Foto: portal da European Global Strategy, lançado em outubro de 2012.
Por Gabriela Prado
É o sonho de qualquer um que estuda ciências
humanas e sociais: ser ouvido pela classe política a ponto de, eventualmente,
colocar suas ideias e estudos em prática. E eis que a oportunidade surgiu: institutos
de Relações Internacionais e política da externa da Espanha, Itália, Polônia e
Suécia foram convidados pelos respectivos Ministros do Exterior para traçar uma
Estratégia Global Europeia (EGS). O objetivo do processo, que começou em julho
deste ano, é estimular o debate sobre quais devem ser os rumos da Europa nos
próximos anos.
Entre julho de 2012 e maio de 2013 os quatro
institutos organizadores (Real Instituto Elcano – Espanha; Instuto Affari
Internazionali – IAI, Itália; Polish Institute for International Affairs –
PISM, Polônia e o Utrikespolitiska Institutet – Ui, Suécia) irão promover
seminários e painéis para fomentar as discussões. O documento final, a ser
publicado em maio de 2013, será elaborado por um pequeno grupo de autores e vai
então ser encaminhado aos Ministros das Relações Exteriores, encarregados de
transformar as estratégias traçadas em políticas que serão submetidas à Comissão Europeia. O processo vai passar por discussões sobre o que pressupõe
uma estratégia, quais são os desafios para o continente europeu, quais são os
valores e fundamentos de uma estratégia global e, finalmente, quais os
instrumentos e passos para tal. Além destes eventos “oficiais” organizados
pelos institutos-sede, no entanto, será possível às instituições parceiras
criarem e promoverem os próprios eventos e contribuir para o debate.
Um dos objetivos, aliás, é ter a contribuição
de outros institutos e centros de estudo — na Europa e fora dela. O centro de
contato com o projeto é o portal criado (http://www.euglobalstrategy.eu), onde é possível acessar os documentos
publicados, ver os eventos, participar dos debates e inclusive enviar
contribuições e artigos próprios. Segundo Anna Jardfelt, a diretora do Ui, as
contribuições externas serão bastante importantes para que o resultado reflita
de fato o “pan-europeísmo”, por assim dizer, que caracteriza o processo. Essa
noção provavelmente influenciou a mudança do nome da iniciativa, de “European
Security Strategy” para “European Global Strategy”: o foco deve sair das
questões de segurança apenas para focar nos “valores europeus” e outros
desafios que vão além da segurança internacional.
Um projeto dessa magnitude inevitavelmente
divide as opiniões e causa controvérsias. Na reunião de apresentação em 18 de
outubro, em Estocolmo, o diretor de pesquisa do Ui, Johan Eriksson, reconheceu
o desafio mas lembrou que a oportunidade é extremamente significativa e
completou: “a ideia é produzir um documento corajoso e sem medo de ser
controverso”, que mostre o que realmente precisa ser feito ou pensado, sem se
preocupar se isso é politicamente inconveniente. Os questionamentos, no entanto,
são vários: o escopo da iniciativa é bastante amplo (talvez até demais?), o
tempo é curto e condensar tantas e tão diversas contribuições será tarefa não
menos que hercúlea.
Independentemente dos questionamentos, é
preciso reconhecer que a oportunidade de apresentar propostas baseadas em anos
de pesquisa para a criação de políticas na prática é imperdível. É curioso
imaginar, no entanto, a motivação para um movimento como esse. Após a Segunda
Guerra Mundial, os civis e acadêmicos de ciências sociais — como as RI — foram
convidados a participar das decisões de segurança nacional e internacional,
antes um domínio puramente militar, porque percebeu-se que o poder nuclear era
algo que não poderia mais ser controlado de forma tradicional. A possibilidade
de destruição total tornou a segurança um domínio delicado na época e
provavelmente trouxe um certo pânico para os então responsáveis pela questão.
Fica a questão: terá sido um desespero análogo o que levou a essa iniciativa,
ou apenas a noção de que a academia realmente tem muito a contribuir nessa
área? Independentemente da resposta, o importante é não perder a oportunidade —
e garantir que as propostas reflitam de fato temas e pontos relevantes e por
vezes ignorados pela burocracia.
Gabriela Prado é internacionalista formada pelo Unicuritiba em 2009 e concluiu em 2012 o MSc International Business Negotiation pela École Supérieure du Commerce de Rennes. Atualmente mora em Estocolmo e é membro do Utrikespolitiska Institutet (Swedish Institute of International Affairs).
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