terça-feira, 28 de junho de 2016

Redes e Poder no Sistema Internacional: A cultura como um mecanismo de poder e estratégia

As obras de Andy Singer fazem uma crítica a respeito do uso da cultura e seus impactos geopolíticos. Fonte: Reprodução. Copyright e direitos de Andy Singer.

A seção Redes e Poder no Sistema Internacional é produzida por integrantes do Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional”, que desenvolve no ano de 2016 o projeto “Controle, governamentalidade e conflitos em novas territorialidades” no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca promover o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a inter-relação entre redes e poder no SI. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

A cultura como um mecanismo de poder e estratégia

Jéssica Ferreira*

Cultura é, definitivamente, um conceito complexo e que pode ser compreendido de múltiplas maneiras.  Pode se referenciar as commodities agrícolas, a estilos de vida, a linguagem, ao modo de agir ou de se vestir, a arte, a música, ao conhecimento, etc. De um modo geral, pode-se dizer que cultura é tudo aquilo criado pela humanidade.

Ao discorrer sobre a cultura, muitos recortes podem ser feitos, sobretudo aqueles tradicionais que se atentam as particularidades culturais de cada povo. Entretanto, num panorama globalizado, há de se notar casos corriqueiros no tempo e no espaço em que determinadas culturas tornam-se referências para as demais. Tal fenômeno não ocorre por acaso e propositadamente reflete as relações de poder vigentes no mundo. Serve como um instrumento de legitimação do poder hegemônico e, para além dele, das classes dominantes em seu interior.

É claro que, num mundo cada vez mais interdependente e no qual o poder se dilui num número crescente de atores, várias culturas podem se influenciar mutuamente. Porém, o que por vezes é chamado de ‘imperialismo cultural’, essa imposição em larga escala, exige uma ampla capacidade de financiamento que só pode ser sustentada pelo centro do Sistema Internacional. É o que podemos identificar na indústria cinematográfica americana.

As produções hollywoodianas não encontram equiparação em termos de alcance e de rentabilidade. O cidadão comum dificilmente terá acesso ou terá seu interesse despertado pelo cinema dito alternativo. Portanto, consomem-se sempre os mesmos valores e ideais constantemente repetidos nos filmes norte-americanos cujas produções são controladas por um restrito grupo de empresas. Valores esses que são representativos do estilo de vida americano, o que torna tais produções meras peças publicitárias que buscam, sobretudo, consolidar mundialmente a cultura do consumo, originalmente criada naquela sociedade.

Só que junto com o fator comercial de interesse capitalista, se carregam valores e representações sociais que patrocinam a marginalização de determinados grupos na sociedade. Tomando as mulheres como exemplo, pode-se falar como a falta de protagonistas mulheres e a resistência com diretoras no ramo além de refletir a desigualdade de gênero característica da sociedade em que vivemos, contribui para a sua perpetuação. A típica representação da mulher dos filmes hollywoodianos e a determinação de um padrão de comportamento ou, mesmo, de beleza, causa impactos sociais graves, sobretudo, quando se trata de produções voltadas para o público infantil. 

Quanto a isso, muitas críticas já vêm sendo tecidas e há grupos de ativistas que tentam transformar tais representações. A reportagem do NY Times: ‘Lights, Camera, Taking Action’ que fala sobre o assunto traz estatísticas preocupantes tal como a referente ao ano de 2012, e mostra que 28,4% de todos os personagens com fala no top 100 de lançamentos eram mulheres. Acredita-se que com uma representação mais equitativa, essa indústria poderia ser instrumentalizada de uma maneira diferente, que visa causar impactos positivos na sociedade.

Os diversos produtos culturais, tais como o cinema, a música, a mídia e a publicidade, podem não ser facilmente concebidos como instrumentos de poder pelo senso comum. Mas eles talvez sejam, justamente pelo seu caráter sorrateiro, um dos mais eficientes instrumentos de poder das Nações. Por mais que produzido por agentes diversos, eles podem ser utilizados estrategicamente para servir aos interesses estatais e/ou nacionais.

E por mais que qualquer nação possa se utilizar de tais estratégias, algumas terão maior capacidade. Alguns fatores como os recursos disponíveis, o desenvolvimento socioeconômico e os esforços intencionalmente direcionados para a criação dessa imagem a ser exportada irão influenciar nesse quesito. Nem todas as nações conseguem lidar com essa complexidade, mas fato é que desta forma se estabelecem redes de poder incrivelmente estáveis, pois se estruturam na consciência e comportamento humanos.

* Jéssica Ferreira é acadêmica do quinto período do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e membro do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".

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