sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Acontece no UNICURITIBA: Entrevista com Silvia Xavier - Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Paraná


A Dra. Silvia Cristina Xavier é Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, da Secretaria de Justiça, Trabalho e Direitos Humanos do Estado do Paraná. Ela esteve no Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA no dia 25 de agosto de 2016, participando das atividades relativas ao Orange Day (Dia Internacional para Eliminação da violência contra a mulher), quando ministrou palestra acerca do Tráfico Internacional de Mulheres. 

Depois da palestra, a Dra. Silvia Xavier conversou com a Prof. Michele Hastreiter, para quem deu entrevista exclusiva para o Blog Internacionalize-se.

Confira! 


ENTREVISTA COM A DRA. SÍLVIA XAVIER 

Blog Internacionalize-se: O que é o tráfico de pessoas?

Dra. Sílvia Xavier: “Tráfico de pessoas” conforme o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, conhecido como Protocolo de Palermo, é “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos”.
O meio pelo qual o tráfico de pessoas é praticado fere por completo a dignidade humana e, muitas vezes, a própria integridade física da vítima, tornando-a extremamente vulnerável em decorrência de ameaças, uso da força, engano, rapto, abuso de autoridade, ou mesmo outras formas de coação.

Blog Internacionalize-se: Quais são as modalidades do tráfico internacional de pessoas?

Dra. Silvia Xavier: Existem as seguintes modalidades:
- Trafico de Pessoas – Trabalho análogo ao de escravo -  Modalidade mais visível do tráfico humano na contemporaneidade  em contextos urbanos e rurais.
- Tráfico de Pessoas – Exploração Sexual - Para prostituição e outras formas de exploração sexual de mulheres,crianças e adolescentes.
- Tráfico de Pessoas – Remoção de Órgãos - O tráfico de pessoas para remoção de órgãos começa com a venda dos próprios órgãos pela vítima. Trata-se de um mercado cruel, que explora o desespero de ambos os lados.
- Tráfico de Pessoas - Casamentos Servis – Jovens que vivem aparentemente como “esposas felizes” são mulheres que caíram no golpe do casamento com estrangeiros, levadas para o exterior, vendidas a terceiros, para cuidar de pessoas idosas e doentes ou obrigadas a se prostituirem.
- Tráfico de Pessoas – Adoção Ilegal -  constitui uma prática de sequestro e ocultação da identidade das crianças, muitas vezes através de partos clandestinos e adoções ilegal.


Blog Internacionalize-se: Como funciona a rede internacional de tráfico de pessoas?

Dra. Silvia Xavier: O tráfico de pessoas atua onde há graves violações de direitos humanos em decorrência da pobreza extrema, da desigualdade social, racial, étnica e de gênero, das guerras, da perseguição de cunho religioso. Vários países e comunidades sofrem com a exploração sexual de meninas e de mulheres, que são colocadas no mercado do sexo e do trabalho forçado por meio de uma rede de exploradores e aliciadores que atua bem próxima das comunidades. A face mais visível do problema é o turismo sexual e o embarque de mulheres dos países de origem para os países receptores em busca de oportunidades de trabalho em casas noturnas e boates.
A repressão policial e judicial não é bastante para dar conta do problema e de suas impressionantes dimensões.É preciso que vários órgãos governamentais, organizações da sociedade civil e outros atores sociais se juntem para criar sistemas de observatórios e de denúncias dessas práticas, ainda fortemente arraigadas em nossas sociedades.
Relatório Anual do Departamento de Estado dos EUA, dedicado ao Tráfico Internacional de Pessoas, tem item específico sobre Brasil em que destaca exploração sexual, tráfico de mulheres e trabalho escravo. O Relatório critica o Brasil pela persistência do tráfico de pessoas e pelo trabalho escravo. O documento afirma, como nos relatórios anteriores, que o Brasil é país fonte para o trabalho forçado para a exploração sexual tanto em termos de tráfico interno como tráfico externo. Como o tráfico de seres humanos transcorre às escondidas, existem somente estimativas grosseiras quanto à sua dimensão. Muitas vítimas têm vergonha, medo de ir à polícia e não denunciam os criminosos. Acredita-se que, anualmente, cerca de 30 bilhões de dólares são movimentados e que mais de 2 milhões de pessoas sejam vítimas de tráfico humano no MUNDO. Dessas, metade tem menos de 18 anos e 80% são exploradas sexualmente.
A crise não atingiu os traficantes de seres humanos. A demanda é grande e, devido à internet, a logística funciona sem problemas e todo o setor está bem interconectado
Traficantes de seres humanos se aproveitam de situações de demanda. Pode se tratar da miséria ou de um conflito armado. Mas também a falta de oportunidades ou uma especial vulnerabilidade pode levar pessoas a se tornarem presa fácil para os traficantes de escravos modernos.Com base no Relatório Global de Tráfico de Pessoas do Escritório da ONU sobre Drogas e Crime (UNODC), a maior demanda de pessoas traficadas é para a exploração sexual (79%), seguida pelo trabalho forçado (18%).
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo menos 12,3 milhões de adultos e crianças são explorados em trabalhos forçados e no sexo em todo mundo– 56% são mulheres e garotas. Muitos deixam seus países e acabam tornando-se vítimas do tráfico humano no exterior. Na maioria das vezes, são convencidos pela promessa de uma vida melhor por meio de emprego, oportunidades de estudo e casamento.
De acordo com o Relatório de Tráfico de Pessoas, publicado pelo Departamento de Estado Norte-Americano em junho de 2009, um grande número de mulheres e crianças brasileiras, muitas do estado de Goiás, são traficadas para o exterior para serem exploradas sexualmente, sobretudo em países como Espanha, Itália, Portugal e Holanda. Outras também são traficadas para países vizinhos, como Suriname, Guiana, Venezuela e Paraguai. Com base nestes dados, recentemente, firmou-se um protocolo para ações prioritárias e conjuntas entre os ministros da Justiça do Brasil, da Argentina, da Espanha e de Portugal, que já estão sendo implementados.
Além de ser um país de origem para o tráfico, o Brasil também é um local de destino e de trânsito para outros países. De acordo com o relatório do Departamento de Estado Americano, diversos homens, mulheres e crianças saem da Bolívia e do Paraguai para realizar trabalhos forçados em fábricas têxteis e nas lojas de centros metropolitanos como São Paulo. Segundo o relatório dos EUA, o Brasil possui grande problema com o tráfico interno de pessoas. Entre 250 mil e 400 mil pessoas são exploradas em prostituição doméstica em resorts e áreas turísticas, ao longo de estradas e em bordéis na Amazônia. Mais de 25 mil homens são sujeitados a trabalhos escravos ligados ao cultivo de gado, à plantação de cana e a grandes campos de plantação de milho, algodão e soja; bem como em tarefas de extração mineral, corte de madeira e produção de carvão.

Blog Internacionalize-se: Há uma estimativa de quantas pessoas sejam traficadas ao ano no Paraná?

Dra. Silvia Xavier: Quarenta denúncias de tráfico de pessoas são apuradas pela Secretaria da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos do Paraná. São inquéritos em andamento que tratam de exploração de pessoas para, principalmente, mão de obra análoga à escravidão e também exploração de mulheres com a prostituição, além da remoção de órgãos. É importante ressaltar que para cada denúncia podem resultar em mais de uma vítima, em um desses inquéritos temos 187 vítimas. Não há como mensurar o número preciso de vítimas, pois necessitamos que as denúncias se confirmem nos referidos inquéritos.  


Blog Internacionalize-se: Quantas destas pessoas são mulheres?
As  vítimas geralmente têm entre 16 e 40 anos, as mulheres e meninas representam 56% das denúncias em todo o Estado e 58% das aliciadoras são mulheres. 

Blog Internacionalize-se: Quais as políticas de enfrentamento do tráfico de pessoas adotadas pelo Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado do Paraná?

O tráfico de pessoas é um crime complexo e transnacional, para que haja um efetivo enfrentamento a esse crime, torna-se fundamental o processo de articulação, descentralização e participação de todos os segmentos da sociedade, de forma a estabelecer um pacto federativo entre os distintos poderes e níveis de governo, em parceria com a sociedade civil organizada, institutos de pesquisa e organismos internacionais. A esse conjunto instituições e atores envolvidos no processo denomina-se, de forma genérica, Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
Compondo a Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, destaca-se a atuação da Rede de Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante, bem como dos Comitês Estaduais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Essas instituições, de acordo com suas respectivas atribuições, são responsáveis por materializar os princípios da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas nos estados e municípios.

Blog Internacionalize-se: Como identificar um possível aliciamento para o tráfico de pessoas?

Dra. Silvia Xavier: Geralmente inicia com uma proposta generosa de emprego ou viagem, que pode acabar em cárcere privado. Fique atento!
Crianças são levadas de suas casas com promessas de estudo e segurança, mas acabam virando escravas; o tráfico de órgãos e pessoas é um crime silencioso, sem tiros, sem assaltos e que, na maioria das vezes, começa de forma amistosa. Avalie com desconfiança. Quatro bilhões de pessoas, por ano, em todo o mundo, são vítimas das redes criminosas de tráfico de pessoas. Crianças homens e mulheres são traficadas e desaparecem levadas por aliciadores(as) desta indústria de escravidão.

Blog Internacionalize-se:  O que devo fazer caso eu desconfie que estou sendo aliciado(a)?


Dra. Silvia Xavier: Fique atento! Em caso de suspeita DENUNCIE! Encaminhe e-mail para o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria de Justiça, trabalho e Direitos Humanos (E-mail: nucleoetp@gmail.com) ou ligue para 3221-7252.   Você também pode denunciar via Disque Direitos Humanos (100), Disque Central de Atendimento à Mulher (180) e Disque Denúncia (181). Qualquer um desses meios a denúncia chega ao NETP/PR, os fatos serão apurados e aplicada a medida necessária, com o sigilo habitual.

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