A seção Direito Internacional em foco é produzida por alunos do 3°
Período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a
orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele
Hastreiter e a supervisão do monitor da Disciplina, Gabriel Thomas
Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não
refletem o posicionamento dos professores ou da instituição.
O Caso Canevaro e os Limites da Proteção Diplomática
Guilherme Augusto,
Julia Ruschka e Maria Julia Torralba
O que é nacionalidade? Podemos ter
mais de uma? Em que circunstâncias? Essas são perguntas comuns para
internacionalistas e praticantes do Direito. Para respondê-las de forma
correta, é necessário um entendimento tanto no âmbito do direito internacional quanto
do doméstico, de cada país.
Nacionalidade, para Francisco Rezek,
é o vínculo político-jurídico entre o indivíduo e o Estado. Por
parte do indivíduo, destacamos o dever de submeter-se a todo o aparato jurídico
do país existente já ao seu nascimento, e em partes até regulador deste; por
parte do Estado, o dever de proteger seus nacionais nas mais diversas
circunstâncias, inclusive fora de seu território.
É importante destacar que
nacionalidade é um conceito diferente de cidadania. Nem todo nacional tem acesso
a todos os direitos, prerrogativa apenas dos cidadãos plenos, em quadros que
variam de acordo com a legislação de cada país. No Brasil, por exemplo, um
estrangeiro ou brasileiro naturalizado não pode chefiar os poderes Executivo, Legislativo
ou Judiciário, não pode ter carreira diplomática nem ser oficial das Forças Armadas
ou Ministro da Defesa; presos condenados com sentença transitada em julgado não
podem votar.
Com o avanço das relações entre os países,
emerge a possibilidade de um indivíduo possuir múltiplas nacionalidades. Embora
de extrema relevância para o direito internacional, como será demonstrado pelo
caso que em breve nos ocupará, é importante notar que a temática da
nacionalidade é regulada primariamente pelo corpo jurídico doméstico dos
países. Assim, sua aquisição depende da legislação de cada país.
Normalmente, suas formas de
aquisição são divididas em duas: originária (atribuída; primária) e derivada
(adquirida; secundária). A aquisição originária, em que os critérios para a
mesma já estão presentes ao nascimento, engloba principalmente o jus soli, em que se atribui a
nacionalidade aos indivíduos nascidos no território em questão, e o jus sanguinis, em que se atribui devido
ao parentesco de nacionalidade do país em questão. A atribuição de base
territorial é de especial relevância para o continente Americano, devido à miscigenação
de raças e laços sanguíneos. A aquisição derivada, por sua vez, ocorre de forma
voluntária e sempre depois do nascimento, comumente envolvendo o jus domicili, que diz respeito à
residência no país, ou o jus laboris,
relativo ao trabalho.
Não existe ao certo um limite total
de nacionalidades que alguém pode ter, pois depende tanto do cumprimento de todos
os quesitos necessários para cada nacionalidade pelo indivíduo, quanto da
legislação dos países com relação à multiplicidade de nacionalidades e tratados
entre os mesmos. Tomando como exemplo a legislação brasileira, um nacional nato,
isto é, de nacionalidade originária, que tem pais de nacionalidades estrangeiras
diferentes e que usem o critério do jus
sanguinis, poderá manter-se nacional dos três países, pois as
nacionalidades seriam obtidas de forma primária; agora, se o mesmo cidadão quiser
a nacionalidade de um país de forma voluntária e sem atender aos critérios da nacionalidade
originária, terá que abdicar da nacionalidade brasileira, assim como a dos
remanescentes países, se previsto nas leis dos mesmos.
Como já sabemos, é responsabilidade
dos países sempre proteger diplomaticamente seus nacionais. Mas e se uma pessoa com dupla
nacionalidade, residente em um dos países, enfrentar algum problema judicial:
poderá pedir proteção ao outro pais a que é vinculada? Esta pergunta ficou sem
resposta até 1912, quando o caso Canevaro
foi resolvido, representando um marco para o direito internacional ao colocar em
prova uma situação envolvendo a soberania de dois países, relativamente à
nacionalidade, além de outros fatores muito discutidos, como naturalização e
extradição.
Rafael Canevaro nasceu no Peru, o
que lhe garantiu, segundo a legislação do país, a nacionalidade peruana; por
ter pai italiano, em concordância com a legislação da Itália obteve também a nacionalidade
italiana. Era acionista majoritário junto ao pai Giuseppe Canevaro e o irmão
José Francisco César na empresa Canevaro
& Sons, instalada pelo pai no Peru anos antes.
Durante a Guerra do Pacífico (1879-1883),
envolvendo o Chile, o Peru e a Bolívia, o então presidente peruano Nicolás de
Pieróla, devido à necessidade de aumento de capital, emitiu um decreto possibilitando
que empresas comprassem bônus de crédito que deveriam ser devolvidos com juros
pelo governo após o fim da guerra, fazendo assim com que a Família Canevaro se
interessasse e decidisse comprar uma quantia dos mesmos.
Com o fim da guerra, parte do que o
governo peruano devia à empresa não foi pago, e com a morte do pai em 1883 e do
irmão em 1900, a empresa foi dissolvida e os bens divididos entre Rafael e seus
parentes italianos Napoleão e Carlos Canevaro. Devido ao não pagamento da
dívida por parte do governo e ao perigo de expropriação de seus bens devido a
um processo tributário, Rafael e seus parentes decidiram pedir auxilio ao
governo Italiano para resolver a situação.
Após diversas tentativas de
negociação e nenhum acordo estabelecido, foi acionado em 1910 o Tribunal
Permanente de Arbitragem, que dispôs para o caso um árbitro italiano, um
peruano e um francês. Em 1912, a instância decidiu por negar o pedido de
participação italiana em nome de Rafael, considerando o Peru como nacionalidade
efetiva do mesmo devido ao fato de que, além de ele ter nascido e residido
durante toda sua vida e praticado todas suas atividades empresariais e econômicas
no território peruano, havia protagonizado atos reservados somente a cidadãos
plenos, tais como concorrer ao cargo de senador e trabalhar como cônsul
autorizado tanto pelo Governo quanto pelo Congresso.
O Tribunal também decidiu que o Peru
tinha todo o direito de não reconhecer a nacionalidade italiana de Rafael para
os fins da disputa, para que o mesmo tivesse sua situação resolvida nos
tribunais nacionais. Por outro lado, estabeleceu que o Governo estava totalmente
equivocado em relação ao não pagamento da dívida, decidindo que deveria ser
paga com ainda mais juros acrescentados devido ao atraso, embora, por decisão
do Tribunal, somente aos parentes italianos, sendo a situação de Rafael
reservada ao judiciário nacional.
Esse caso trouxe grande discussão à época,
de tal forma que foi mais tarde decidido na Convenção de Haia de 1930 que, para
que não haja mais processos semelhantes, em caso de indivíduos de dupla nacionalidade,
os Estados não podem interferir nas relações entre si em matéria de proteção
diplomática, podendo somente juntos proteger diplomaticamente o indivíduo de
algum país terceiro em caso de alguma controvérsia. A regra, proveniente do
Art. 4 da Convenção, ficou conhecida como Master
Nationality Rule.
http://www.pcacases.com/web/sendAttach/516
REZEK. F. Direito internacional público 15. ed.
São Paulo: Saraiva, 2015.
FONTE DA IMAGEM:
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