Por Carlos Magno
Esteves Vasconcellos[1]
Na semana
passada, o Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba realizou, nas
dependências da instituição, a sua Semana Acadêmica relativa ao primeiro
semestre de 2015. Na oportunidade, além de um interessante debate entre atuais
acadêmicos e ex-alunos do Curso e hoje profissionais atuantes e bem sucedidos
no mercado de trabalho, foram realizadas outras três palestras com temáticas de
grande relevância para os internacionalistas, a saber: A ascensão econômica da China e seus
reflexos na geopolítica mundial contemporânea; Política e democracia no Brasil,
30 anos depois da redemocratização; Repensando
o desenvolvimento econômico: a instrumentalização pela empresa pública – a
experiência da Petrobrás, ou a atração do capital estrangeiro.
Na primeira destas
palestras, sobre a ascensão econômica da China, os trabalhos foram
desenvolvidos pelo cientista político e consultor de empresas Fernando
Marcelino Pereira, na condição de palestrante, e pelo administrador de empresas
e Professor de Comércio Exterior de nossa instituição, sr. Marcelo Grendel, na
condição de debatedor. O tema dispensa comentários no tocante à sua relevância
internacional, tendo em vista as transformações pelas quais passou e o lugar
que alcançou a China na economia mundial nas últimas décadas. Vale acrescentar
que, para os internacionalistas, conhecer melhor o país de Confúcio, de Mao Tsé
Tung e de Deng Xiaoping tornou-se uma urgente obrigatoriedade, afinal de contas
a China é atualmente nosso principal parceiro comercial.
As exposições
orais dos srs. Fernando Marcelino e Marcelo Grendel foram deveras
esclarecedoras, permitindo aos presentes construir uma visão muito mais apurada
do significado da expansão econômica da China, assim como dos desafios que isso
apresenta para o sistema internacional. De modo geral, o assunto foi explanado
pelo palestrante através de uma análise bidimensional: primeiro, as grandes
políticas econômicas e afins implementadas pelo governo chinês no plano
interno; em seguida, as ações estratégicas de política externa. Dois
ensinamentos de importância maior podem ser destacados da palestra: primeiro,
no plano interno, o fato de que, apesar de todas as reformas econômicas
vivenciadas pela China a partir da década de 1970, reformas liberalizantes e
facilitadoras de relações sociais capitalistas na economia, o Estado chinês
continua a funcionar como o grande guardião e garantidor da prosperidade
econômica e da estabilidade social do país. A maior presença do capital privado
chinês e do capital privado estrangeiro não eclipsaram a preponderância do
Estado no controle da sociedade nacional. Segundo, no plano externo, a
extraordinária dependência econômica da China em termos de matérias-primas,
produtos agrícolas e mercados consumidores externos. Essa dependência tem dado
à política exterior chinesa um perfil extremamente ofensivo e invasivo sobre os
mercados internacionais. Aí parece residir um dos pontos de atrito mais
sensíveis da política internacional contemporânea. Ao mesmo tempo, para países
como o Brasil, faz nascer uma grande oportunidade para a construção de um
modelo de cooperação internacional que ofereça alternativas mais auspiciosas ao
seu desenvolvimento.
A palestra
versando sobre Política e Democracia no Brasil, 30 anos depois da redemocratização, não podia ser mais oportuna. O país saiu no passado
recente de um dos períodos mais sombrios de sua história: uma ditadura que
durou vinte anos. O fim do capitalismo autoritário no Brasil foi trágico! A
ilusão de transformar o país em uma grande potência mundial degenerou-se em um
pesadelo de bancarrota econômica e crise social. Em 1985, a redemocratização
nacional foi acolhida com grande esperança pela sociedade que acreditava poder
reescrever o seu futuro a partir do diálogo social. Contudo, a redemocratização
do Brasil chegou com um gosto meio amargo. O primeiro presidente civil do país,
após sua redemocratização, surgiu de um arranjo político entre as forças
progressistas e as forças do atraso, e acabou favorecendo o representante das
forças do atraso, na figura do sr. José Sarney. Quatro anos depois, em 1989, na
primeira eleição direta para a presidência da república os brasileiros elegeram
o político que se auto intitulava o “caçador de marajás”: Fernando Collor de
Mello. Foram dois anos de intenso aventureirismo político. Em 1992, acusado de
inúmeras práticas de corrupção, o sr. Collor de Mello renunciava. Em seu lugar,
assumia o vice-presidente, sr. Itamar Franco, para o qual ninguém havia
depositado um voto sequer nas urnas. Itamar Franco estava fadado a cumprir um
mandato sem brilho nem grandes realizações, mas, em seu último ano à frente do
Executivo nacional, lançou um novo plano econômico que – ao conseguir domar a
inflação - o colocou na história do país: o Plano Real. Surfando na
popularidade do Plano Real, Itamar elegeu seu sucessor, o sociólogo Fernando
Henrique Cardoso. FHC governou com apoio popular durante seu primeiro mandato e
conseguiu se reeleger depois de aprovar o instituto da reeleição presidencial
junto a um Congresso Nacional que lhe era francamente majoritário. Com um
segundo mandato desastroso, o sociólogo se viu obrigado à ceder o Palácio do
Planalto para outro inquilino: o operário Luis Ignácio Lula da Silva, do
Partido dos Trabalhadores. Quando Lula chegou à Presidência da República uma
nova onda de grandes esperanças tomou conta do país. Finalmente, o Brasil
parecia estar pronto para romper com toda uma série de más tradições:
politicagem, corrupção, nepotismo, etc... Mas, já no primeiro mandato do presidente
Lula, as esperanças de um Brasil diferente foram sendo golpeadas pelas
denúncias do famigerado mensalão. Vinte e cinco anos após a redemocratização do
país e oito anos de governo do Partido dos Trabalhadores as transformações socioeconômicas
e políticas do Brasil pareciam pequenas diante das necessidades e das expectativas
sociais. Apesar de tudo, em 2010, Lula conseguiu fazer sua sucessora, a
presidenta Dilma Rousseff, primeira mulher a ocupar o cargo mais elevado da
Republica. As gestões de Dilma Rousseff à frente do Governo Federal têm sido
manchadas por denúncias de corrupção e outras práticas políticas fraudulentas
que, aliadas aos fracos resultados no campo econômico, vem criando um campo
fértil para o ressurgimento de forças políticas conservadoras que suspeitava-se
ultrapassadas.
Aonde
conduziu-nos a democracia? O que esperar do cenário político-partidário
nacional?
As
palestras dos professores Violeta Caldeira e Marlus Vinícius Forigo tiveram o
propósito de responder a questões como estas. Os dois palestrantes, com
formação acadêmica em Ciência Política e vasta experiência no magistério superior
em nossa instituição, fizeram uma habilidosa e qualificada discussão sobre o
desenvolvimento e o modus operandi da
política e do sistema político-partidário brasileiro. Embora tendo se utilizado
de métodos diferentes de abordagem, os palestrantes pareceram convergir para
uma mesma conclusão: o problema da democracia política nacional é de ordem
sistêmica. Isso significa dizer que a simples alternância de governantes à
frente do Executivo nada significa. Significa dizer também que, depois de
implantada institucionalmente, a democracia brasileira carece de um salto de
qualidade, isto é, de uma ampla reestruturação. Com a explanação do professor
Marlus Forigo aprendemos que um dos grandes problemas da democracia brasileira
foi o processo de desideologização dos partidos políticos identificado,
principalmente, nas campanhas políticas e governos de FHC e Lula/Dilma (1995-2015).
Com a análise da professora Violeta Caldeira descobrimos, entre outras coisas,
que a lógica de funcionamento e relacionamento que o Congresso Nacional impõe
aos partidos políticos levou não apenas à criação de uma estrutura de poder
altamente hierarquizada dentro dos partidos, mas também a uma forte
centralização do poder político partidário nas mãos de suas principais
lideranças. Juntando as falas dos palestrantes percebe-se que o sistema
político e, portanto, a democracia brasileira perdeu representatividade. Dito
de outra forma: a política brasileira tornou-se um campo de batalha descolado
dos interesses e anseios políticos da sociedade. Para complicar um pouquinho
mais a situação, os palestrantes deixaram a impressão de não acreditarem que o
quadro geral apresentado possa ser reestruturado a partir dos partidos
políticos ou do Congresso Nacional, mas somente por instituições da sociedade
civil organizada.
De
um modo geral, a palestra sobre Política e Democracia no Brasil despertou o
interesse dos alunos do Curso de Relações Internacionais pois esses puderam compreender
que, na ausência de um sistema político representativo, até mesmo a diplomacia
brasileira ficará refém do casuísmo político.
A
terceira palestra da Semana Acadêmica esteve sob a responsabilidade das
professoras Jaqueline Ganzert Afonso, internacionalista e mestre em Ciência
Política pela Universidade de Montreal, Canadá, e Michele Hastreiter, mestre em
Direito Internacional pela PUC-PR. As professoras Jaqueline e Michele trouxeram
para os acadêmicos de Relações Internacionais do UniCuritiba uma interessante
reflexão sobre a problemática do desenvolvimento econômico nacional e do papel
que aí desempenha o capital nacional e o capital estrangeiro. Ainda que não
seja discutido sob a perspectiva da exclusividade do capital nacional ou do
capital estrangeiro no desenvolvimento do Brasil, o assunto suscita polêmica.
A
história econômica do Brasil registra um relacionamento intenso e constante com
o capital estrangeiro desde a independência, no início do século XIX.
Inicialmente sob a forma de capital-dinheiro, depois sob a forma de capital
mercadoria e, finalmente sob a forma de capital-produtivo (investimentos
diretos) o capital estrangeiro sempre ocupou lugar de destaque na economia brasileira.
Excetuando o presidente João Goulart, que acabou destituído do poder por um
golpe militar, os governantes do Brasil jamais criaram problemas com os
investidores estrangeiros. Nem mesmo Getúlio Vargas, Lula ou Dilma Rousseff,
normalmente tidos como presidentes nacionalistas ou esquerdistas, criaram
problemas para investidores estrangeiros no Brasil. Hoje, depois de 25 anos de
políticas econômicas liberalizantes, o capital estrangeiro possui posição de
preponderância inquestionável na economia nacional. Talvez seja esta a razão da
polêmica que o tema suscita entre nós: até que ponto, a presença ostensiva do
capital estrangeiro em nossa economia deve ser responsabilizada por sua fragilidade
e instabilidade? Não seria do interesse do país o fortalecimento das empresas
nacionais, de modo a reduzir a dependência econômica em relação aos
investimentos estrangeiros? Quais as ações efetivas que o governo brasileiro
poderia implementar para facilitar a vida do empresariado nacional e, ao mesmo
tempo, limitar o campo de ação e influência das empresas estrangeiras?
A
professora Jaqueline Ganzert Afonso se propôs a resgatar, em sua fala, a
experiência brasileira com políticas de fortalecimento do capital nacional
através da intervenção direta do Estado na economia. Seu objeto específico de
reflexão foi a Petrobrás e sua instrumentalização para atender objetivos de uma
política de desenvolvimento industrial do país. Por outro lado, a professora
Michele Hastreiter trouxe à reflexão as diversas modalidades de acordos
internacionais relacionados aos investimentos estrangeiros ressaltando a
natureza controversa dos mesmos. Além disso, chamou a atenção do público
presente para a assimetria de responsabilidades entre investidores estrangeiros
e países hospedeiros nos acordos subscritos até o momento. Tal assimetria se
revelaria, segundo a palestrante, através das cláusulas contratuais que, via de
regra, estariam preocupadas principalmente com a segurança dos investidores.
Temas
variados e atuais, de relevância inquestionável para os acadêmicos do Curso, e
discutidos por intelectuais qualificados fizeram da Semana Acadêmica de Relações
Internacionais mais um evento de excelência do UniCuritiba. A expectativa que
fica é que as sementes de interesse plantadas durante as palestras possam agora
frutificar em audaciosos projetos de pesquisa acadêmica.
[1] Carlos-Magno Esteves
Vasconcellos é doutor em Economia pela Escola Superior de Economia de Varsóvia,
Polônia. É também professor titular das disciplinas de Economia Política
Internacional e Empresas Transnacionais no Curso de Graduação de Relações
Internacionais, e do módulo em Economia Política da Globalização da
Pós-Graduação em Diplomacia e Relações Internacionais do Centro Universitário
Curitiba-UniCtba.
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