sexta-feira, 18 de março de 2016

Direito Internacional em Foco: O Cárcel Palmasola Dentro da Embaixada Brasileira na Bolívia








A seção Direito Internacional em foco é produzida por alunos do 3° Período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter e a supervisão do monitor da Disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento dos professores ou da instituição.

O Cárcel Palmasola Dentro da Embaixada Brasileira na Bolívia

Matheus Silva, João Victor e Bruno Alcântara 
            
 O Cárcel Palmasola é uma prisão de segurança máxima na cidade de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. Por 455 dias, entre 2012 e 2013, o senador boliviano Roger Pinto Molina viveu também como um encarcerado, mas na embaixada brasileira na Bolívia. Se fosse visto com seus pés para fora da embaixada, seria imediatamente preso pela polícia boliviana devido a acusações de crimes de danos econômicos ao Estado, estimados em pelo menos US$ 1.7 milhões.

Como prova de sua complexidade, o peculiar caso do Senador Roger Pinto Molina – ou o intenso debate travado em torno do mesmo – culminou no desligamento de Antonio Patriota do cargo de Ministro das Relações Exteriores do Brasil.
             
 Molina era um dos principais parlamentares de oposição ao governo de Evo Morales. Devido a acusações feitas pelo senador, inferindo que o presidente boliviano tinha participação no tráfico de drogas no país, ele alegou perseguição política em meados de 2012, defendendo que as acusações levantadas contra ele, como a de danos econômicos ao Estado, eram, na verdade, de natureza política. Em razão dessa suposta perseguição, o senador pediu asilo na embaixada brasileira em La Paz. Molina refugiou-se na embaixada em 28 de maio de 2012. No dia 8 de junho, o governo brasileiro confirmou a concessão de asilo político. Por mais de um ano, viveu como asilado na embaixada brasileira. Segundo Eduardo Saboia, diplomata brasileiro que substituía temporariamente o embaixador Marcelo Biato na Bolívia, em comunicado ao senador brasileiro Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Molina corria no país risco de vida.

No momento em que Saboia e Ferraço, depois de mais de um ano, “tomam uma atitude de solidariedade humana”, como disse Ferraço e promovem uma ação de transferência de Molina da embaixada na Bolívia ao território propriamente brasileiro em um carro diplomático, é que o caso se torna polêmico.

A condição para que o senador Molina deixasse a Bolívia rumando ao Brasil, em sua condição de criminoso ante o país, era que o governo de Evo Morales concedesse um salvo-conduto, isto é, um documento permitindo a livre transição do mesmo pelo território boliviano, fato que não aconteceu. Não obstante, os brasileiros decidiram transferir o boliviano mesmo assim. A ação, por certo, não agradou o governo do país. Juan Quintana, Ministro da Presidência da Bolívia, disse em discurso público, enfurecido, que Molina deixou a Bolívia como um criminoso comum, pedindo então ao Itamaraty explicações pelo ato, repudiado. A ação também levantou controvérsias no Brasil, especialmente com relação à autoridade daqueles que decidiram pela ação. Antes do ocorrido, por exemplo, a Advocacia Geral da União já havia se posicionado contra a possibilidade de concessão de carro diplomático para tal fim, posto que estaria contrariando decisões do governo boliviano, que não autorizou o senador a deixar o país.

Este complexo acontecimento deve ser analisado à luz do conceito de asilo político e de sua normativa. O asilo político - que pode ser territorial, se no território do país que o concede, ou diplomático, se em suas embaixadas (naturalmente, este se convertendo eventualmente no territorial) - é uma forma de proteção concedida por um Estado a alguém que sofre perseguição individual. É, assim, de caráter humanitário e tem como único fundamento a proteção por perseguição a crime ou motivo de natureza política, não podendo, portanto, ser concedido em caso de crime comum. Diferentemente do que se refere ao refúgio, partindo-se da distinção feita pelos países latino-americanos entre os dois institutos, a concessão do asilo é considerada direito do Estado, sendo ato discricionário e não sujeito à reciprocidade. O asilo político figura no Art. 4 de nossa Constituição, como um dos princípios que regem o Brasil em suas Relações Internacionais. É de se destacar que, por figurar no artigo 4° e não no artigo 5° da Carta Magna, o referido instituto não é considerado direito fundamental do estrangeiro que o pleiteia, mas sim direito subjetivo do Estado de concedê-lo, ou não, conforme o caso concreto. Extremamente relevante nesse caso, ainda, é a Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático, de 1954.

 O Brasil, portanto, seguindo o hábito dos demais países latino-americanos, concedeu asilo diplomático ao senador boliviano, ou seja, permitiu que Molina permanecesse em sua embaixada sob sua proteção. Para que esse asilo diplomático se estendesse a um asilo territorial, possibilitando que o senador vivesse em território brasileiro sob tutela nacional, a Presidenta Dilma Rousseff deveria requisitar um salvo-conduto ao presidente boliviano Evo Morales. Recebido o documento, o senador boliviano poderia transitar até território brasileiro sem a intervenção de oficiais bolivianos. A controvérsia se deve ao fato que Molina partiu da embaixada brasileira na Bolívia rumando ao Brasil antes que esse salvo-conduto fosse concedido.

Neste contexto, por um lado, percebemos uma transgressão dos costumes latino-americanos em relação ao asilo, por não haver acordo entre Brasil e Bolívia, tendo em vista que não foi concedido o salvo-conduto, e uma insubordinação por parte de Eduardo Saboia ao conduzir o senador Molina para o Brasil sem autorização prévia, em uma ação que pode se caracterizar como sendo de fuga. Por outro lado, a atitude da Bolívia também deve ser problematizada. Celso Lafer, comentando o caso, bem lembra o Art. XII da supracitada Convenção de Caracas, que estipula que, concedido o asilo, o Estado asilante pode pedir a saída do asilado para o território estrangeiro, sendo o Estado territorial obrigado a conceder imediatamente o correspondente salvo-conduto, salvo caso de força maior. Certamente não foi o caso, posto que o senador permaneceu por mais de um ano na embaixada.

Também lembra o ex-Ministro das Relações Exteriores os Art. IV e IX da Convenção, com relação à alegação da Bolívia de que se trataria de crime comum: compete ao Estado asilante a classificação da natureza do delito e, em todos os casos, será respeitada sua determinação de continuar a conceder o asilo ou exigir salvo-conduto para o perseguido.

De toda forma, adicionamos, é possível considerar o caso um acerto diplomático do Brasil quando o analisamos sob a perspectiva dos direitos humanos, uma vez que Molina, segundo seu advogado, apresentava a saúde fragilizada e sintomas de depressão, chegando até mesmo a mencionar suicídio, depois de passar mais de um ano vivendo em um espaço de 20m², sequer contando com banheiro próprio.

FONTES CONSULTADAS:
IMAGEM:
http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/internacional/governo-concede-refugio-a-senador-boliviano-roger-pinto-molina/

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