quinta-feira, 14 de abril de 2011

Das Responsabilidades na Guerra da Líbia

Por Diéllini Karla Jacomuni*


Ao estruturar um diálogo entre análises da Escola Inglesa e a Guerra da Líbia, o presente artigo busca tecer breves considerações sobre o envolvimento de Estados e da Organização das Nações Unidas (ONU), que interferem decisivamente quanto à sobrevivência do regime de Kadafi. Espera-se, assim, estimular o avanço da discussão sobre o tema no país, aproximando-se de entendimentos quanto as ações militares da coalizão internacional, liderada atualmente pelos Estados Unidos. Trata-se, então, de interpretar os princípios normativos – implícitos e explícitos – defendidos pelos diversos atores deste processo sob à luz da Escola Inglesa. Para tanto, utilizaremos as três dimensões de responsabilidade – nacional, internacional e humanitária – de modo a criar um referencial de análise que estabeleça aproximações entre o Realismo, o Racionalismo e o Revolucionismo sobre o estudo de caso proposto.
É muito comum quando nos deparamos com as teorias de R.I que às vejamos de forma autônoma umas às outras. Esquecemos que, muitas vezes, na prática, como instrumentos indispensáveis para a organização de fatos, essas teorias formam um conjunto, mesmo quando não percebemos estar usando-as simultaneamente, para compreendermos de fato o que acontece nas relações internacionais, e entendermos o comportamento dos chefes de Estado diante da política interna e externa, ou seja, diante de sua própria nação e da sociedade internacional como um todo; e como isso influi em decisões com âmbito internacional.
Como, por exemplo, o modo em que as teorias explicam e procuram prever o comportamento dos países membros do Conselho de Segurança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU) em relação à revolta interna na Líbia, como veremos posteriormente.
Para compreendermos de que modo as três abordagens (realismo, racionalismo e revolucionismo) da Escola Inglesa de R.I, iluminam a compreensão sobre o envolvimento dos países na guerra da Líbia, devemos ter em mente as obrigações e direitos às quais o Estado é submetido (a obrigação de manter a justiça e a ordem internacionais, o direito à soberania, etc.). Também, é necessário que vejamos os Estados e a comunidade internacional como conjuntos finitos às vontades humanas, isto é, como são fruto de relações humanas, os países e a sociedade internacional só existem enquanto o desejo e a necessidade de viver em comunidade, das pessoas, coexistirem com eles.
Quando essas comunidades formam nações e possuem representantes, chefes de Estado, é que podemos pensar em relações internacionais; as quais são mantidas através do respeito a uma série de responsabilidades internas e externas, que dão origem às teorias de R.I, essas, que são entendidas, por alguns estudiosos, como parte da Teoria Política.
Dentre as várias responsabilidades às quais o Estado se submete, temos:
a)    Responsabilidade nacional: consiste nos interesses próprios, da nação. Assim, temos que os Estados devem visar o próprio bem-estar. Cabe então ao chefe de Estado defender o interesse nacional e criar oportunidades para o desenvolvimento da nação, assim como resguardar suas fronteiras, proteger seus nacionais, de forma a garantir as condições mínimas de sobrevivência do stato. Essa concepção realista de reconhecer que os Estados fazem um cálculo-estratégico de poder ao se relacionarem no sistema internacional dá origem aos preceitos de autores como Maquiavel e Hobbes. Nesse sentido, para os realistas, o Estado só colabora com outro quando sente necessidade e/ou é vantajoso para sua própria nação. Comprovando esse pensamento temos a teoria familiar da obrigação política, que, segundo Robert Jackson e Georg Sorensen, “considera o Estado como uma comunidade política autônoma, que é moralmente anterior a quaisquer associações internacionais”.
Isso se aplica, de forma prática, no comportamento do Conselho de Segurança (CS) em relação ao conflito na Líbia; que, como só envolve os líbios e não é prejudicial nem traz benefícios a outros países, assim, uma intervenção externa não se torna conveniente, como na decisão da Rússia, a qual discordava de uma intervenção internacional, que mesmo tendo o poder de veto, preferiu abster-se à votação na resolução, deixando traços (passíveis de várias interpretações) de que concordaria com o que fosse decidido, sem se envolver diretamente, já que o conflito não diz respeito ao país russo.  
b)    Responsabilidade internacional: entendida como um conjunto de obrigações exteriores que coexistem à sociedade internacional. Consiste em reconhecer os outros Estados como soberanos e respeitá-los; cumprir o Direito Internacional; agir de boa-fé no comércio, nas ações diplomáticas; manter a paz – esta que depende da não agressão, por parte dos Estados que compõe a sociedade internacional, nas relações exteriores.
Esta é uma concepção da abordagem racionalista; que se aplica, por exemplo, no dever, à que os Estados estão sujeitos, de respeitar o direito à soberania da Líbia e a obrigação de promover a paz. Encontramos aqui, uma divergência que interfere em uma resolução rápida por parte do CS; como exemplo, a decisão de alguns membros do CS (Brasil, China, Rússia, Alemanha e Índia) em absterem-se da votação da resolução do Conselho de Segurança, por defender a solução pacífica de controvérsias e criticar uma ação militar, por acreditarem que uma intervenção exterior poderá intensificar os conflitos na região, como divulgado por vários analistas internacionais.
c)    Responsabilidade humanitária: resume-se na obrigação de respeitar os direitos humanos dentro da sociedade mundial, já que, como visto anteriormente, os Estados são formados por pessoas; pensamento típico revolucionista, que nos leva ao princípio de Kant, o qual visa que outros países, também, são formados por pessoas, assim como o nosso, e antes de todos nós sermos cidadãos de um estado e de uma sociedade de Estados, somos seres humanos e o respeito deve ser mútuo; questão presente, também, na Carta da ONU.
Neste sentido podemos averiguar a situação acima como justificativa para uma intervenção exterior na Líbia, já que o comportamento agressivo por parte do governo de Kadafi, em suas ofensivas contra os revoltos, fere o direito à vida, norma fundamental dos Direitos Humanos; assim, os Estados têm a obrigação de proteger a sociedade líbia do próprio governo.
Essas responsabilidades, conforme discutido trazem teorias e conceitos, da Escola Inglesa, que divergem entre si e, ao mesmo tempo se complementam, trazendo, assim, discordâncias das obrigações na política externa, com as quais os chefes de Estado têm de lidar para efetuar e sustentar as relações internacionais. Como é o caso que vimos no decorrer deste artigo, onde, a indecisão dos Estados e organizações como o CS e OTAN, de encontrar um fato comum que os levem a um consenso para uma decisão cabível ao contexto líbio, sem ferir os Direitos Internacionais, reflete na demora da formação e na prática de uma resolução.
  Assim, temos que uma teoria isolada não consegue dar conta da complexidade existente no conflito da Líbia, sendo necessário analisar os fatos a partir das três responsabilidades, cada uma tratando e explicando um prisma de análise específico.


* Diéllini Karla Jacomuni é aluna do terceiro período do curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.

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