quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Mobilidade Humana Internacional e Direitos Humanos: Suicídio no refúgio e a responsabilidade da comunidade internacional.

A seção "Mobilidade Humana Internacional e Direitos Humanos" é  coordenada pelo Prof. Thiago Assunção - professor de Direitos Humanos no UNICURITIBA - e engloba textos produzidos por seus alunos, sob sua orientação. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.







Suicídio no refúgio e a responsabilidade da comunidade internacional.




Eduarda Ortiz e Fernanda Azevedo*

“Contudo, os nossos suicidas não são rebeldes loucos que atiram desafios à vida e ao mundo, que tentam matar neles o universo. Seu, é um modo silencioso e modesto de sumir”


Hannah Arendt em seu famoso e brilhante texto “Nós, os refugiados” trata de um assunto até então inédito, o suicídio entre os refugiados. Instintivamente, e tendo o mínimo de ciência das situações enfrentadas por essas pessoas, antes, durante e depois da busca pelo refúgio, não nos parece absurdo que elas sejam forçadas a decisões desesperadas e cruéis no sentido de que não deveriam ser chamadas de escolha. Alguns estudos recentes, como da Organização Mundial de Saúde, vêm mostrando que em quase sua totalidade, os refugiados têm sua saúde mental prejudicada com problemas como estresse pós-traumático, distúrbios psicológicos, esquizofrenia e psicoses. Nesse contexto, parece impossível não tratar, também, do suicídio.

 

O suicídio, em geral, é um assunto que, por medo ou culpa, é ignorado e  permanece no limbo dos assuntos tratados tanto juridicamente quanto sociologicamente. Ironicamente, entre os refugiados, esse assunto é ainda mais negligenciado. No entanto, encontramos facilmente, e em um número maior do que desejávamos, relatos de pessoas ou, às vezes, grupos inteiros, que tentaram suicídio ou de fato se suicidaram. 

 

A falta de possibilidades e desesperança é tamanha, que atentar contra sua própria vida parece ser a única forma de protesto que lhes restam. Um exemplo disso são os refugiados que entraram em uma greve de fome ao serem ameaçados de ter que sair da Grécia em barcos e retornar à Turquia, pois preferiam a morte do que o retorno à um país que pouca ou nenhuma chance lhes deu. Um país que chegou a assinar o infame acordo com a União Europeia que, desafiando o princípio do “non refoulement”, estipulava que em troca de ajuda financeira deveria receber de volta os refugiados sírios que estavam na Grécia (por onde entrariam para a União Europeia). Ainda, nos Estados Unidos, os refugiados butaneses apresentam uma taxa de suicídio significativamente maior que a da média mundial e da própria média estadunidense. E há, também, aqueles cujo “optimismo eloquente” mudou rapidamente para o “pessimismo mudo”, e que encontram no suicídio a única solução ao perceberem que sua longa e cruel viagem não os levou a lugar nenhum.

 

Após a análise desses casos, nos parece inevitável a afirmação de que o suicídio entre os refugiados é um problema que não deve ser tratado apenas na temática da psicologia ou da sociologia, – ainda que mesmo nessas áreas esse tema ainda merece mais atenção – mas, também, como um resultado inevitável de péssimas políticas de acolhimento ou da total falta destas. Trata-se do desrespeito total aos direitos humanos e do direito internacional, que existe não só por parte dos países de origem dessas pessoas, mas também e, principalmente, dos países de destino. 

 

De forma geral, os deslocamentos humanos provocam um desequilíbrio emocional bastante grande nas pessoas, no entanto, isso é ainda maior entre os refugiados. Essas pessoas saem, muitas vezes, sem um destino certo, enfrentam caminhos extremamente perigosos e se chegam a sobreviver à fuga, ainda não chegaram nem perto de estarem à salvo. Hoje, percebemos que, mais do que nunca, a palavra refugiado carrega um estigma bastante insensível e falacioso que impede que essas pessoas encontrem qualquer lugar que possam de alguma forma chamar de casa já que seus empregos não serão mais os mesmos, seus diplomas provavelmente não valerão mais nada, qualquer contribuição que eles poderiam dar à seu novo país não é bem quista e nem mesmo considerada. 

 

Sejam os refugiados gregos que por desespero aceitaram a morte, ou os butaneses que morando nos Estados Unidos já não encontraram mais motivos para viver ou aqueles que tiraram suas próprias vidas por não aguentarem o preconceito, a marginalização e a consequente falta de perspectivas. É preciso uma discussão maior acerca desses casos, a responsabilidade de assegurar a vida do refugiado cabe ao Estado de acolhida, assim, programas sociais e políticas públicas para a prevenção do suicídio entre os refugiados, que visem integrar o refugiado e dar o apoio psicológico necessário, deveriam ser implementados e apoiados pelos Estados. Possibilitar que eles tenham algum senso de continuidade em termos acadêmicos e laborais, e mais respeito à importantes preceitos internacionais que buscam impedir, por exemplo, que um refugiado seja, como uma mercadoria, devolvido ao seu local de origem onde poderá correr grandes riscos. A maioria dos países que vêm recebendo refugiados proíbem o suicídio assistido, ou seja, as pessoas que habitam esses países não possuem o direito de dispor de suas próprias vidas, é bastante intrigante que os mesmos se abstenham de medidas que procurem evitar que isso aconteça com outros seres humanos pelo simples motivo de que estes nasceram fora de suas fronteiras.

 

Hannah Arendt, há mais de 50 anos, escreveu sobre a falta de interesse que as pessoas tinham em falar do passado dos sobreviventes do holocausto. Ela questionou o quão rápido eles tiveram de esquecer do passado e demonstrou que os imigrantes e os refugiados foram sempre tratados como sujeitos passivos, como vítimas em um país de salvadores. No entanto, mais absurdo e cruel do que os relatos dessa brilhante autora, é o fato de que à eles não foi permitida a anacronia. Há que se falar do passado, há que se questionar o presente, o problema do suicídio não pode ser desprezado e ignorado. A mobilização e conscientização cabe a toda sociedade internacional, desde os indivíduos até os Estados e Organizações Internacionais. Não podemos, mais uma vez, deixar que vidas sejam perdidas sem que o possível seja feito para impedir esta tragédia humana.


Fontes:
Assessing mental health and psychosocial needs and resources – OMS e ACNUR (2012)
Suicide and self-harm among refugees and asylum seekers – Centre for suicide prevention (2010)
http://news.bbc.co.uk/2/hi/south_asia/8128227.stm

*Eduarda Ortiz e Fernanda Azevedo são alunas do curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA e fazem parte do projeto de Iniciação Científica "Mobilidade Humana Internacional e Direitos Humanos", orientado pelo professor Thiago Assunção.






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