sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Da teoria à prática: institutos europeus de relações internacionais são convidados a traçar uma estratégia global para a Europa — e convidam todo mundo a participar



Foto: portal da European Global Strategy, lançado em outubro de 2012.

Por Gabriela Prado

É o sonho de qualquer um que estuda ciências humanas e sociais: ser ouvido pela classe política a ponto de, eventualmente, colocar suas ideias e estudos em prática. E eis que a oportunidade surgiu: institutos de Relações Internacionais e política da externa da Espanha, Itália, Polônia e Suécia foram convidados pelos respectivos Ministros do Exterior para traçar uma Estratégia Global Europeia (EGS). O objetivo do processo, que começou em julho deste ano, é estimular o debate sobre quais devem ser os rumos da Europa nos próximos anos.

Entre julho de 2012 e maio de 2013 os quatro institutos organizadores (Real Instituto Elcano – Espanha; Instuto Affari Internazionali – IAI, Itália; Polish Institute for International Affairs – PISM, Polônia e o Utrikespolitiska Institutet – Ui, Suécia) irão promover seminários e painéis para fomentar as discussões. O documento final, a ser publicado em maio de 2013, será elaborado por um pequeno grupo de autores e vai então ser encaminhado aos Ministros das Relações Exteriores, encarregados de transformar as estratégias traçadas em políticas que serão submetidas à Comissão Europeia. O processo vai passar por discussões sobre o que pressupõe uma estratégia, quais são os desafios para o continente europeu, quais são os valores e fundamentos de uma estratégia global e, finalmente, quais os instrumentos e passos para tal. Além destes eventos “oficiais” organizados pelos institutos-sede, no entanto, será possível às instituições parceiras criarem e promoverem os próprios eventos e contribuir para o debate.

Um dos objetivos, aliás, é ter a contribuição de outros institutos e centros de estudo — na Europa e fora dela. O centro de contato com o projeto é o portal criado (http://www.euglobalstrategy.eu), onde é possível acessar os documentos publicados, ver os eventos, participar dos debates e inclusive enviar contribuições e artigos próprios. Segundo Anna Jardfelt, a diretora do Ui, as contribuições externas serão bastante importantes para que o resultado reflita de fato o “pan-europeísmo”, por assim dizer, que caracteriza o processo. Essa noção provavelmente influenciou a mudança do nome da iniciativa, de “European Security Strategy” para “European Global Strategy”: o foco deve sair das questões de segurança apenas para focar nos “valores europeus” e outros desafios que vão além da segurança internacional.

Um projeto dessa magnitude inevitavelmente divide as opiniões e causa controvérsias. Na reunião de apresentação em 18 de outubro, em Estocolmo, o diretor de pesquisa do Ui, Johan Eriksson, reconheceu o desafio mas lembrou que a oportunidade é extremamente significativa e completou: “a ideia é produzir um documento corajoso e sem medo de ser controverso”, que mostre o que realmente precisa ser feito ou pensado, sem se preocupar se isso é politicamente inconveniente. Os questionamentos, no entanto, são vários: o escopo da iniciativa é bastante amplo (talvez até demais?), o tempo é curto e condensar tantas e tão diversas contribuições será tarefa não menos que hercúlea.

Independentemente dos questionamentos, é preciso reconhecer que a oportunidade de apresentar propostas baseadas em anos de pesquisa para a criação de políticas na prática é imperdível. É curioso imaginar, no entanto, a motivação para um movimento como esse. Após a Segunda Guerra Mundial, os civis e acadêmicos de ciências sociais — como as RI ­— foram convidados a participar das decisões de segurança nacional e internacional, antes um domínio puramente militar, porque percebeu-se que o poder nuclear era algo que não poderia mais ser controlado de forma tradicional. A possibilidade de destruição total tornou a segurança um domínio delicado na época e provavelmente trouxe um certo pânico para os então responsáveis pela questão. Fica a questão: terá sido um desespero análogo o que levou a essa iniciativa, ou apenas a noção de que a academia realmente tem muito a contribuir nessa área? Independentemente da resposta, o importante é não perder a oportunidade — e garantir que as propostas reflitam de fato temas e pontos relevantes e por vezes ignorados pela burocracia.



Gabriela Prado é internacionalista formada pelo Unicuritiba em 2009 e concluiu em 2012 o MSc International Business Negotiation pela École Supérieure du Commerce de Rennes. Atualmente mora em Estocolmo e é membro do Utrikespolitiska Institutet (Swedish Institute of International Affairs). 

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