Fernando Yazbek*
Desde
que a primeira morte por coronavírus foi registrada no Brasil, no dia 17 de março
de 2020 em São Paulo, não se fala em outra coisa. A grande mídia tradicional,
ora acusada do oligopólio dos meios de comunicação, viu o Covid-19 monopolizar
o que é notícia no país. Há em curso uma cobertura jornalística monotemática
nunca antes vista, nem em época de Copa do Mundo, Olimpíadas e eleições. A
novela das nove diminuiu de tamanho e o telejornal ganhou mais minutagem. Os
classificados e as palavras-cruzadas saíram dos jornais impressos para abrir
espaço para mais páginas de saúde, circulação de pessoas, serviços essenciais
na quarentena e - infelizmente - obituário. Até os cadernos específicos de
economia e política só repercutem os impactos do vírus nessas pautas.
A
cada hora somos inundados com informações de um novo caso num estado, da mais
recente morte numa cidade do interior e da última entrevista coletiva das
autoridades. Sabemos como a imprensa brasileira vem noticiando a pandemia. Mas
como as redações dos outros países enxergam o Brasil neste momento? O que é manchete nos principais jornais do mundo
sobre nós? Analisa-se, abaixo, como as redações de fora repercutiram o Brasil
desde o primeiro caso do novo coronavírus reportado no país até o
pronunciamento em cadeia nacional do Presidente da República Jair Messias
Bolsonaro, na terça-feira 24 de março.
O americano
The New York Times deu, ainda em 26 de fevereiro, que “Brasileiro que
visitou Itália é o primeiro paciente do coronavírus na América Latina”. A matéria,
mesmo que em alerta, ressalta o grande sistema público de saúde brasileiro. O
que mais foi notícia nos Estados Unidos em relação ao Brasil no início da
proliferação do vírus pelas Américas foi o contato do secretário de comunicação
do governo Bolsonaro, Fábio Wajngarten, infectado pelo coronavírus, ter tido
contato direto com o presidente Donald Trump no estado americano da Flórida.
Incidente foi visto como constrangedor. Ainda no Times, artigo de opinião
critica duramente não só o governo, mas em especial a postura do presidente
Jair Messias Bolsonaro, acusando-no de omissão no que seria a “pior crise sanitária
do Brasil moderno”. O texto também aponta as falas anti-democráticas e
distantes da realidade do chefe da nação.
Muda
o país, mas o entendimento sobre Bolsonaro na crise do coronavírus é o mesmo. O
alemão Deutsche Welle manchetou que o presidente brasileiro “contraria
consenso científico sobre a covid-19”, enquanto o espanhol El País
profetizou que “amanhã pode ser tarde demais para deter Bolsonaro”. Latinos e
germânicos veem o ex-capitão se aproveitando de uma epidemia para “minar
instituições democráticas” com seu “estilo de aprendiz de ditador”
No
melhor estilo argentino, o vizinho La Nacion misturou futebol e política
para notificar o coronavírus no Brasil. O periódico se valeu de uma postagem no
Instagram do lateral-direito da seleção canarinha, Daniel Alves, em que o
multicampeão crítica, muito respeitosamente, a postura do presidente. La
Nacion enfatiza que Bolsonaro tem “baixado o tom” reiteradas vezes durante
esta calamidade.
Em Portugal,
o jornal Público repercutiu o isolamento político de Bolsonaro. Ex-aliados de campanha
e de ideologia, governadores tomam medidas que vão em rota de colisão com o que
manda o governo federal. É o caso de João Dória (PSDB) em São Paulo e Wilson
Witzel (PSC) no Rio de Janeiro. Os presidentes da Câmara dos Deputados e do
Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre (que está com o vírus) respectivamente,
também têm se distanciado do presidente, assim como o partidário Ronaldo Caiado
(DEM), governador de Goiás, que
anunciou rompimento com o Palácio do Planalto. Para o jornal, as atitudes
insensatas de Bolsonaro e a disputa politica pela sucessão presidencial em 2022
o afastaram de seus antigos cabos eleitorais.
No
dia 19 de março, o Le Monde deu destaque aos protestos que sofreu o
presidente pelas janelas das cozinhas Brasil à fora. O panelaço repercutiu
principalmente na mídia francesa pela crise diplomática aberta por Bolsonaro
com o presidente Emmanuel Macron na metade de 2019, por conta das queimadas na
selva amazônica. A briga entre os chefes de estado envolveu também, à época, os
filhos de Bolsonaro e - grosseiramente - a primeira dama parisiense.
O
cubano Granma foi o único periódico, nacional e internacional, que deu
mais atenção ao ex-presidente Lula que a Bolsonaro. O que é razoavelmente
esperado, uma vez que se trata do panfleto oficial do partido comunista da
ilha. O texto trata especificamente do que hoje pode ser tratado como o maior símbolo
de soft power castrista: a medicina. O povo brasileiro será sempre grato
- diz o petista na matéria -pela vinda dos médicos cubanos ao Brasil no
programa Mais Médicos. Lula fala da emoção em ver cubanos desembargando na Itália
no dia 23 de março, país com maior número de mortos na pandemia, e diz se
tratar de um gesto “verdadeiramente grande” de solidariedade revolucionária.
O
governo brasileiro há tempos não tem uma boa imagem no exterior. Desde a crise
das queimadas na Amazônia, passando pelas constantes ameaças à democracia
brasileira e à soberania de países como Venezuela e Cuba, a mídia internacional
volta os olhos ao Brasil com certa preocupação. A pandemia do Covid-19 não
parece ser a exceção para confirmar a regra de que Bolsonaro será criticado
pelos veículos midiáticos estrangeiros. E, pelas atitudes desencontradas do
presidente, o coronavírus não deixará de ser notícia tão cedo no Brasil.
Referências:
*Fernando Yazbek é aluno do segundo período de Relações Internacionais do UNICURITIBA e também cursa Ciência Política na Universidade Federal do Paraná. Além de integrar a equipe de 2020 do Blog Internacionalize-se, também é responsável pelo Blog Democratiba - que discute os meandros políticos que interferem na vida esportiva do Coritiba Foot Ball Club, seu time do coração.
Grande artigo, parabéns.
ResponderExcluirExcelente texto! Obrigada!
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