sexta-feira, 22 de abril de 2011

Ditaduras e crescimento econômico


Luciana Yeung


     Foto: Arquivo Nacional/Correio da Manhã

De tempos em tempos, ouve-se gente defendendo os regimes ditatoriais, pois eles seriam mais propícios a um país que quer sair de um estado de sub-desenvolvimento para o de desenvolvimento. Estas pessoas argumentam que a ordem, a disciplina e o planejamento estratégico de políticas econômicas – cruciais para se ter o “empurrão para a frente” – seriam mais garantidos, senão somente garantidos, através de regimes “fortes” e centralizadores.
Parece que há vários exemplos comprovando este argumento: o “milagre econômico” brasileiro da década de 1970 somente teria ocorrido graças a ditadura militar; o exemplo clássico dos quatro “tigres asiáticos” (na verdade de três, pois Hong Kong não foi submetido a uma ditadura) e até mesmo do Japão – que foram os casos mais bem-sucedidos de rápida industrialização do século 20 – parece indicar que não há como crescer sem um estado forte, autoritário e não-democrático. Finalmente, escancarando na frente de nossos olhos estaria o caso da China de hoje: tão espetacular quanto seu crescimento econômico parece ser a capacidade de o Estado Chinês controlar o que fazem, dizem, escrevem ou pensam sua população.

Entretanto, toda essa estória é furada. Pode-se dizer que os países mencionados acima, e principalmente a China, conseguiram crescer a despeito de suas ditaduras. Vale lembrar que Japão, Coréia do Sul e Taiwan apressaram-se a democratizar seus regimes políticos tão logo alcançaram um certo grau de desenvolvimento econômico (o terceiro “tigre asiático”, Cingapura, é um caso à parte porque é uma cidade-estado). A sabedoria política talvez tenha sussurrado àqueles governantes asiáticos um fato: a falta de democracia não convive bem com a opulência econômica.
Nos casos em que a opulência veio primeiro, a democracia teve logo que ser perseguida. Mas os verdadeiros casos de desenvolvimento industrial foram alcançados em nações que já haviam garantido a democracia, quando já se tinha alcançado um avançado grau de civilidade social, cultural e política: a Grã-Bretanha, a França, os Estados Unidos e até mesmo nosso vizinho Chile, entre outros. Somente em regimes democráticos o crescimento econômico se traduz em melhoria no nível de bem-estar de toda a população.
Regimes autoritários, quando conseguem crescer, necessariamente acabam privilegiando poucos – normalmente aqueles ligados ao poder, político e/ou econômico. Isso foi exatamente o que aconteceu durante o “milagre econômico”: maior crescimento, porém, maior concentração e desigualdade de renda (sem contar na “bomba” econômica que explodiu nos anos 1980 como conseqüência daquele falso milagre). Por fim, temos os casos extremos de ditadura no mundo atual. Se regimes autoritários fossem realmente positivos para o desenvolvimento econômico, então Cuba, Coréia do Norte e Venezuela deveriam ser países com altíssimas taxas crescimento.
Na verdade, a contradição entre ditadura e crescimento é atualmente a grande dor de cabeça dos governantes da China. O Estado Chinês sabe muito bem que não conseguirá reprimir para sempre os anseios democráticos da população. Parece uma bomba-relógio: quanto mais cresce a economia e quanto mais a riqueza vai atingindo parcelas significativas da população (ela ainda é muito concentrada), mais fortes e incontroláveis vão se tornando as demandas populares por democracia. É uma questão de tempo.
E as supostas “fraquezas” da democracia: alternância do poder, a necessidade de agradar o eleitor com medidas demagógicas, etc.? Hoje em dia não há muito mais dúvidas: para que um país cresça consistentemente é preciso que a população seja educada e bem-informada, ou tenha aquilo que o cientista político norte-americano Mancur Olson chama de “capital humano cívico”. Um país que tenha capital humano cívico alto saberá demandar de seus políticos regras claras e compromissos de longo prazo para a execução de políticas que aumentem o bem-estar social, independente de quem esteja no poder. A alternância de poder não quer dizer, necessariamente, a inexistência de políticas consistentes e de projetos nacionais estratégicos. Os políticos poderiam ser destituídos e não reeleitos justamente porque não prosseguiram com as políticas inicialmente prometidas ou implementadas.
Todas as estórias parecem sempre acabar na mesma conclusão... Na verdade, capital humano cívico é muito mais do que educação pura e simplesmente... Ainda um longo caminho a seguir para nós, brasileiros...
PS: O regime político chinês apresenta algumas características aparentemente contraditórias. É sabido que existe uma certa democracia política nos governos locais (municipais), onde existem até mesmo eleições diretas. Também contra o que se diz comumente, a propriedade privada é fortemente garantida em algumas regiões do país. 

“Ditadura e crescimento” foi publicado blog "Mudanças Abruptas" (mudancasabruptas.com.br) em 18/10/2010.


Luciana Yeung é Doutora em Economia pela Escola de Economia de São Paulo da FGV-SP e professora de Economia do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. 

2 comentários:

  1. Bom não sei se regime ditadorial e economia caminham junto,mas os dois sistemas interdependem um do outro,assim como na república e demais outros sistemas de governo. o que se sabe é que;em muitos países com regimes de governos muito fechado o sistema econômico não é tão vulverável e volátil como nos sistemas democráticos,talvez seja devido a "rigidez" do chefe de estado no que diz respeito ao cumprimento de metas estabelecidadas pela sua equipe econômica. mas todo mundo sabe que na época da ditadura militar,o brasil teve seu maior PIB,o famoso "milagre econômico" citado no texto acima,mas também devemos ressaltar que foi o período onde os governos militares construíram as maiores obras brasileiras é o caso da ponte-rio-nitéroi,itaipu binacional,usina hidrelétrica de Tucuruí no Pará e demais outras obras de grande porte. O Japão viveu sua época de ouro por volta do final do século XIX e início do século XX,onde o mesmo deixou para trás sua política do sakoku(país fechado),implantada pelo regime xogunato até meados do ano de 1868,onde esta política só trouxe atrasos econômicos e industriais para a nação,e depois deste período o mesmo abriu as portas para o ocidente com aberturas de portos e comércio internacional,desta forma o Japão expeliu seus ares de potência na guerra russo-japonesa e também na guerra sino-japonesa com a China,segundo alguns analistas o japão "copiou" o modelo industrial implantado em alguns países da europa como no caso da Alemanhã,mas vale lembrar que naquela época o Japão não tinha democracia era uma espécie de monarquia imperial,com auto poder centrado no crescimento da nação e expansionismo comercial.
    A China é historicamente uma velha conhecida com seus ânimos ganaciosos de crescimento,não foi de ontem para hoje que a China começou a crescer,já na época das grandes dinastias chinesas existia esta preoculpação com o crescimento da nação,manutençao de metas estabelecidas e processos de industrialização. com a chegada dos comunistas ao poder a partir da década de 1970 do século XIX,também surgiu das ideias dos comunistas a duplicagem de suas produções tanto dos produtos do campo como arroz e milho,como da indústria no caso do carvão mineral produção de ferro e aço,onde foram postas certas metas a serem cumpridas,onde se chamou de "o grande salto",por Mao Tsé Tung. mas de fato nós percebemos isto agora com este patamar do seu PIB chegando a altura de 10 a 13 por cento de crescimento/anual,mas não existe uma mágica e nem uma fórmula correta para que os governos acertem de vez as suas economias e seus crescimentos desejados,o capitalismo traz consigo uma volatilidade muita alta e periga os sistemas financeiros do mundo todo,pode-se dizer que não é um sistema confiável,porque depende da reação mercadológica do dia seguinte e tampouco poderemos afirmar que existe solidez,pode até existir mas é de pouca durabilidade. outro fator que mexe tanto com o imaginário nosso e com os das economias mundiais,são as desigualdades comerciais existentes,onde nações ricas continuam mais ricas e as pobres continuam mais pobres em um sistema corrompido por ambições financeiras.
    na minha opinião os sistemas de governos seja lá qual for ele,estão diretamentes ligados ao processo econômico,ou seja o mercado não reage sozinho sem ter uma pitada do governo seje ele ditadorial,democrático,monárquico etc. é como se fosse duas engrenagens,uma depende da outra caso quebre um dente o sistema falha provocando distúrbios em todo o conjunto. talvez se os nossos governos fossem mais responsáveis na aplicação dos recursos do estado,se preoculpassem com as reformas necessárias ao crescimento do país,combatessem mais a corrupção e cumprissem suas metas estabelecidas,a nossa economia não seria tão volátil e ineficaz em tantos quesitos que deixam a desejar.

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  2. Eu diria que o crescimento econômico ocorrido em um regime ditatorial leva não necessariamente à democracia, ou mesmo democratização, mas sim a um cenário de maior instabilidade política.
    Desde os Gregos sabemos que um indivíduo, para atuar politicamente, não deve ter de se preocupar com a manutenção da sua vida(no sentido natural/biológico). Ou seja, uma população famélica dificilmente irá rebelar-se contra um governo autoritário, já que os indivíduos são compelidos pela necessidade a buscar sua autosubsistència diária ao invés de se engajarem em programas políticos. Logo, a partir do momento em que o país cresce e um grupo de indivíduos não ligado ao poder passa a ter condições de agir politicamente, este assim o fará.

    No entanto, a construção da democracia depende da apreensão de um conjunto de valores pela sociedade que não decorre pura e simplesmente da melhoria das condições econômicas. O nascimento do capital humano cívico não tem relação direta com o desenvolvimento econômico, como o provam divesas sociedades européias e a americana, onde ele precedeu o crescimento.

    A manutenção de uma sociedade democrática obviamente passa por um cenário de desenvolvimento econômico que possa garantir condições razoáveis de sobrevivência a todos, mas a relação inversa não parece verdadeira.

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