sexta-feira, 24 de junho de 2016

O Terrorismo Islâmico Globalizado e a Teoria da Interdependência

Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais 1, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.


Por * Alinne de Oliveira Ross




O Terrorismo Islâmico

O século VII representou uma grande expansão do islã pelo Oriente Médio, África e Europa, dando mais visibilidade ao conceito de Jihad (esforço) e também à vontade de um Estado Islâmico sobre o poder de um califa, entretanto pode-se datar o surgimento do terrorismo islâmico moderno no século XVIII.
Com o surgimento do wahabismo de Muhammad ibn Abd al-Wahhab, este grupo objetivava expulsar do Islã tudo o que era considerado impuro, degenerado, como por exemplo, a cultura ocidental. Essa visão era ligada ao ramo sunita do Islã e deu embasamento para grupos que atuam hoje em dia e obviamente, se opunham ao ramo xiita defensores dos sucessores do profeta Maomé. A partir dessa pretensão de melhoria do mundo a partir do islã, o wahabismo é rígido e extremo em relação à interpretação do livro sagrado islâmico.
Na criação da Arábia Saudita de Muhammad Bin Saud onde a ideia wahabista        passou a ser incorporada e posteriormente exportada para os outros países do Oriente Médio, esta acabou tomando grandes proporções e tornando a Sharia (lei islâmica) cada vez mais importante, rígida e consequentemente punitiva.
Foi com o ataque da Al- Qaeda ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001 que o terrorismo islâmico passou a preocupar o ocidente. O ataque que matou aproximadamente 3000 pessoas e era o primeiro sinal de que o terrorismo havia deixado de ser um fenômeno regional para ser um fenômeno internacional.
Esse ataque evidenciou o desgosto árabe muçulmano com as frequentes intervenções norte-americanas e, portanto ocidentais, em seus territórios sempre impondo os ideais americanos de democracia e o “american way of life”. O terrorismo se tornou uma estratégia global de resposta aos anos de imperialismo que o Oriente Médio sofreu, sendo esta fortemente pautada no terror e nas armas.
Surge aí o fundamentalismo, ou seja, a fusão entre a questão religiosa e política com pretensões da instituição de um califado, de um Estado Islâmico sob um regime radical e livre da intervenção externa.
A partir da Al-Qaeda surge outro grupo de grande visibilidade no sistema internacional principalmente após os ataques à cidade de Paris e à divulgação da imagem do menino Aylan Kurdi numa praia na Turquia ao, assim como muitas pessoas das áreas lideradas pelo grupo, tentarem fugir em direção à União Europeia.
O grupo autointitulado Estado Islâmico, hoje estipulado em 50 mil combatentes pelo Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH) apenas no território sírio, surge com a retirada das tropas americanas no Iraque sendo uma ramificação da Al-Qaeda. Em 2014, Abu Bakr Al-bagdadi se autoproclamou líder do califado.
            Com ataques muito menos sofisticados do que a o grupo que os deu origem, o EI (também conhecido como ISIS) se mantém através da cobrança de impostos e do controle dos poços de petróleo. Além disso, o Estado Islâmico utiliza das técnicas da jihad 2.0, que consiste em um recrutamento feito por meios de comunicação e redes sociais.
            O grupo também é famoso por realizar ataques violentos e publicar vídeos de decapitações de seus inimigos, os quais primeiramente os xiitas e o governo sírio de Bashar Al-Assad e também o mundo ocidental.
            O que é fácil de perceber é a força que esses movimentos têm ganhado em questão militar, mas também de recrutamento, onde possuem uma ferramenta facilitadora, além da identificação de muçulmanos de todo o mundo com o movimento. E por isso voltou fortemente às pautas de pesquisas acadêmicas, aos jornais e revistas e é atualmente muito discutido.

A Teoria da Interdependência

Com seu início no pós-segunda guerra mundial, durante o período de guerra fria e principalmente durante a crise do petróleo, a teoria da interdependência surge admitindo a importância das questões econômicas no sistema internacional. 
Robert Keohane e Joseph Nye são os principais teóricos dessa corrente e em suas obras reconhecem a existência de processos transnacionais onde um dos atores envolvidos não é o Estado e esses processos geram a interdependência do sistema. Com maior número de atores e, portanto maiores possibilidades há um visível aumento da complexidade do sistema internacional como um todo.
Essa teoria entende que ações em determinada parte do grupo podem e vão impactar outra parte, ou seja, se afetam mutuamente e difere-se do idealismo no que diz respeito à integração, uma vez que essa coloca a integração como geradora da paz enquanto que na interdependência o conflito de interesses continua existindo.
Com a crise do petróleo e a questão econômica evidente ficou claro que havia uma fortíssima dependência dos países em relação ao petróleo da região do Oriente Médio. Em análise posterior buscou-se descobrir o porquê da não ocorrência de um conflito e a resposta se encontrou na descentralização do fornecimento desse recurso e percebeu-se que a autonomia poderia significar maior poder.
Para que se chegasse a conhecer a teoria da interdependência como esta é hoje houveram quatro fases essenciais de expansão que compreendem: as grandes navegações e a saída do comercio do continente europeu; a revolução industrial e posteriormente a industrialização de outros países; a segunda guerra mundial e a criação de Organizações Internacionais e multinacionais; avanço tecnológico dos anos 70,80 e 90 com a baixa do valor dos transportes e desenvolvimento dos meios de comunicação.
Hoje, o isolacionismo em relação à interdependência pode causar atraso econômico, mas em compensação, os participantes dessa relação devem sempre ter uma estratégia de dependência relembrando a questão da autossuficiência que pode significar um aumento de poder.
Anteriormente à interdependência, as relações eram mais hierarquizadas, óbvias e simples, agora se caracteriza por sua complexidade que advém de um maior número de atores, canais múltiplos e temas múltiplos discutidos dentro dessa esfera.
Essa teoria pode ser analisada em quatro diferentes dimensões:
-Suas origens: questão social (ações dos atores) e questão natural (físico);
-Benefícios: complexos e imprevisíveis, diversidade de somas ao invés de somente 0;
-Custos relativos: efeitos do processo de interdependência
a) sensibilidade: quão sensíveis são os países no processo. Quanto é possível perceber os efeitos da interdependência;
b) vulnerabilidade: medidas tomadas para a redução da vulnerabilidade em longo prazo. Também depende da disponibilidade de substitutos, fontes alternativas.
-Simetria: Assimétrica e desigual ainda que os ganhos sejam positivos para ambos.
            A teoria também é composta pela globalização, ou seja, redes mundiais onde os países se unem em um vínculo em busca de objetivos em comum e o aprofundamento dessa cooperação pode desencadear a criação de instituições. Mesmo assim, as ações dos Estados ainda se regem pelos interesses nacionais.
            A globalização implica em rapidez de processos de interdependência através da revolução tecnológica aumentando impacto das ações humanas no sistema internacional. Essa rapidez se dá por conta do aumento da densidade das redes, da velocidade institucional e da participação transnacional.
Nas visões teóricas relativas à globalização, destaco por ter mais congruência com o tema a ser posteriormente abordado, o autor Boaventura de Souza Santos que estuda o fenômeno em quatro aspectos:
-Localismo globalizado: aspectos locais que se tornam globalizados;
-globalismo localizado: efeitos da globalização no contexto interno;
-cosmopolitismo: ampliação do movimento da sociedade civil no processo;
-patrimônio comum da humanidade: temas que devem ser discutidos no contexto global.

O terrorismo islâmico globalizado e a teoria da interdependência

Com os ataques de 11 de setembro, já supracitado, o mundo se viu diante de uma forte reação politica à globalização e ao imperialismo ocidental, principalmente norte-americano. Supostamente, o local foi escolhido por ser um símbolo da economia americana.
            Ao ser a primeira catástrofe testemunhada pela humanidade por meios televisivos, o ataque se utilizou não de tecnologias altamente sofisticadas, mas sim da internet. Hoje, com o Estado Islâmico, o recrutamento via redes sociais é o principal meio de angariar novos combatentes para o grupo e é conhecido como  Jihad 2.0. Em uma breve passagem do livro “Na pele de uma jihadista” de Ana Erelle, a autora retrata que há uma incompatibilidade com o uso dessa ferramenta criada no advento da globalização e o discurso antiocidental.
 Essa disputa imperialismo versus fundamentalismo islâmico, acirrada através das crises do petróleo pode também ser analisada do ponto de vista dos custos relativos, ou seja, os EUA apesar de aparentemente ganhar com essas intervenções por meio da conquista e controle de poços de petróleo, em contrapartida corre o risco de uma retaliação, vinda, por exemplo, com os ataques terroristas.
            Fato é que a teoria da interdependência admite a participação de novos atores influentes no sistema internacional e os terroristas certamente fazem parte desse novo grupo. A revolução tecnológica possibilitou que o terror se espalhe muito mais facilmente, mas também que o soft power do grupo no objetivo de conquistar novos membros seja mais rápido e eficiente podendo hoje terem combatentes em vários países fazendo ataques simultâneos, por exemplo.
            Com os processos de interdependência, o fluxo de informações é quase impossível de ser controlado e o Estado perde o poder de gerir todas as ações dentro de seus territórios. Entretanto, a possibilidade de o Estado Islâmico realmente se constituir como Estado soberano é mínima, pois apesar de terem domínio sobre alguns territórios do Oriente Médio, não tem todas as características constitutivas de um país e principalmente, não tem o reconhecimento internacional.
            Recolocando a questão do soft power, este funciona não só internacionalmente, mas também regionalmente. O grupo precisa de um apoio dos nacionais para que restem pessoas sob o califado e, portanto busca fornecer escolas, condições de vida, e querendo ou não seus objetivos são melhorar o local onde moram, o que raramente é dito pela mídia. Nye cita em suas contribuições, que a união do soft power (capacidade de influenciar) e hard power (capacidade de usar a força) juntas se transformam no que ele denomina o Smart Power e as organizações terroristas podem sim se enquadrar no smart power.
            O Localismo globalizado de Boaventura de Souza Santos é visivelmente um aspecto influente da teoria da interdependência no caso do terrorismo islâmico. Os EUA, como já citado, fizeram questão de exportar seus valores principalmente por meio do “American Way of Life” e com essa política conhecidamente imperialista, quebraram questões culturais, interferiram na economia e no modo de vida da população local de vários países do Oriente Médio.
Diante de todo o tema exposto, é imprescindível compreender que a globalização certamente teve impactos sobre as regiões continuamente exploradas do Oriente Médio e criou consigo um dos maiores desafios do século XXI, que são o terrorismo e o fundamentalismo islâmico. Ao mesmo tempo, vê-se que esses grupos se utilizam massivamente da internet, podendo assim promover ataques, a expansão de membros, e a disseminação do terror por meio da informação.


Bibliografia:
Mazetto, Francisco de Assis Penteado. O terrorismo na história. Disponível em: http://www.ecsbdefesa.com.br/fts/Terrorismo.pdf

Cardoso, Tatiana de Almeida Freitas Rodrigues. Os impactos da globalização no terrorismo, disponível em: http://www.cedin.com.br/static/revistaeletronica/volume8/arquivos_pdf/sumario/Tatiana%20Cardoso.pdf 

Cardoso, Arisa Ribas. O crime organizado transnacional: um estudo introdutório da questão na perspectiva da teoria da interdependência. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.6, n.1, 1º quadrimestre de 2011. Disponível em:
www.univali.br/direitoepolitica

Freire, Antonio Rodrigo Candido. O liberalismo e a teoria da interdependência complexa, disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=7410 

Erelle, Ana. Na pele de uma jihadista. Editora Paralela. 2015. Título original: Dans la peau d’une dijhadiste: Enquête au coeur des filières de recrutement de l’État islamique.

Nye, Joseph. Compreender os Conflitos Internacionais - Uma Introdução à Teoria e à História. Lisboa: Gradiva, 2002.


Sarfati, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.


Alinne de Oliveira Ross: aluna do 3 período do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. 

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