Por Tatiana Ramos Bettega*
Preconceito é um sentimento que se alastra no âmago humano como uma reação ao diferente, à redução da identidade de certos grupos étnicos como “o outro”, aderindo características típicas que os diferenciam de uma cultura tida como superior. No caso dos ciganos, observam-se sentimentos de preconceito e perseguições históricas, que se refletem até os dias atuais, por parte das “culturas dominantes”.
É possível compreender tais sentimentos repulsivos frente a este excepcional grupo étnico, ao tentar compreender melhor a sua história. É muito difícil saber precisamente sobre as origens dos grupos ciganos e sobre a sua trajetória histórica, devido ao fato de que impera sobre os grupos a oratória como cultura tradicional, ou seja, há poucos documentos escritos sobre eles, e os poucos que existem pertencem, majoritariamente, a pesquisadores e observadores não ciganos, ou gadjés¹. Logo, há uma falta de interesse dos próprios grupos ciganos em registrar a sua própria história (CASTRO, 2011, p. 29).
Há divergências dos estudos sobre ciganos sobre a sua origem, portanto. Porém há fortes indícios, devido ao estudo linguístico dos dialetos utilizados pelos grupos espalhados de ciganos, de que eles vieram do Egito – por isso são chamados de gypsies1 pela língua inglesa, ou gitanos pela língua espanhola – ou da Índia – devido à semelhança dos dialetos romani² com a língua sânscrita (CASTRO, 2011). No entanto, independente da origem, estes excêntricos grupos chegaram e se espalharam pela Europa, entre os séculos IX e XIV (CASTRO, 2011, p. 45), havendo uma diáspora por todo o continente.
Analisando o contexto de chegada e propagação dos clãs de ciganos na Europa, percebe-se que imperava a época medieval, ou seja, um cenário extremamente religioso, pautado nos ideais do cristianismo e do catolicismo. Logo, superando a curiosidade dos locais perante grupos de peles mais escuras e trajes diferentes de cores berrantes, deu-se lugar para o desentendimento de uma cultura tão diversificada. Somados às crenças pagãs de quiromancia e leitura das mãos, vistas como heresias frente à Igreja Católica (CASTRO, 2011).
Durante séculos os ciganos foram perseguidos em diversos países do continente, havendo inclusive casos de escravidão em países do leste europeu, como Romênia e Hungria (CASTRO, 2011, p. 46). O preconceito que beira o ódio a esses grupos nômades de línguas e costumes diferentes dos europeus, chegou ao ápice – assim como aconteceu com outros grupos minoritários e historicamente perseguidos, como os judeus – durante o reinado do Terceiro Reich na Alemanha Nazista, que assassinou cerca de 220 mil ciganos e cerca de 3 mil ciganos sinti e roma apenas em Aushwitz-Birkenau, segundo a Fundação Shoah (Shoah Foundation – The Institute for Visual and History Education).
Atualmente, os ciganos constituem a majoritária minoria étnica da Europa, e muitos grupos deixaram de ser nômades, tendo se assentado em bairros mais pobres e periféricos de diversos países europeus. Alguns grupos continuam praticando o nomadismo, especialmente na Bulgária e na Romênia. Porém, durante o século XX, muitos deslocamentos ciganos ocorreram como consequências de perseguições étnicas e conflitos armados, tomando como exemplo o caso do Kosovo.
Com a recente crise financeira que atingiu em peso o continente europeu e a massiva migração de africanos, asiáticos e europeus do leste para a Europa Ocidental, o discurso da extrema-direita veio ganhando peso dentre grupos e partidos políticos em toda a Europa. O caso francês é um dos mais agressivos, com o partido político Frente Nacional, encabeçado por Marine Le Pen. Com uma analogia à ascensão das ideologias de extrema-direita nazifascistas na Europa na década de 1930, vê-se uma conexão com os dias atuais: em meio a uma crise severa e insegurança econômica, abre-se caminho para a intolerância.
Segundo Felipe Rafael Linden e Adriana Kurtz:
Pode-se entender que o fascismo na França não foi produto de uma doutrina introjetada ou compelida a existir numa situação de ocupação – como ocorreu em outros países - mas, ao contrário, foi pioneiro ou antecessor dessa espécie de manifestação política que tornar-se-ia conhecida pelas lideranças de Mussolini e Hitler no século XX.
O discurso ultranacionalista da extrema-direita – em especial foco neste artigo – francesa, repercute sobre várias minorias étnicas instaladas na França, e os ciganos não fogem à regra. Compreende-se os efeitos do discurso ao observar medidas pragmáticas do governo francês em relação aos ciganos, como a expulsão de centenas deles para países do leste Europeu, em especial para a Romênia e a Bulgária e sem direito a regresso, entre 2009 e 2010, tendo a União Europeia criticado tal atitude e pedido para a França cessar a expulsão. Houve muitas reações frente ao discurso e as ações do governo de Sarkozy em relação aos ciganos.
Durante o verão de 2012, vários acampamentos de ciganos foram evacuados de Lille, Lyon e Paris e, ao contrário do que aconteceu em 2010, houve um silencio quanto a isso. Apenas algumas parcelas de esquerda reagiram timidamente, no entanto, a maior parcela da população francesa e europeia agiu com total indiferença. A medida tomada pelo governo contraria as promessas do presidente François Hollande de que não iria desmanchar as moradias provisórias deste povo, enquanto não se achasse uma solução permanente para eles.
Logo, é perceptível que o ambiente social na Europa perante os ciganos nunca foi receptivo, pelo contrário, sempre houve hostilidade. Mesmo tendo o arcabouço de Direitos Humanos nascido em solo europeu, influenciado pela Constituição norte-americana e pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, a Europa é infestada de discursos racistas, xenófobos e preconceituosos, de longa data. Inflamados pelos discursos de extrema-direita – que tendem a ascender em períodos de crise – que apela aos sentimentos apaixonados de nacionalismo e tradicionalismo cultural e histórico, cada vez mais europeus aderem às políticas de ódio “ao outro”. Na França, cada vez mais esse fenômeno conquista a política e a alta política, e cada vez mais é sentido pelos povos alvejados – em especial os ciganos.
___________
1 - Gadjés – como os ciganos se se referem aos “não ciganos” (CASTRO, 2011).
² - Romani – dialeto utilizado por diversos clãs de ciganos, chamados roma (idem).
REFERÊNCIAS
CASTRO, Débora Soares. O OLHAR DE SI E O OLHAR DOS OUTROS: UM ITINERÁRIO ATRAVÉS DAS TRADIÇÕES E DA IDENTIDADE CIGANA. 256f. Dissertação (mestrado) – Curso de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.
COMISSÃO EUROPEIA. Trabalhadores dos novos países da UE: disposições transitórias. Disponível em: <http://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=466&langId=pt>. Acesso em: 01 abr. 2015.
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Ciganos romenos: um problema pan-europeu. Disponível em: <http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=1650025&seccao=Euro pa>. Acesso em: 01 abr. 2015.
LINDEN, Felipe Rafael; KURTZ, Adriana. A Paralaxe de Marine Le Pen: um estudo sobre a construção da imagem na política contemporânea. In: I SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA ESPM. 2012, São Paulo.
Mensagem do Secretário-Geral para o Dia em Memória das Vítimas do Holocausto 2012. Duração: 2min 46seg. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?t=24&v=DsDSbV_75LA>. Acesso em: 01 abr. 2015.
O GLOBO ONLINE. Párias europeus: ciganos enfrentam pobreza, preconceito e perseguição. Disponível em <http://oglobo.globo.com/mundo/pariaseuropeus-ciganos-enfrentam-pobreza-preconceito-perseguicao-10553614>. Acesso em: 01 abr. 2015.
USC SHOAH FOUNDATION. Enhanced by survivor testimony, "The Gypsy Poem" celebrates, eulogizes Roma people. Disponível em: <https://sfi.usc.edu/news/2013/04/enhanced-survivor-testimony-gypsy-poemcelebrates-eulogizes-roma-people>. Acesso em: 01 abr. 2015.
USC SHOAH FOUNDATION. Fate of the Roma. Disponível em: <https://sfi.usc.edu/content/70th-anniversary-sinti-and-roma-genocide>. Acesso em: 01 abr. 2015.
VOXEUROP. Ciganos novamente expulsos, mas em silêncio. Disponível em: <http://www.voxeurop.eu/pt/content/news-brief/2515281-ciganos-novamenteexpulsos-mas-em-silencio>. Acesso em: 01 abr. 2015.
VOXEUROP. Mercado do trabalho finalmente aberto a búlgaros e romenos. Disponível em: <http://www.voxeurop.eu/pt/content/news-brief/2570441mercado-do-trabalho-finalmente-aberto-bulgaros-e-romenos>. Acesso em: 01 abr. 2015.
*Tatiana Ramos Bettega é aluna do quinto período de Relações Internacionais do UNICURITIBA.
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