Por Carlos-Magno Esteves Vasconcellos*
A
independência política e a construção da identidade e soberania nacionais são
processos complexos e geralmente levam longo tempo para se completarem,
principalmente em sociedades vitimadas por colonização estrangeira. As chagas
na alma e as lembranças da dominação custam a se dissipar. Dependendo do legado
dos tempos e da forma de dominação, seus vestígios perduram por gerações.
Algumas heranças culturais permanecem para sempre.
A
África do Sul, país que alcançou sua independência na década de 1930 e, depois,
teve ainda de conviver por décadas com um dos regimes políticos mais infames que
a humanidade conheceu, o regime de segregação
racial denominado apartheid, continua sua luta para a construção da identidade
nacional. Neste abril de 2015 os sul-africanos deram mais um passo neste
sentido. De acordo com a Revista CartaCapital
em sua edição de 06 de maio, a África do Sul acaba de se livrar de mais uma das
chagas que carregava em suas entranhas de um tempo sinistro na história do país:
a emblemática e anacrônica estátua de Cecil Rhodes, plantada em pleno campus da
Universidade da Cidade do Cabo.
Cecil
Rhodes foi um dos principais agentes do Império Britânico para a conquista e
colonização da África do Sul. Este homem chefiou a famigerada Companhia
Britânica da África do Sul e foi cofundador, ao lado da família Rothschild, da
mineradora De Beers que, juntas, espoliaram uma gigantesca riqueza mineral daquele
país. Rhodes e seus sócios desempenharam um papel tão nocivo aos povos da
África do Sul que alguns autores os consideram precursores das experiências de
genocídio que, mais tarde, no século XX, seria implantada pelo nazismo
hitlerista na Europa[1].
Em
1900, pouco mais de uma década após a Conferência de Berlim que serviu para a
divisão da África entre as potências europeias, em uma outra Conferência sobre
a África, reunida em Londres sob a liderança do advogado Sylvester Williams, de
Trinidad
e Tobago, para protestar e denunciar as agressões dos colonizadores contra os
povos africanos, Rhodes esteve em destaque em razão dos métodos violentos que
se utilizava na África do Sul[2].
Rhodes
foi um racista inveterado. Em um dos testamentos que legou para a posteridade,
revelou o estado de espírito que o conduziu à África do Sul:
Considerei a existência de Deus e decidi que há uma
boa chance de que Ele exista. Se Ele realmente existir, deve estar trabalhando
em um Plano. Portanto, Se devo servir a Deus, preciso descobrir o Plano e fazer
o melhor possível para ajudá-Lo em sua execução. Como descobrir o Plano?
Primeiramente, procurar a raça que Deus escolheu para ser o instrumento divino
da futura evolução.
Inquestionavelmente é a raça branca...
Devotarei o restante de minha vida ao propósito de
Deus e a ajudá-Lo a tornar o mundo inglês[3].
Na
reportagem da CartaCapital, o jovem sul-africano Masixole Mlandu, militante do
movimento Rhodes must fall que
conseguiu botar a baixo a estátua de Rhodes, que resistia ao tempo, explicou
com eloquência o significado daquele acontecimento:
As estátuas são só uma metáfora. Elas representam o
sofrimento negro, a nossa derrota enquanto negros neste mundo. Crescemos com a
inferioridade gravada no corpo, privados da nossa própria terra, desconectados
de nós mesmos. Os negros continuam a conviver com a violência todos os dias, em
todos os lados. Escravidão, supremacia branca, capitalismo – é esse até hoje o
verdadeiro legado de Rhodes. Quando dizemos “Rhodes tem de cair” queremos dizer
que a supremacia branca, o capitalismo, o patriarcado e toda a opressão
sistemática baseada em relações de poder tem de cair. Atacando os seus
símbolos, estamos lançando uma verdadeira conversa sobre nós mesmos, a
transformar as nossas escolas, a sociedade e o mundo”. (http://www.cartacapital.com.br/revista/848/caem-os-icones-da-colonizacao-5435.html)
Rhodes
caiu e junto com ele mais um símbolo do imperialismo britânico no mundo. Talvez
agora, os sul-africanos possam erigir, naquele mesmo lugar onde se encontrava o
monumento a um dos maiores criminosos da história ocidental, uma grande obra de
arte esculpida pelas mãos de artistas da terra em homenagem àqueles que foram e
são os verdadeiros responsáveis pela grandeza da África do Sul: o povo sul-africano!
A história da África do Sul está sendo reescrita.
* Carlos-Magno Esteves Vasconcellos é doutor em Economia pela Escola Superior de Economia de Varsóvia, Polônia. É também professor titular das disciplinas de Economia Política Internacional e Empresas Transnacionais no Curso de Graduação de Relações Internacionais, e do módulo em Economia Política da Globalização da Pós-Graduação em Diplomacia e Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba-UniCtba.
Nenhum comentário:
Postar um comentário