A seção Direito Internacional em foco é produzida por alunos do 3°
Período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a
orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele
Hastreiter e a supervisão do monitor da Disciplina, Gabriel Thomas
Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não
refletem o posicionamento dos professores ou da instituição.
O Cárcel Palmasola Dentro da Embaixada Brasileira na Bolívia
Matheus
Silva, João Victor e Bruno Alcântara
O Cárcel
Palmasola é uma prisão de segurança máxima na cidade de Santa Cruz de la Sierra,
na Bolívia. Por 455 dias, entre 2012 e 2013, o senador boliviano Roger Pinto
Molina viveu também como um encarcerado, mas na embaixada brasileira na
Bolívia. Se fosse visto com seus pés para fora da embaixada, seria
imediatamente preso pela polícia boliviana devido a acusações de crimes de
danos econômicos ao Estado, estimados em pelo menos US$ 1.7 milhões.
Como prova de sua complexidade, o peculiar caso do
Senador Roger Pinto Molina – ou o intenso debate travado em torno do mesmo – culminou
no desligamento de Antonio Patriota do cargo de Ministro das Relações
Exteriores do Brasil.
Molina era um dos
principais parlamentares de oposição ao governo de Evo Morales. Devido a
acusações feitas pelo senador, inferindo que o presidente boliviano tinha participação
no tráfico de drogas no país, ele alegou perseguição política em meados de 2012,
defendendo que as acusações levantadas contra ele, como a de danos econômicos
ao Estado, eram, na verdade, de natureza política. Em razão dessa suposta perseguição,
o senador pediu asilo na embaixada brasileira em La Paz. Molina refugiou-se na
embaixada em 28 de maio de 2012. No dia 8 de junho, o governo brasileiro
confirmou a concessão de asilo político. Por mais de um ano, viveu como asilado
na embaixada brasileira. Segundo Eduardo Saboia, diplomata brasileiro que
substituía temporariamente o embaixador Marcelo Biato na Bolívia, em comunicado
ao senador brasileiro Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de Relações
Exteriores do Senado, Molina corria no país risco de vida.
No momento em que Saboia e Ferraço, depois de mais de um
ano, “tomam uma atitude de solidariedade humana”, como disse Ferraço e promovem uma ação de transferência de Molina da embaixada na Bolívia
ao território propriamente brasileiro em um carro diplomático, é que o caso se
torna polêmico.
A condição para que o senador Molina deixasse a Bolívia
rumando ao Brasil, em sua condição de criminoso ante o país, era que o governo
de Evo Morales concedesse um salvo-conduto, isto é, um documento permitindo a
livre transição do mesmo pelo território boliviano, fato que não aconteceu. Não
obstante, os brasileiros decidiram transferir o boliviano mesmo assim. A ação,
por certo, não agradou o governo do país. Juan Quintana, Ministro da Presidência
da Bolívia, disse em discurso público, enfurecido, que Molina deixou a Bolívia
como um criminoso comum, pedindo então ao Itamaraty explicações pelo ato,
repudiado. A ação também levantou controvérsias no Brasil, especialmente com
relação à autoridade daqueles que decidiram pela ação. Antes do ocorrido, por
exemplo, a Advocacia Geral da União já havia se posicionado contra a
possibilidade de concessão de carro diplomático para tal fim, posto que estaria
contrariando decisões do governo boliviano, que não autorizou o senador a
deixar o país.
Este complexo acontecimento deve ser analisado à luz do conceito
de asilo político e de sua normativa. O asilo político - que pode ser
territorial, se no território do país que o concede, ou diplomático, se em suas
embaixadas (naturalmente, este se convertendo eventualmente no territorial) - é
uma forma de proteção concedida por um Estado a alguém que sofre perseguição
individual. É, assim, de caráter humanitário e tem como único fundamento a
proteção por perseguição a crime ou motivo de natureza política, não podendo,
portanto, ser concedido em caso de crime comum. Diferentemente do que se refere
ao refúgio, partindo-se da distinção feita pelos países latino-americanos entre
os dois institutos, a concessão do asilo é considerada direito do Estado, sendo
ato discricionário e não sujeito à reciprocidade. O asilo político figura no
Art. 4 de nossa Constituição, como um dos princípios que regem o Brasil em suas Relações Internacionais. É de se destacar que, por figurar no artigo 4° e não no artigo 5° da Carta Magna, o referido instituto não é considerado direito fundamental do estrangeiro que o pleiteia, mas sim direito subjetivo do Estado de concedê-lo, ou não, conforme o caso concreto. Extremamente relevante nesse caso, ainda, é a
Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático, de 1954.
O Brasil, portanto, seguindo o hábito dos demais
países latino-americanos, concedeu asilo diplomático ao senador boliviano, ou
seja, permitiu que Molina permanecesse em sua embaixada sob sua proteção. Para
que esse asilo diplomático se estendesse a um asilo territorial, possibilitando
que o senador vivesse em território brasileiro sob tutela nacional, a Presidenta
Dilma Rousseff deveria requisitar um salvo-conduto ao presidente boliviano Evo
Morales. Recebido o documento, o senador boliviano poderia transitar até
território brasileiro sem a intervenção de oficiais bolivianos. A controvérsia
se deve ao fato que Molina partiu da embaixada brasileira na Bolívia rumando ao
Brasil antes que esse salvo-conduto fosse concedido.
Neste contexto, por um lado, percebemos uma transgressão
dos costumes latino-americanos em relação ao asilo, por não haver acordo entre
Brasil e Bolívia, tendo em vista que não foi concedido o salvo-conduto, e uma
insubordinação por parte de Eduardo Saboia ao conduzir o senador Molina para o
Brasil sem autorização prévia, em uma ação que pode se caracterizar como sendo
de fuga. Por outro lado, a atitude da Bolívia também deve ser problematizada.
Celso Lafer, comentando o caso, bem lembra o Art. XII da supracitada Convenção
de Caracas, que estipula que, concedido o asilo, o Estado asilante pode pedir a
saída do asilado para o território estrangeiro, sendo o Estado territorial
obrigado a conceder imediatamente o correspondente salvo-conduto, salvo caso de
força maior. Certamente não foi o caso, posto que o senador permaneceu por mais
de um ano na embaixada.
Também lembra o ex-Ministro das Relações Exteriores os Art.
IV e IX da Convenção, com relação à alegação da Bolívia de que se trataria de
crime comum: compete ao Estado asilante a classificação da natureza do delito
e, em todos os casos, será respeitada sua determinação de continuar a conceder o
asilo ou exigir salvo-conduto para o perseguido.
De toda forma, adicionamos, é possível considerar o caso
um acerto diplomático do Brasil quando o analisamos sob a perspectiva dos direitos
humanos, uma vez que Molina, segundo seu advogado, apresentava a saúde
fragilizada e sintomas de depressão, chegando até mesmo a mencionar suicídio,
depois de passar mais de um ano vivendo em um espaço de 20m², sequer contando
com banheiro próprio.
FONTES CONSULTADAS:
IMAGEM:
http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/internacional/governo-concede-refugio-a-senador-boliviano-roger-pinto-molina/
Nenhum comentário:
Postar um comentário