sexta-feira, 8 de maio de 2015

O Bitcoin como primeira moeda digital internacional




Por Alexandre Michel Gavronski e Suellen Barreto Foppa*

Moeda1, no sentido teórico da palavra, é composta por três funções principais: ela servir de meio de troca, de unidade de conta e reserva de valor. Por meio de troca entende-se um commoditie qualquer e comum que é aceito pela sociedade como o facilitador das transações, ou seja, o entreposto entre o desejo de um e o desejo de outro, eliminando assim a necessidade do escambo. Por unidade de conta, entende-se a moeda como a principal referência para se determinar o valor de todos os produtos, uns em relação aos outros. Por último, por reserva de valor entende-se que a moeda pode ser guardada para uso posterior e nem por isso ela deixará de ter o valor intrínseco que a sociedade à designa.

Mas, o que é um Bitcoin e quais são seus diferenciais? O Bitcoin é a primeira cripto-moeda2 internacional funcional, gerada por um sistema distribuído mundialmente pela internet, onde todos os computadores tem que validar cada moeda para que ela possa fazer parte do sistema. Os programas para computadores, tablets e celulares, que funcionam como uma carteira3 virtual, são equivalentes aos bancos, e são utilizadas para fazer todas as transações em Bitcoin (Sigla: BTC). Fazendo uma analogia, é como se o programa fosse um portal de ‘Internet Banking’ em que você faz suas transações, porém não existe nenhuma instituição ‘por trás’ do Bitcoin, como, por exemplo, um banco ou um governo, pois a comunidade de usuários é o próprio provedor do sustento da moeda. Essa característica, ou seja, a falta de uma autoridade monetária, faz com que esta seja a primeira moeda descentralizada de uso geral da história.
As moedas virtuais, diferentemente das cripto-moedas, são centralizadas. Isso quer dizer que existe uma autoridade monetária por trás delas, mesmo que seja apenas uma empresa de jogos cuidando da moeda virtual de um jogo, por exemplo. No Bitcoin, portanto, não há tal autoridade específica que pode influenciar na moeda e confiscá-la se desejar, pois o Bitcoin é descentralizado, portanto, não tem regulação monetária.
Satoshi Nakamoto é um nome japonês comum equivalente a ‘John Smith’ que os criadores escolheram como pseudônimo. Este grupo desenvolveu os algoritmos e lançaram os artigos que deram origem ao Bitcoin em 2007, em um site irrastreável. No entanto, essa ideia de cripto-moeda foi descrita pela primeira vez em 1998 por Wei Dai4. O Bitcoin, segundo seus criadores, nasceu da necessidade de se fazer transações financeiras internacionais com um registro absoluto e anonimidade inerente à todo processo transnacional financeiro. Os criadores queriam criar uma moeda que fosse imune à políticas monetárias nacionais, ou seja, que fosse completamente independente de qualquer banco central de qualquer país soberano que seja5. Os formuladores do BTC são programadores visionários neste sentido, pois eles queriam a existência de um sistema financeiro “peer-to-peer”6, mais ou menos como funciona a transmissão por meio de ‘torrent’ hoje na internet, onde o arquivo, ou nesse caso a quantia, é repassada diretamente de uma pessoa para outra, sem intermédios. Isso significa que pode-se receber Bitcoins de qualquer país sem que haja qualquer tipo de fiscalização por parte das nossas instituições financeiras. Existem outras cripto-moedas que surgiram após o Bitcoin, como o Litecoin e o Dogecoin.
No entanto, se os adeptos do Bitcoin acreditarem que ela não tem valor, ela passará a não ter de fato, assim como com o papel-moeda. Hiper-inflação por crise de confiança por exemplo, fato que aconteceu com o dólar zimbabuano e o marco alemão, é uma das consequências disso.

A transação do Bitcoin funciona por duas chaves, uma delas pública para a sociedade te localizar e a outra privada para autenticação das transações. Cada usuário, ou seja, cada dono de uma carteira de Bitcoins, para mover uma quantia de sua carteira virtual para a carteira virtual de outrem, é necessário fazer o seguinte, em ordem: requisitar a chave pública da pessoa à qual você quer transferir o valor em BTC e autenticar a transação com a sua chave privada. A transação, ao aparecer ao público, terá a sua chave pública e a chave pública do recebedor sendo mostrado como garantia da veracidade do processo e também como registro, já que absolutamente todas as transações por Bitcoin são mostradas ao público, por meio da Blockchain. Esse método, segundo JERRY BRITO e ANDREA CASTILLO (2013) não só impede que fraudes aconteçam como também previne a existência de gastos em dobro, ou seja, duplicação de moeda7.
            Existem três maneiras de se conseguir Bitcoins: minerando, recebendo como método de pagamentos e comprando com outra moeda. A novidade aqui é a mineração, pois é o método utilizado pelo algoritmo inventado por Nakamoto para garantir ao mesmo tempo a introdução de novos Bitcoins no mercado e a autenticação de todas as transações, ou seja, garantir que os Bitcoins usados são verdadeiros. Esse método funciona assim: imaginemos uma situação hipotética de uma transação entre duas partes, A e B. Após a transação, os mineradores de Bitcoin, utilizando-se de poderio computacional, começam a verificar a transação, que automatica e instantaneamente apareceu na Blockchain. A Blockchain são diversas 'caixas' virtuais onde ficam armazenadas as transações8 por BTC. O ponto aqui é que estas caixas são fechadas por uma chave criptografada, criada pelo algoritmo de Nakamoto, e a missão dos mineradores é justamente quebrar esta chave9. Quem está familiarizado com Dan Brown certamente deve conhecer o livro Fortaleza Digital. Resumidamente, a história gira em volta de um supercomputador americano de dimensões bem consideráveis que consegue quebrar a criptografia de todo tipo de chave digital. A analogia é interessante, pois é como se todos os mineradores, interligados por meio da internet, formassem um supercomputador, que ao mesmo tempo que verifica as movimentações de Bitcoin recebe novos em retorno como recompensa pela verificação. A Blockchain, nesta analogia, é uma chave gigante com diversas etapas a serem quebradas, ou seja, blocos10 a serem decriptografados.
            O mecanismo que os computadores se utilizam para descobrir a chave é basicamente a tentativa e erro, sendo na aleatoriedade o achado. O ponto principal é que, como o supercomputador da ficção de Dan Brown, os computadores mais poderosos são os que calculam mais rápido, e por isso tem mais tentativas em menor tempo.




Nesse gráfico11 se vê o grau de dificuldade de mineração desde 2009 até o presente. Mesmo não sendo exata, a curva está perto de ter um crescimento exponencial, em um primeiro momento, para depois desacelerar um pouco, mas não deixa de crescer. Isso significa que quanto mais perto se chega da meta final de 21 milhões de BTC, maior é o poderio computacional mínimo necessário para minerar Bitcoins. Isso explica o que porquê de, no ano subsequente à inauguração do algoritmo, computadores normais conseguirem minerar Bitcoins suficientes, enquanto a moeda valia, no final de 2012, $14 dólares americanos a unidade. Hoje, em maio de 2015, a moeda vale $233 dólares12. e computadores normais não conseguem mais minerar Bitcoins de uma maneira que consiga suprir a depreciação dos produtos eletrônicos e o custo da energia elétrica necessária no processo. Porém, ainda se encontra vantajoso numa escala macro, pois deve-se levar em conta nessas horas a Lei de Moore13, que previu em 1965 que a quantidade de transistores em um mesmo espaço dobraria a cada ano, depois sendo corrigida em 1975, dizendo que seria a cada dois anos. A segunda previsão se mostrou correta, o que quer dizer que a cada dois anos dobra a capacidade dos processadores, trazendo mais velocidade e eficiência na quebra de códigos criptografados, diminuindo a dificuldade relativa na mineração.
Mas, mesmo entendendo o método, diversas questões permanecem: há limite para a criação de Bitcoins? Minerar em 2020 será tão fácil quanto foi em 2010? Se não, por quê? Para responder essas perguntas, é preciso saber primeiro que o número de Bitcoins é finito. Até o final do processo de criação serão 21 milhões de BTC disponíveis. Segundo cálculos atuais, uma unidade de Bitcoin surge na rede a cada 10 minutos14, e dessa informação é concluido que os Bitcoins terminarão de ser criados ao redor de 2140. Isso nos remete à ideia de escassez, assim como ocorre com o ouro e por consequência com o dinheiro real, ou seja, a possibilidade de um dia a oferta de Bitcoin, quando for cortada, gerar uma falta de moeda no mercado. Porém, essa possibilidade não existe nesse caso, pois mesmo que possamos dizer que ela é finita em 21 milhões, a capacidade de utilização do Bitcoin como meio de troca é infinita pelo fato de ser digital e, portanto, infinitamente divisível.

É translúcida a quantia de coisas que o Bitcoin influencia ou tem capacidade de influenciar no dia-a-dia dos Estados, indivíduos e algumas organizações internacionais. Com um mundo cada vez mais mergulhado em globalização, as fronteiras nacionais não tem mais tanta importância quanto tinham 50 anos atrás, e a tendência geral é que continue a declinar. Além do tangível, a rede mundial de computadores nos deu uma nova noção de espaço, desta vez muito mais abstrato, e uma nova lógica monetária surgiu em decorrência disso. Foi nesse cenário de liberdade cibernética e internacionalização de todas as áreas da sociedade humana que surgiu o Bitcoin, basicamente como uma resposta aos anseios de um Estado menos intrusivo na riqueza pessoal das populações e menos poderoso em relação ás liberdades do indivíduo.

Algumas considerações emergem desses fatos. Primeiramente, a queda completa e total de qualquer tipo de fronteira nacional monetária, causada pela descentralização completa do Bitcoin e pela inexistência de qualquer tipo de regulamentação ou intrusão Estatal nas transações internacionais. Qualquer um pode, utilizando do Bitcoin, comprar algo em qualquer outro país instantaneamente sem a ocorrência de impasses governamentais. Isso ocorre devido à falta de legislação sobre o assunto até a presente data deste artigo, mas também devido à dificuldade intrínseca de se regulamentar qualquer coisa na internet. Por segundo, a perda do monopólio das autoridades monetárias de cada país de gerenciar a parte monetária de sua economia como bem entender. Enquanto o nosso Banco Central pode influenciar a entrada e saída de dólares na maneira que desejar, não pode fazer isso com o Bitcoin. Hipoteticamente, poderiam ocorrer situações na qual existem mais Bitcoin circulando do que a moeda oficial de um país, em um determinado território, e isso tem consequências drásticas, como por exemplo a terceira consideração: o aumento cada vez maior da interdependência econômica. Se o Estado já não possui mais o domínio da política monetária internacional nesse cenário hipotético, já não tem em suas mãos todas as rédeas do curso desejado para a economia nacional, e isso significa que cada vez mais também estão sujeitos às mudanças no cenário internacional. Com o Bitcoin, a economia deixa de ter um caráter nacional e passa ter pela primeira vez um caráter verdadeiramente internacional, por causa da livre circulação mundial não-regularizada de moeda digital. Uma quarta consequência em uma economia global baseada em cripto-moedas é o fim da necessidade de se contabilizar dados econômicos para métodos de interpretação e estatística, pois por terem absolutamente todas as transações como sendo públicas e registradas, o Bitcoin é a sua própria estatística, e em tempo real.

Porém, o Bitcoin tem alguns fatos que podem ser vistos como negativos, como por exemplo a grande flutuação em seu valor, demonstrada pelos registros da moeda, mesmo que no presente momento esteja mais estável em relação ao dólar. Outros pontos são a evasão de pagamento de impostos, por causa da anonimidade da moeda e a facilidade com que se pode perder sua carteira virtual, pois sem a chave original não há como acessá-la. Entretanto, a maior crítica se faz em relação à falta de regulamentação, que ao mesmo tempo que é a maior crítica negativa ao Bitcoin, também é a sua glória, fundamentada na liberdade individual.
           
Como afirmação da crescente importância do Bitcoin no mercado nacional brasileiro, a primeira loja física de corretagem (compra e venda) de BTC abriu suas portas em Curitiba - PR no dia 17 de Junho de 201415, além das inúmeras lojas virtuais já existentes por todo o país. É cada vez mais disseminado o uso do Bitcoin e suas consequências nos trazem reflexões importantes. O objetivo deste artigo é, em última instância, a apresentação dos conceitos e do funcionamento do Bitcoin de uma forma introdutória e não aprofundada, e para o interessado é recomendado uma leitura16 mais densa sobre o assunto.

*Alunos do terceiro período de Relações Internacionais do UNICURITIBA.


REFERÊNCIAS:
16.  Relacionados:
União européia:

Como os governos estão reagindo a BT

Declaração de Imposto de renda

BTC e o Banco Central norte-americano

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