quarta-feira, 11 de março de 2020

Em pauta: A "bola fora" de Ronaldinho no Paraguai









Por Manuela Paola




            O MERCOSUL é um  bloco econômico fundado com o objetivo de integração regional, promoção da cooperação e do desenvolvimento dos países membros e associados. Dessa forma, diversos acordos são feitos visando manter as boas relações entre as nações. Um exemplo disso é o Acordo sobre Documentos de Viagem dos Estados Partes do MERCOSUL e Estados Associados, que permite aos cidadãos da Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru o trânsito entre as fronteiras sem a necessidade de um passaporte. Dito isso, surge a pergunta: por que Ronaldinho Gaúcho e seu irmão decidiram usar passaportes fraudulentos (autênticos, mas alterados) para entrar no Paraguai?
           
Não é que conseguir a nacionalidade de outro país do MERCOSUL não seja possível. No caso do Paraguai, após uma residência física por 3 anos - permitida, também, pela integração do MERCOSUL - o residente pode aplicar pela naturalização. Os passaportes de Ronaldinho e do irmão continham a informação de que eles eram paraguaios naturalizados, o que demandaria que tivessem passado por este processo. No entanto, não há informação de que Ronaldinho Gaúcho tenha vivido por este período no Paraguai e o Ministério Público informou que não houve pedido de naturalização por parte do ex-atleta.

 O MP paraguaio deteve duas mulheres que supostamente são as verdadeiras titulares dos passaportes. Além dos documentos de viagem, foram encontrados no hotel em que os irmãos estavam hospedados documentos de identificação paraguaios completamente falsos. As investigações estão caminhando para um denominador comum: a empresária Dália Lopez, que já vinha sendo investigada por suspeitas de evasão de divisas, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro, além de ser suspeita de ter fornecido os documentos adulterados para os irmãos. O empresário brasileiro Wilmondes Sousa Lira tinha projetos beneficentes em conjunto com Lopez e Ronaldinho Gaúcho; Roberto era quem cuidava de toda parte dos negócios. Para que o ex-atleta pudesse participar tranquilamente dos eventos, sugeriu-se a naturalização de ambos, assim como de Wilmondes. A empresária garantiu que os trâmites estavam em ordem e, na quarta-feira (4), Ronaldinho e Roberto assinaram os passaportes antes de passar pela imigração do Paraguai.

Outra possível explicação para a polêmica é que, desde a sua aposentadoria em 2018, o ex-atleta ingressou na carreira empresarial. Ele é sócio da 5xmais Holding Business e de uma marca de relógios, além de ter lançado uma criptomoeda. É provável que a motivação dos irmãos seja o fato de que os documentos paraguaios possibilitariam a participação em negócios de empresas nacionais que não aconteceriam sem a nacionalidade do país vizinho. Além disso, o Paraguai, por ter acordos comerciais com os Estados Unidos, facilita a expansão de negócios - possibilitando até mesmo a emissão de um tipo de passaporte para investidores -, além de desburocratizar o processo para tirar um visto estadunidense.

Além disto, não é a primeira vez que Ronaldinho e Roberto têm problemas com passaportes. Em 2015, a Justiça do Rio Grande do Sul condenou ambos por dano ambiental. O processo aconteceu por conta de uma construção de trapiche, com plataforma de pesca e atracadouro, na orla do Guaíba. Não havia nenhuma licença ambiental, além da construção estar em uma área de preservação permanente. A Justiça determinou a apreensão dos passaportes dos irmãos para obrigar a família a pagar mais de R$8,5 milhões em indenizações. Ambos foram proibidos de deixar o país e de renovar os documentos. Em 2019, o ex-atleta e seu irmão fizeram um acordo com o Ministério Público para receber os documentos, em troca do pagamento de fiança. As notícias apontam que os documentos foram, de fato, devolvidos ao jogador.

Ronaldinho e Roberto foram detidos na última quarta-feira, 4 de março, no hotel em que estavam hospedados em Assunção. Os irmãos estão presos preventivamente - podendo ficar nesse estado por até 6 meses -, enquanto aguardavam uma decisão judicial sobre prisão domiciliar. O promotor que investiga o caso, Osmar Legal, disse em entrevista à Folha de São Paulo que os dois devem permanecer em solo paraguaio até se descobrir a verdadeira motivação por trás do ato cometido. Mesmo sendo brasileiros, os dois irmãos devem ser julgados pelas autoridades do Paraguai. Neste caso, porém, por serem brasileiros, poderão receber a proteção consular necessária. Isto porque a Convenção de Viena sobre Relações Consulares preconiza que há diversas funções consulares, conforme o artigo 5° da Convenção, sendo algumas delas:

a) proteger, no Estado receptor, os interêsses do Estado que envia e de seus nacionais, pessoas físicas ou jurídicas, dentro dos limites permitidos pelo direito internacional;
e) prestar ajuda e assistência aos nacionais, pessoas físicas ou jurídicas, do Estado que envia;

O artigo 36 da referida Convenção ainda afirma que “A fim de facilitar o exercício das funções consulares relativas aos nacionais do Estado que envia: (...) b) se o interessado lhes solicitar, as autoridades competentes do Estado receptor deverão, sem tardar, informar à repartição consular competente quando, em sua jurisdição, um nacional do Estado que envia fôr preso, encarcerado, posto em prisão preventiva ou detido de qualquer outra maneira. c) os funcionários consulares terão direito de visitar o nacional do Estado que envia, o qual estiver detido, encarcerado ou preso preventivamente, conversar e corresponder-se com êle, e providenciar sua defesa perante os tribunais. Terão igualmente o direito de visitar qualquer nacional do Estado que envia encarcerado, preso ou detido em sua jurisdição em virtude de execução de uma sentença, todavia, os funcionário consulares deverão abster-se de intervir em favor de um nacional encarcerado, preso ou detido preventivamente, sempre que o interessado a isso se opuser expressamente.

Dentro deste contexto, o Brasil poderá adotar algumas medidas, como enviar um representante para realizar visitas a presídios para monitorar o tratamento recebido pelo craque e acompanhá-lo em audiências visando assegurar o devido processo legal. No entanto, há limites para a atuação das autoridades brasileiras no caso: não é possível interferir no processo judicial nem retirar Ronaldinho da cadeia. É importante frisar que as autoridades brasileiras não podem agir em desacordo com as leis do país, mesmo que sejam diferentes das leis brasileiras.

O Ministério Público paraguaio negou, no dia 10 de março, o pedido de Ronaldinho e seu irmão de transferência para uma prisão domiciliar para responder ao processo. Caso aprovado, os dois ficariam detidos em uma casa no bairro Itá Enramada. De acordo com o juiz Gustavo Amarilla faltaram documentos do imóvel que Ronaldinho queria dar como garantia (fiança). Além disso, ele afirmou que para o G1 que “[...]. Não podemos correr o risco de essa investigação acabar por causa de uma fuga ou de uma saída do Paraguai.” 

Por enquanto, a marcação continua cerrada em cima do  ex-craque da seleção brasileira e os dois irmãos permanecem no Centro de Agrupación Especializada de Assunção, que iniciou, no último dia 09, seu campeonato interno de futebol.


Referências

https://www.correiodopovo.com.br/esportes/ronaldinho-fica-fora-de-torneio-de-futsal-em-cadeia-do-paraguai-1.404082
https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/sob-os-olhares-de-ronaldinho-presidio-no-paraguai-inicia-campeonato-na-segunda-feira.ghtml
 


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