terça-feira, 5 de abril de 2011

O fim da Primavera Árabe e o caso da Síria

Bashar Al-Assad, presidente sírio.
Por Andrew Patrick Traumann *

Muito se tem falado sobre os acontecimentos na Líbia, que parecia ser a próxima pedra do dominó árabe a cair após os levantes da Tunísia e Egito. No entanto, o tempo se encarregou de mostrar que os protestos  na Líbia possuem um caráter muito diferente do que ocorreu em países vizinhos. A oposição líbia na verdade não possui compromisso algum com reformas democráticas e o perfil de seus integrantes está muito mais ligado a uma luta tribal com nuances nacionalistas do que a revolução comandada por jovens integrados a redes sociais como vimos no Egito.
Em outras partes do mundo árabe revoltas também vêm ocorrendo desde o início do ano, mas podemos afirmar que a chamada Primavera Árabe vive seus estertores. Iêmen, Bahrein, Jordânia e Síria ainda vivem um clima politicamente agitado, mas devido a questões pontuais e localizadas,as quais seria um equívoco relacionar com o que ocorreu na Tunísia e no Egito. O Iêmen é tribalizado e isolado demais para ser inserido neste contexto, no Bahrein a revolta é claramente de ordem religiosa e não social (a maioria xiita é oprimida por um governante sunita), e na Jordânia a promessa de reformas parece ter arrefecido o ânimo dos manifestantes. Já a Síria, possui particularidades que deveriam a princípio transformá-la no centro das atenções do noticiário internacional não estivessem as potências ocidentais intervindo na Líbia.



A Síria exerce influência no Iraque, territórios palestinos e Líbano. Possui um acordo de mútua defesa com o Irã, sendo seu principal aliado na região. Como nenhum acordo de paz jamais foi assinado com Israel após a Guerra dos Seis Dias, tecnicamente os dois países ainda encontram-se em guerra e o governo de Bashar Al Assad,assim como o do seu pai Hafez apoia o Hamas. Damasco considera o Líbano sua zona de influência, inclusive ocupando  o território libanês até 2005. Com o Iraque, a Síria possui relações históricas já que os dois países eram governados pelo mesmo partido, o Ba’ath durante décadas. Após a invasão norte-americana o pragmático governo de Bashar Al Assad optou por apoiar a posição norte-americana de estabelecer um governo de “união nacional” (entre sunitas, xiitas e curdos) no país.
Devido a todos estes fatores, a Síria é um país de suma importância no mundo árabe. Qualquer evento que ocorra no país repercute imediatamente em toda a região, pois qualquer mudança na política local interfere nas relações com Líbano, Irã e na delicada questão palestina. Porém, a dinastia Assad lidera um dos regimes mais fechados e repressores do mundo, no qual a população vive sob estado de emergência há quase cinqüenta anos. Os direitos civis inexistem, e o regime pode prender quem quiser sem mandado  judicial, proibir manifestações e reuniões e controlar totalmente a mídia local. Milhares de pessoas foram torturadas e mortas ao longo destes anos. O caso mais célebre foi o massacre na cidade de Hama, em 1982, quando, segundo estimativas independentes, as tropas sírias mataram cerca de 20 mil pessoas. Os sírios vivem com medo mas  é fato também  que boa parte da população apoia o atual regime muitas vezes por identificarem “modernidades” como a democracia e os direitos civis com intervenções ocidentais e por não terem conhecido outro regime, afinal nos últimos cinqüenta anos foram apenas dois presidentes,pai e filho. Na capital Damasco o presidente tem procurado comprar apoio da sua base o funcionalismo público com aumentos de salários. O regime obviamente permite e estimula manifestações a seu favor, enquanto reprime a oposição, porém é inegável que Bashar possui um genuíno apoio popular o que difere ainda mais o caso sírio do processo ocorrido na Tunísia e Egito e faz com que todos percebam as particularidades de cada país e sociedade árabe, que não são, definitivamente, monólitos uniformes.
*Andrew Patrick Traumann, mestre em História e Política pela UNESP e doutorando em História, Cultura e Poder pela UFPR é professor de História das Relações Internacionais do UNICURITIBA.

Um comentário:

  1. A Síria passa por momentos de desgaste em seu modelo de governo,autoritário e opressor,mas evidentemente todos nós sabemos que nem todo regime desta natureza perecerá por muito tempo uma hora a coisa se desmantela,é apenas questão de tempo. muito se sabe que estes povos ainda vivem impregnados a costumes antigos e tradições milenares de geração para geração,mas estes povos ainda não aprenderam,ou não querem viver numa sociedade com direitos civis,liberdade de expressão e demais outros benefícios que o mundo ocidental tem,pelo jeito devem gostar da maneira que vivem ou aceitam tal opressão por medo de perdas ou massacres,interessante é que estes povos não somente eles mais os demais desta região do oriente médio,sofreram e viveram sobre regimes imperiais muito forte por muitos e muitos anos,estou falando do império romano do ocidente que por muito tempo povou e sugou todas as riquezas e economias deste solo em séculos passados,hoje em plena contemporâneidade poucas coisas mudaram no que diz respeito aos sistemas de governos,mas no meu ponto de vista estas lutas e revoltas das classes sociais contra o regime opressor só terão efeito com tempero ocidental,os USA, de vez em quando dar uma afinetada no presidente sírio que até então faz vista grossa aos olhos do ocidente,mas vale lembrar que o presidente sírio ou melhor ditador sírio tem total apoio das forças armadas sírias,diferentemente do Egito e da Tunísia que no início teve apoio dos militares,mas depois ocorreu efeito contrário,onde os militares passaram a apoiar a revolta popular. para que ocorra uma derrubada do regime necessita também de uma revolta popular mas que seja geral e não somente uma parte da população,pois sendo assim generalizado fica muito mais difícil controlar as massas. manoel lima

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