sábado, 21 de março de 2020

Em Pauta: A história da OMS e o papel da cooperação internacional no combate à doenças




 Por Manuela Paola e Vinicius Canabrava

A saúde foi uma das primeiras áreas a ter cooperação entre Estados. O motivo era mais comercial - uma vez que doenças transbordam fronteiras e afetam os negócios - do que humanitário. Por isso, em 1851, quando houve um surto de cólera pela Europa, foi realizada a Primeira Conferência Sanitária para decidir como controlar a doença e chegar a um acordo sobre as condições de quarentena marítima. Na VII Conferência, que tomou lugar em 1892, entrou em vigor a primeira Convenção Sanitária Internacional (que versou sobre a cólera, lá em 1851) e estabeleceu a quarentena marítima e inspeção médica de todos os navios que passassem pelo Canal de Suez. Após essas determinações, outras duas Conferências aconteceram e determinaram mais convenções sobre a cólera. Ainda, uma conferência realizada em Veneza no ano de 1897 determinou mais uma convenção, dessa vez sobre a prevenção da propagação da peste. Todas as quatro convenções resultaram em uma única Convenção Sanitária Internacional, em 1903. Mesmo assim, não havia uma organização mundial que pudesse versar sobre a saúde.

 Dessa forma, no final do século XIX, quando a febre amarela chegou na América Latina e nos Estados Unidos através do comércio marítimo, Ministros da Saúde de onze países se reuniram para cooperar e acabar com a epidemia. Acontecia, então, em 2 de dezembro de 1902, a Primeira Convenção Sanitária Internacional das Repúblicas Americanas. O encontro deu origem ao Escritório Sanitário Internacional, que se tornaria a Organização Pan-Americana de Saúde, um órgão de extrema importância que, em conjunto com a Organização Mundial da Saúde, foi capaz de erradicar doenças, como a varíola e a poliomielite, além de diminuir significativamente as taxas de incidência de hanseníase, sarampo, tétano neonatal e raiva. A OPAS também foi importante na década de 70, no contexto dos regimes autoritários na América Latina, onde atuou na revisão do ensino médico, na valorização das Ciências Sociais e no desenvolvimento da Medicina Social.

 A criação da Organização Mundial da Saúde foi precedida por dois outros órgãos: o OIHP (escritório internacional de higiene pública) e a Organização de Saúde da Liga das Nações. Era especulado que as duas se tornariam uma só, com o OIHP sendo incorporado na estrutura administrativa da Liga. No entanto, membros do escritório que não faziam parte da Liga vetaram a fusão. Assim, as duas coexistiram na Europa, cooperando mutuamente, juntamente com a Organização Sanitária Pan-Americana, a atual OPAS.

 Com a explosão da Segunda Guerra Mundial, surgiram outros assuntos urgentes e o trabalho com a saúde internacional foi interrompido. Mesmo assim, em abril de 1945, em uma conferência para a criação da ONU, os representantes do Brasil e da China apresentaram o estabelecimento de uma organização mundial de saúde e uma conferência para estruturar sua constituição. Em 1946, líderes se reuniram para elaborar propostas para a Constituição, que foram apresentadas na Conferência no mesmo ano, que redigiu e aprovou a Constituição da Organização Mundial da Saúde. Ela foi assinada por representantes de 51 membros da ONU, além de 10 outros países, em julho de 1946. Foi determinado, também, que até a Constituição da OMS entrar em vigor, uma comissão interina realizaria atividades de instituições já existentes. Além disso, a Constituição prevê que a OMS é uma agência especializada das Nações Unidas e que entraria em vigor quando 26 membros da ONU a ratificassem, que ocorreu em 7 de abril de 1948. Os organismos regionais, como a OPAS, continuam existindo, mas subordinados à OMS.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) começou a operar plenamente em abril de 1948, quando sua carta constitutiva foi implementada. Nela fica estabelecido que saúde é um direito humano básico, envolvendo as condições mentais, físicas e sociais, que deve alcançar todas as populações. Além disso, a Organização estabelece que os governos são responsáveis pela promoção da saúde em seus respectivos Estados.

Atualmente a OMS conta com 194 membros, os mesmos das Nações Unidas que devem entrar em consenso para aprovar novas estruturas e convenções no âmbito sanitário internacional. A estrutura da organização é financiada tanto pelos Estados quanto por empresas, o que pode se tornar um tanto polêmico quando se leva em consideração as grandes indústrias farmacêuticas, que não tem o seu interesse na saúde global.

A OMS trabalha desenvolvendo e distribuindo vacinas e medicamentos, promovendo estudos científicos e controlando doenças. No entanto, como a saúde envolve várias áreas  a OMS coopera com outros organismos, como a Organização Internacional do Trabalho e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura.

Já para que os Estados promovam a saúde, a Organização possui alguns instrumentos, como recomendações e declarações. Uma delas é o guia para a redução do consumo de açúcar, na qual a OMS recomenda que os governos implementem políticas públicas que mudem a rotulagem de produtos, controlem a circulação de produtos ricos em açúcares e tenham uma política fiscal mais rigorosa em relação a esses alimentos.

Por fim, mesmo utilizado apenas duas vezes, o acordo constitutivo da OMS prevê a criação de regulamentos obrigatórios. Atualmente os dois acordos são: A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, liderada pelo Brasil, que tem por objetivo proteger as gerações presentes e futuras das devastadoras consequências sanitárias, sociais, ambientais e econômicas geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco e o Regulamento Sanitário Internacional, que foca em ajudar a comunidade internacional a prevenir e responder a graves riscos de saúde pública que têm o potencial de atravessar fronteiras e ameaçar pessoas em todo o mundo.

Doenças transcendem fronteiras, como é claro observar com a proliferação do coronavírus e de tantas outras mazelas que passaram pelo planeta. Assim, fica evidente a importância da existência de uma instituição internacional na área da saúde, que permite uma cooperação técnica dos Estados em um assunto de importância imediata.


Referências
https://www.paho.org/bra/images/stories/GCC/portifolio_2015_web_final.pdf?ua=1
http://www.salud.gob.ar/dels/printpdf/167
https://www.asbran.org.br/noticias/guia-da-oms-recomenda-reducao-no-acucar
https://www.who.int/about
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42811/9241591013.pdf;jsessionid=C56AA29AEB492220228A2D6C362D6ADA?sequence=1
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5847:regulamento-sanitario-internacional-rsi&Itemid=812

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