”
ideias de Coubertin foram utilizadas para objetivos outros àqueles previstos
pela Carta Olímpica. Os Estados passaram a usufruir os valores do esporte em
benefício próprio na disputa de prestígio internacional para seus respectivos
regimes políticos. Desde então, os Jogos Olímpicos não representam apenas a
confraternização entre os povos ou a busca pela paz, mas também a disputa de
interesses políticos e econômicos de Estados e corporações.
Na Olimpíada de Berlim
Jesse Owens ao vencer as principais provas de atletismo, batendo os seus rivais
“arianos”, humilhou publicamente os nazista e colocou em xeque as teorias
racistas que predominavam no campo das ciências humanas até então.
Referências Bibliográficas:
ELIAS, Norbert. A sociedade de
corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de
corte. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed, 2001
FOULCAULT, Michel. Vigiar e
Punir: nascimento da prisão. Petrópolis : Vozes, 1987
GIORDANI, Mario Curtis. História da Grécia. Petrópolis : Vozes,
1992
JAEGER, Werner. Paidéia: a
formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
PLATÃO. A República. São Paulo : Editora Martin Claret, 2003
Site
oficial do Comitê Olímpico Internacional. Disponível em: https://www.olympic.org
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